Gás Natural

ANP e Arsesp abrem novo conflito federativo na regulação do mercado de gás

Dessa vez, alvo do conflito federativo são as regras de São Paulo para a comercialização de gás

ANP espera concluir até 2025 todas as regulamentações para o gás natural de sua atual agenda regulatória. Na imagem: Estande da ANP na Rio Oil and Gas (Foto: Saulo Cruz/MME)
Agência Nacional do Petróleo (ANP) está com a agenda regulatória atrasada (Foto: Saulo Cruz/MME)

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Editada por André Ramalho
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PIPELINE ANP vê nova invasão de competência da Arsesp na regulação do mercado de gás. Dessa vez, alvo do conflito federativo são as regras de São Paulo para a comercialização de gás.

Jabuti no PL das eólicas offshore garante nova regra para viabilizar térmicas a gás previstas na lei de privatização da Eletrobras. Petrobras e CEG encerram disputa no Rio. J&F entra na produção de gás da Argentina.

TBG e TAG iniciam processo simplificado para oferta de capacidade. Vibra recusa proposta de fusão com Eneva e mais. Confira:

MAIS UMA BOLA DIVIDIDA

Um novo conflito federativo sobre a regulação do gás natural começa a ganhar corpo entre a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) e a Arsesp, a agência reguladora de São Paulo, enquanto as duas partes ainda tentam chegar a um acordo para encerrar as divergências sobre a classificação do gasoduto Subida da Serra, da Comgás.

A Arsesp apresentou recentemente uma ampla revisão das regras do mercado livre de gás no estado, contidas na Deliberação 1.061/2020.

A ANP vê nas novas regras, contudo, um novo caso de invasão do regulador paulista sobre as competências federais. Em jogo, dessa vez, estão a fiscalização e autorização do agente comercializador de gás.

Dentro da indústria de gás, o episódio coloca frente a frente as distribuidoras, de um lado; e representantes dos consumidores, comercializadores, produtores e transportadores do outro.

E no embalo da discussão sobre a revisão das regras da Arsesp, há também a articulação do setor de biometano, por mais incentivos regulatórios à cadeia do gás renovável; e a pressão de representantes dos consumidores e produtores/comercializadores sobre a Compass – grupo que desponta como o principal agente privado – e vertical – da indústria de gás paulista.

A seguir, a gas week faz um giro sobre alguns dos principais debates da revisão das regras do mercado livre de gás de São Paulo, com base nas contribuições recebidas pela Arsesp na consulta pública (nº 08/23) sobre o assunto. Confira:

ANP VÊ SEU TERRENO INVADIDO

O órgão regulador federal se posicionou contra não só aos ajustes recém-propostos pela Arsesp, mas à própria regulação vigente, no atual formato, nos trechos que tratam dos critérios e exigências (e penalidades) do regulador paulista para autorização do agente comercializador.

A ANP alega que a Nova Lei do Gás e a Lei do Petróleo conferem expressamente à agência a atribuição de autorizar a comercialização de gás — a exceção é a venda pelas distribuidoras de gás canalizado aos respectivos consumidores cativos.

Por esse motivo, a ANP entende que não cabe à Arsesp cobrar a Taxa de Fiscalização e Controle sobre a Comercialização (de 0,5% do faturamento anual diretamente obtido com a comercialização no estado).

A taxa, já prevista no regulamento vigente, segundo a agência federal, “penaliza os interessados na atividade econômica” e “pode configurar uma barreira à entrada para o surgimento de consumidores livres no estado”.

Aliás… a ANP reafirmou no fim de novembro sua posição favorável a questionar, no Supremo Tribunal Federal (STF), leis e decretos estaduais que entrem em conflito com a competência da União. Reforçou, assim, o entendimento de que normas do mercado de gás de São Paulo, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Maranhão devem ser judicializadas.

E tem mais

A ANP também entende que, ao tentar simplificar seus procedimentos e passar a atribuir ao transportador a apresentação do relatório diário de certificação da qualidade do gás, a Arsesp excede seu limite de regulação. Na visão da agência federal, o órgão paulista está propondo acrescentar uma obrigação ao transportador – agente regulado da ANP.

Outro ponto de debate está na competência sobre infrações da ordem econômica pelo comercializador. A ANP alega que cabe à ela atuar pela redução da concentração na oferta de gás.

O novo regulamento proposto pela Arsesp acaba com a regra atual que considera como infração à ordem econômica o exercício da atividade de comercialização por um agente – ou grupo econômico – que controle mais do que 20% do volume de gás vendido no mercado livre de São Paulo.

Mas fica preservado o trecho da regulação atual que dá à Arsesp o poder de aplicar a medida acautelatória de suspensão ou a decisão definitiva de cancelamento da autorização para a atividade de comercialização ao agente que eventualmente infringir a ordem econômica.

Procurada, a ANP não se manifestou até o fechamento da edição. O espaço segue aberto.

COM A PALAVRA, A ARSESP

A agência paulista sustenta sua proposta com base na Lei Complementar 1025/2007, do Estado de São Paulo, que atribui ao regulador estadual, respeitadas as competências e prerrogativas federais e municipais, autorizar a atividade do comercializador de gás a usuários livres.

Procurada, a Arsesp respondeu que a Consulta Pública 08/23 visa exclusivamente aprimorar as regras estaduais do mercado livre de gás e que, em relação à competência estadual sobre o assunto, a Constituição Federal deixa claro que a indústria de gás canalizado no Brasil tem regime legal e competência mista (federal e estadual).

Lembra que a Carta Magna de 88 dispõe que é monopólio da União a exploração, importação e transporte de gás; e que é de competência estadual a exploração dos serviços locais de gás canalizado.

A Arsesp esclareceu ainda que a revisão da regulação do mercado livre não faz parte de tratativas com ANP.

A agência destaca ainda que a regulação do mercado livre em São Paulo foi implementada em 2011 e que a abertura ainda não decolou pela falta de ofertante de gás com preços competitivos e acesso às infraestruturas essenciais como gasodutos de escoamento e terminais de regaseificação.

QUEM É QUEM NO DEBATE

A tese de invasão de competência da Arsesp, na regulação do agente comercializador, é endossada pela maior parte do mercado: representantes dos produtores/comercializadores (IBPAbraceelVoqen), dos consumidores (AbraceAbividroFiesp), transportadoras (ATGás) e produtores de biometano (ABiogás)…

Com base nisso, defendem a derrubada da taxa de fiscalização e das exigências burocráticas que envolvem o processo de autorização da Arsesp.

A Abrace (grandes consumidores) cita que a Arsesp ultrapassa sua competência regulamentar não só ao exigir que o comercializador receba autorização dela própria, mas ao fixar obrigações e elementos mínimos aos contratos de comercialização.

O IBP defende que sejam eliminadas todas as exigências da Arsesp, para funcionamento do agente comercializador no estado.

O instituto entra, ainda, em outro campo: o debate sobre os limites de competência dos estados na regulação da distribuição de gás natural liquefeito (GNL) e comprimido (GNC) a granel. A entidade alega que esses dois serviços não monopólio da concessionária de gás canalizado e sugere que isso fique claro na nova regulação.

O LADO DAS DISTRIBUIDORAS

As distribuidoras têm manifestado preocupação, nesse debate, sobre a segurança equilíbrio do mercado. Pregam a necessidade de se criar regras que afastem aventureiros.

A Arsesp propôs acabar com a exigência de apresentação, ao regulador, dos contratos de compra e venda celebrados no mercado livre.

Alega que os acordos já são submetidos à ANP e que as regras atuais não trazem, necessariamente, garantia de lastro – já que o comercializador pode firmar contratos para atendimento simultâneo em diversos estados não fiscalizados pela agência paulista.

As concessionárias estaduais são favoráveis, em geral, à fiscalização da Arsesp sobre os comercializadores.

“A ausência da obrigação para o comercializador apresentar os contratos [à Arsesp] abre um leque de possibilidades para a atuação de eventuais comercializadores inescrupulosos que venham a estabelecer contratos sem lastro ou com lastro sazonal e insuficiente”, argumenta Zevi Kann, da Zenergás, que presta consultoria à Abegás e que foi diretor da Arsesp.

A Abegás, nesse sentido, pede que o regulador paulista aumente as exigências sobre o comercializador, quando propõe que a Arsesp dobre, para R$ 2 milhões, a demonstração de capital social mínimo integralizado ou de patrimônio líquido mínimo para exercício da atividade.

A Comgás seguem a mesma linha: “A solidez financeira do comercializador desempenha um papel crucial na salvaguarda da estabilidade do mercado, visando a minimização de riscos financeiros para todos os envolvidos, bem como a capacidade de eventual indenização em caso de dano aos Usuários e Concessionárias”, cita a concessionária, em sua contribuição.

A Abegás também pede, dentre outros pontos, ajustes no prazo de retorno do consumidor livre para o mercado cativo. A Arsesp sugeriu que a concessionária seja obrigada em até três meses – e não mais dois anos – a atender ao pedido do usuário livre para retorno ao mercado regulado. A associação pede seis meses. A Compass pede um ano.

CERCO SOBRE A COMPASS

O IBP sugeriu à Arsesp vetar a compra e venda de gás entre a concessionária e comercializadora do mesmo grupo econômico, sem a realização de processos licitatórios públicos.

Uma alusão ao contrato de longo prazo firmado entre Comgás e Compass, para importação de GNL por meio do TRSP.

A contratação de gás pelas distribuidoras é tema da Deliberação 1243/2021, que consta da agenda regulatória da Arsesp, mas o IBP defende a inclusão imediata do assunto na atual deliberação em discussão.

A Abrace, por sua vez, propõe que as prerrogativas do desconto na Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) sejam estabelecidas em patamares objetivos ou sejam “proibidas no tocante a clientes da comercializadora que integra o mesmo grupo econômico que a distribuidora”.

“Assim, toda e qualquer vantagem que pode ser conferida pela distribuidora à sua comercializadora relacionada pode configurar uma mácula ao ambiente competitivo”, argumenta.

O PLEITO DO BIOMETANO

A consulta pública da Arsesp abriu espaço também para a articulação do setor de biometano. A ABiogás defende, dentre outros pontos, descontos na tarifa de distribuição para usuários livres que consumam o gás renovável, em relação aos valores praticados para consumidores do gás fóssil. Pleito endossado pela Ultragaz.

A associação do biogás propõe também a revisão da Deliberação 1.171/2021, para tornar o modelo de Contrato de Uso do Sistema de Distribuição (CUSD) para o Usuário Livre de gás mais flexível e interruptível.

A Yara Fertilizantes reforça o pedido. Destaca que a partir de 2024 passará a produzir em Cubatão (SP) fertilizantes e amônia de baixo carbono, pela transição parcial do consumo de gás fóssil para o biometano, mas que os esforços nesse sentido estão hoje “comprometidos pelo atual modelo do CUSD, que possui cláusulas que oneram excessivamente o consumidor de biometano”.

Falando nisso… Um dos entraves para o desenvolvimento do mercado de biometano é a complexidade das regras existentes em cada estado. na avaliação de Manuela Kayath, presidente da MDC, em entrevista ao estúdio epbr durante 10º Fórum do Biogás, promovido pela Abiogás, em São Paulo. Veja a íntegra da entrevista.

GÁS NA SEMANA

Jabuti garante térmicasCâmara dos Deputados aprova marco legal das eólicas offshore. Texto reduz, de 8 GW para 4,25 GW, a capacidade térmica a gás que deveria ser contratada pela lei de privatização da Eletrobras. Jabuti muda também a forma de cálculo do preço-teto, para aumentar as chances de sucesso dos leilões. Quem perde e quem ganha com a medida

– Ainda na Câmara, a Comissão de Minas e Energia (CME) aprovou também o marco regulatório para captura e armazenamento de carbono (CCS) no Brasil.

Senador defende reforma em concessões de gás. Laércio Oliveira (PP/SE) diz que interesse da Mitsui de aumentar participação em cinco distribuidoras do Nordeste tende a reforçar a concentração do mercado. E saiu em defesa da revisão dos acordos de acionistas e dos contratos de concessão no setor.

Petrobras e Naturgy encerram litígio. Estatal fechou contratos de fornecimento de gás no valor de R$ 51,6 bilhões com a CEG e a CEG Rio, até 2034. A assinatura dos acordos deu fim à disputa judicial entre as empresas que acontece desde 2021.

J&F entra na produção de gás. Holding dos irmãos Joesley e Wesley Batista compra a Fluxus – criada este ano pelo fundador da 3R Petroleum, Ricardo Savini. Com a aquisição, a J&F põe o pé na produção de gás na Argentina, num momento em que o país vizinho investe em infraestrutura para aumentar a sua capacidade de exportação – inclusive de olho no mercado brasileiro.

Vibra recusa fusão com Eneva. Distribuidora, contudo, disse que está aberta a uma nova proposta, desde que “melhore significativamente” os termos. A Eneva propôs uma “fusão entre iguais”.

Petrobras vai ao Cade. Petroleira pediu ao órgão antitruste a renegociação do TCC para abertura do mercado de gás e que previa a saída da companhia da distribuição e transporte. A Petrobras alega que o novo plano estratégico 2024-2028 mudou a perspectiva de investimentos e atuação da empresa. A estatal vendeu a Gaspetro, NTS e TAG, mas faltou se desfazer da TBG.

TAG e TBG ofertam capacidade. As duas transportadoras abriram esta semana seus primeiros processos simplificados de oferta de capacidade firme, sem necessidade de chamada pública. Na semana anterior, a ANP já havia aprovado as propostas tarifárias e o novo modelo de contratação.

Copergás quer mais biometano. Distribuidora pernambucana abriu nova chamada pública para aquisição do gás renovável

Maranhão taxa óleo e gás. A nova Política de Tributação Ecológica do Estado criou uma taxa de fiscalização ambiental que incidirá sobre, dentre outros segmentos da economia local, a exploração e produção de óleo e gás e geração termelétrica em todo o estado. A nova legislação também traz incentivos fiscais para o biogás.

Plano para fertilizantes. O Confert aprovou a revisão do Plano Nacional de Fertilizantes, estipulando como ação a redução da reinjeção de gás natural e das tarifas de transporte. Também indica a necessidades de reformas na tributação e regulação estaduais. Mas não menciona o Gás para Empregar.