Por Felipe Maciel e Gustavo Gaudarde
A decisão do governo brasileiro de incluir a Petrobras no centro de uma cooperação internacional com Israel e a divulgação dos planos, não pela estatal, mas pelo ministério de Minas e Energia (MME) estão repercutindo mal entre analistas financeiros e consultores que atuam no mercado de E&P. A impressão, quando o governo fala em nome da companhia, é que a independência da Petrobras pode encontrar resistência frente a agenda promovida por Bolsonaro.
O principal ponto de contenda foi o anúncio de que o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, tratou do “possível interesse” da Petrobras em participar de uma rodada de blocos offshore com o ministro israelense, Yuval Steinitz, para áreas offshore de Israel.
“Esse governo tem feito algumas coisas parecidas com o governo anterior, mas se julga fazendo a coisa certa…”, comentou um analista de um banco de investimento nacional – o “governo anterior”, no caso, é do PT. A preocupação compartilhada com a epbr por essa e diversas outras fontes é de que, a promessa de independência na gestão da Petrobras pode não resistir a agenda política do governo Bolsonaro.
“A percepção inicial, apesar dos poucos detalhes sobre as declarações, é negativa, não pelo possível potencial, mas sim pelo governo novamente falar em nome da companhia”, avaliou um analista de um banco internacional.
É também um movimento de quebra de expectativas. Desde que assumiu o comando da petroleira, Roberto Castello Branco tem mostrado uma visão liberal até mais agressiva do que o produto entre os planos de Paulo Guedes e ações de Bolsonaro.
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“Como liberal, somos contrários a empresas estatais. Petrobras também privatizada e o BNDES extinto, esse seria o meu sonho. Mas é como a música dos Rolling Stones, You Can’t Always Get What You Want”, afirmou Castello Branco em um evento, este mês.
“Já que não podemos privatizar, nem temos mandato para isso, vamos transformar a Petrobras no mais próximo possível em uma empresa privada.— Temos um programa agressivo de desinvestimentos. Nos primeiros quatro meses [de 2019] realizamos US$ 10 bilhões com a venda de ativos e vamos fazer muito mais que isso”, completou.
O efeito no mercado hoje foi brando. Na sessão desta segunda-feira, as ações da Petrobras fecharam em baixa, recuando -0,90% (ON) e -0,21% (PN), mas a retração chama a atenção, porque vai na contramão da valorização do preço do petróleo, que beneficia diretamente os resultados da companhia. O petróleo Brent é negociado na casa dos US$ 70.
Afinal, o que tem em Israel?
“Recebi com surpresa, não sei se foi uma decisão puramente técnica (…) mas é um pouco estranho, não estaria na minha lista de [opções de investimento] escolhidas, mas entendo que é uma relação de cooperação tecnológica com Israel e talvez seja essa a barganha que o Brasil vai colocar em troca de outros benefícios. Parece estranho, mas teria que conhecer melhor os detalhes da cooperação entre os países”, afirmou um consultor de uma firma estrangeira com forte atuação no Brasil.
Do ponto de vista estratégico, a primeira impressão é que não faz o menor sentido para a Petrobras investir em exploração de gás offshore em Israel. A própria visão de Castello Branco para a empresa é de que a Petrobras deve focar em produção de petróleo no pré-sal e em outros ativos de águas profundas no Brasil, em projetos com baixo custo unitário de extração, e tornar-se cada vez mais desverticalizada, abrindo mão da hegemonia nos mercados de refino, gás e distribuição.
É o que Castello Branco chama de negócios naturais. “A diretriz básica é que Petrobras vai investir apenas nos ativos onde ela é a dona natural. Ser dono natural de um ativo, é aquele em que você pode e tem capacidade de extrair o maior retorno possível. Se não for isso, vamos vender para outros que consigam fazer melhor do que nós. Nesse aspecto, o exemplo clássico é do pré-sal”, afirmou em fevereiro à jornalista Miriam Leitão, na GloboNews.
A estratégia é criticada. Há outra corrente que defende que expor a Petrobras majoritariamente à receita da produção de óleo, sujeita às oscilações no preço da commodity, é arriscado e, a longo prazo, a empresa perderá competitividade se não atuar ao longo da cadeia.
Mas essa possibilidade de investir em gás em Israel pode ter criado algum consenso. “Israel não parece fazer sentido algum”, é uma frase que resume a visão de diversas fontes procuradas pela epbr, nesta segunda-feira, 1.
O leilão, segundo de áreas offshore em Israel, tem grande potencial para descobertas de gás natural. O site do ministério de Energia do país chama as empresas a participaram da “revolução do gás” que ocorre em Israel, com aumento da participação do energético na matriz energética. A concorrência foi aberta em novembro e a fase de pré-qualificação das empresas terminou na quinta-feira, 28, três dias antes da chegada da comitiva brasileira.
Não foi divulgado pelo governo, nem pela Petrobras, quando a companhia entrou na concorrência, prevista para ser concluída em julho.
Isso sem falar que, por regra, petroleiras não antecipam investimento em concorrência por áreas. No Brasil, há o direito de preferência, em que a Petrobras precisa avisar antes do leilão se vai garantir 30% de participação em contratos da partilha (blocos licitados no polígino do pré-sal), mas esse mecanismo não é comum.
Petrobras não comentou esses assuntos. Procurada por meio de sua assessoria, preferiu não emitir uma posição sobre as ações do governo. E, de fato, não foi firmado compromisso de a empresa investir no leilão, apesar de o contexto, um o encontro para assinatura de acordos bilaterais, dar uma carga de promessa às expectativas geradas.
Há menos de um ano, interferência derrubou Parente
Aplicar um congelamento de preços por 15 dias em 2018 – acompanhado de um desconto de 10% nos preços do diesel pelo mesmo período – desencadeou uma crise que culminou na queda do então presidente da Petrobras, Pedro Parente. O executivo, que assumiu com a chegada de Temer ao poder, capitaneou uma estratégia de comunicação, reuniu jornalistas, analistas de mercado para vender a ideia que a reação da Petrobras à greve aos caminhoneiros não significava uma ingerência do governo.
Este ano, a estratégias da Petrobras é mais discreta. Com avanço das pressões de caminhoneiros, seguindo a alta dos preços do petróleo e do câmbio no mercado internacional, Petrobras anunciou por meio de uma fato relevante que passaria a garantir os preços do diesel A vendidos nas refinarias por, pelo menos, 15 dias e a reação do governo não foi de assegurar a independência, mas tomar para si o crédito das medidas.
Em vídeo publicado nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro e o Ministro dos Transportes, Tarcísio Freitas, tratam a questão como medidas do governo voltadas aos caminhoneiros.
“Olá, amigos, caminhoneiros de todo o país. No dia de ontem [28 de março] anunciamos medidas do interesse de vocês, como a periodicidade da recomposição dos preços do diesel e também a questão do cartão caminhoneiro. Eu peço a todos vocês agora, que na pessoa do também capitão Tarcísio, nosso ministro da Infraestrutura, tomem conhecimento de outras medidas também favoráveis a todos vocês”, afirma Bolsonaro, em vídeo que começou a circular na sexta-feira, 29. Veja o vídeo, em uma publicação do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.
Recado do presidente @jairbolsonaro e do ministro @tarcisiogdf . ?? pic.twitter.com/W1JzKLk1ph
— Onyx Lorenzoni ?? (@onyxlorenzoni) 29 de março de 2019
No mesmo vídeo, Tarcísio Freitas fala sobre as iniciativas do governo, entre elas o Forum dos Caminhoneiros, criado em 2018 para servir como encontro de parlamentares, do governo e de representantes da categoria. O ministro cita a manutenção dos preços por 15 dias e o cartão caminhoneiros como as primeiras medidas concretas desse forum no governo Bolsonaro.
Em 2018, governo era sinal de crise
Após a greve dos caminhoneiros de 2018 ganhou proporções nacionais o então presidente da Petrobras, Pedro Parente, reuniu analistas em uma conferência para anunciar o corte nos preços do diesel em 10% e o congelamento por duas semanas. À época, defendeu que a medida partiu da Petrobras, sem interferência do governo.
“Entendo que a decisão tem causado surpresa e uma reação negativa no mercado, mas estamos aqui para defender a companhia (…) nessa reunião hoje foi reassegurado à companhia que por nenhum meio o governo vai executar ou apoiar qualquer iniciativa que poderia reduzir nossa liberdade em gerenciar nossas receitas”, afirmou Parente, em 24 de maio.
Horas antes da conferência com os analistas, o executivo reuniu-se com Michel Temer, e os ministros na época Eduardo Guardia (Fazenda, Valter Casimiro (Transportes), Moreira Franco (MME) e Jorge Rachid, que atuava como Secretário da Receita Federal do Brasil.
O discurso, nem sequer a estratégia – congelamento de preços pela Petrobras por apenas duas semanas, seguido do subsídio com recursos do Tesouro por seis meses – foi suficiente para manter Parente no cargo. O executivo entregou sua carta de demissão seis dias depois do anúncio. “Diante deste quadro fica claro que a minha permanência na presidência da Petrobras deixou de ser positiva e de contribuir para a construção das alternativas que o governo tem pela frente”, afirmou na carta.
Castello Branco, que até o momento não comentou publicamente a mudança na política de preços anunciada terça-feira passada, 26, já havia, contudo, antecipado parte da estratégia à imprensa. Em entrevista à Miriam Leitão, na GloboNews, em fevereiro, o executivo falou que não via necessidade de manter reajustes diários do diesel, dizendo poderiam ser “mais espaçados”; e já falava no cartão caminhoneiro.
Por sinal, nessa mesma entrevista, Castello Branco defendeu a paridade de preços internacionais e citou uma medida de proteção dos caminhoneiros nos EUA, em que há uma obrigatoriedade de cláusulas de reajuste em contratos de fretes entre transportadores e contratantes para reajustes de preços associados aos do diesel, dados alguns critérios, como distância do frete. “Esse mecanismos passou a vigorar na década de 70 e vigora até hoje. Se persistiu durante esse período tão longo, é porque é bom”, afirmou o executivo.
A Petrobras não detalhou o funcionamento desse cartão caminhoneiro, mas as informações até o momento dão conta de que será um serviço, que pode ser pré-pago, para antecipação da compra do combustível, em que o caminhoneiro poderá garantir o preço do diesel, se protegendo de eventuais flutuações em um período determinado. O cartão será lançado pela BR Distribuidora e exclusivo para aquisição em postos com a bandeira da subsidiária da Petrobras, que estima ser possível lançar o novo serviço de pagamento em até 90 dias.
Na GloboNews, Castello Branco comentou que espera que outras distribuidoras tomem medidas parecidas. Em diversas oportunidades o executivo repetiu que gosta de competição.