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Editada por André Ramalho
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PIPELINE Reaproximação entre Brasil e Argentina reacende projeto de integração entre os dois países. Nossos vizinhos prometem gás barato. Mas há desafios para tirar o projeto do papel. Rio pode relicitar concessão de gás canalizado. Fim das chamadas públicas para gasodutos e acesso de terceiros ao midstream na agenda da ANP em 2023.
Faz sentido importar gás da Argentina?
O projeto de integração energética anunciado pelos governos do Brasil e Argentina esta semana, durante a visita do presidente Lula a Buenos Aires, promete trazer para o mercado brasileiro um gás natural barato.
As pretensões dos dois países vizinhos guardam, ao mesmo tempo, desafios para que se consiga casar a demanda daqui com a oferta de lá — e, assim, colocar o projeto de pé. Mas afinal, faz sentido essa aproximação entre Lula e Alberto Fernández no gás?
A gas week apresenta, a seguir, algumas perguntas e respostas — e perguntas sem respostas — sobre o assunto.
Como casar a oferta argentina com a demanda brasileira?
As conversas entre Argentina e Brasil são incipientes e ainda falta clareza sobre que volume poderá ser, de fato, exportado pelos hermanos.
O que se sabe é que essa oferta, muito provavelmente, não será firme, porque a demanda argentina é altamente sazonal: maior no inverno, para suprir a calefação. A tendência, portanto, é que só haja excedentes significativos para exportação no verão.
E uma oferta sazonal dificulta a viabilidade econômica de novos gasodutos. “Não há, nesse caso, um casamento perfeito”, avalia o CEO da Gas Energy, Rivaldo Moreira Neto.
Ele cita o perfil de consumo firme da indústria no Brasil. E não crê que o gás argentino substituirá o GNL, já que as termelétricas operam mais no período seco, fora do verão.
O gás argentino vale a pena
O governo argentino diz que tem condições de entregar ao Brasil um gás mais barato que o boliviano — vendido entre US$ 6 e US$ 7 o milhão de BTU, na fronteira.
Em dezembro, no leilão de oferta promovido pelo governo argentino, os produtores ofereceram um preço médio inferior a US$ 4 o milhão de BTU.
Para efeitos de comparação, os preços da Petrobras, nos contratos mais recentes com as distribuidoras, estão um pouco abaixo dos US$ 18 o milhão de BTU.
Na avaliação de Ieda Gomes, da Oxford Institute for Energy Studies, a grande dúvida é quanto a Argentina vai cobrar pelo uso da capacidade de sua infraestrutura.
E confiabilidade: ela lembra que o país vizinho possui uma cultura de controle de preços que, no passado, levou a produção local ao declínio — e culminou, nos anos 2000, na interrupção do fornecimento ao Chile e ao próprio Brasil.
Quem pode se interessar pelo gás argentino?
Para o analista de gás e energia da Wood Mackenzie para América Latina, Henrique dos Anjos, importar o gás argentino pode fazer sentido para determinados agentes que tenham acesso a terminais de regaseificação e, com isso, consigam compor um portfólio: no verão, gás da Argentina a preços mais baixos e, no inverno, GNL.
Na avaliação da diretora de gás do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Sylvie D’Apote, a multiplicidade de fontes é sempre positiva para consumidor.
O Sul do Brasil também possui uma demanda reprimida. Ela ressalva, contudo, que a conexão à Argentina demandará investimentos pesados. E o comprador (ou compradores) vai ter que assumir riscos associados a contratos longos.
“Mas se esse gás conseguir chegar ao Brasil de maneira econômica, ele será escolhido: alguém assinará o contrato”.
Assista na íntegra ao antessala epbr: Brasil tem a ganhar com a integração energética latino-americana?
E quem assume o risco?
Lula prometeu ao presidente argentino, Alberto Fernández, que seu governo vai “criar as condições” para financiar, por meio do BNDES, o gasoduto Néstor Kirchner.
Mas, fora o banco, será preciso ao menos um comprador disposto a assumir o risco de comprar gás — e capacidade dos gasodutos — a longo prazo. Nos anos 1990, foi a Petrobras que fez esse papel, ao ancorar o investimento do Gasbol. Repetirá a dose ou dividirá os riscos com o mercado, hoje com novos agentes?
“Que demanda seria essa que contrataria esse gás a longo prazo, se a indústria não aumentou o consumo nos dez últimos anos e sofre pressão hoje por descarbonização, para substituir fósseis por energias mais limpas?”, questiona Moreira Neto.
O TSB ainda faz sentido?
O projeto original de interligação Brasil-Argentina, dos anos 1990, previa um gasoduto de 615 km de extensão, entre Porto Alegre (RS) e Uruguaiana (RS), na fronteira.
O empreendimento da Transportadora Sulbrasileira de Gás (TSB), contudo, nunca foi concluído e o Gasbol — e por consequência a malha nacional — não se conecta, hoje, com a Argentina. A reaproximação entre os dois países reacende o interesse no projeto.
Moreira Neto, da Gas Energy, porém, defende uma outra saída: que a Argentina exporte para o Brasil a partir da infraestrutura já existente — e ociosa — da Bolívia.
Resta saber como equacionar essa relação tripartite sob os aspectos tributário e tarifário.
“Considerando que existem lideranças políticas que pensam em fortalecer a integração regional, esse seria o melhor caminho. O risco maior seria também político [numa eventual mudança de rota com trocas de poder nesses países]”, avalia Anjos, da Wood Mackenzie.
Outra alternativa para a Argentina é liquefazer seu gás. Isso permitiria que a molécula do país vizinho pudesse chegar a outros mercados com mais facilidade.
“A grande vantagem de exportar para o Brasil é que o gás deles consegue chegar aqui a um custo competitivo, com uma boa margem para o fornecedor. No mercado global de GNL, a competição é maior e as margens, menores”, analisa Anjos.
Bolívia e Argentina: concorrentes ou parceiras?
Numa hipótese de integração envolvendo a Bolívia, o país seria remunerado pelo uso de sua infraestrutura — que deve ficar ainda mais ociosa com a queda esperada de suas exportações até o fim da década.
“Escoar o gás argentino para o Brasil pode ser bom para a Bolívia. Seria uma forma de os bolivianos obterem alguma receita extra. É melhor do que pior para a Bolívia, ainda que a Argentina represente uma concorrência no mercado brasileiro”, comenta Moreira Neto.
Para Anjos, o escoamento do gás via Bolívia permitiria à Argentina “testar” o mercado brasileiro, com menos investimentos envolvidos.
Coincidência ou não, enquanto Brasil e Argentina traçam as bases da integração, a boliviana YPFB anunciou nos últimos dias que investirá US$ 324 milhões, este ano, em exploração. O objetivo é repor reservas.
E o gás nacional nessa história?
Brasil e Argentina ensaiam a integração num momento em que setores da indústria no Brasil pedem políticas públicas para aumento da oferta interna.
Anjos acredita que a aproximação com nossos vizinhos agrega mais riscos para atração de investimentos em novas rotas no Brasil, cujo mercado se desenvolve devagar.
“O gás argentino pode tirar um espaço de mercado que poderia ser do gás nacional. Esse gás argentino é bem-vindo, mas precisamos de políticas para desenvolver mais a demanda”.
Sylvie D’Apote não crê que os projetos de infraestrutura no Brasil vão competir por capital com o Néstor Kirchner. Se os fundamentos fizerem sentido, haverá investidor interessado.
E Rivaldo Moreira Neto conclui: “Para a Argentina, a integração faz todo sentido, porque abre mercados. Mas vamos incentivar a produção lá, alocar riscos de capital em gasodutos lá se não conseguimos resolver o pré-sal. Pode faltar apoio político em algum momento a esse projeto de integração [se não forem feitas políticas também para o gás nacional]”.
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