Internacional

Acordo entre China e EUA para transição energética é “praticamente uma fantasia”, afirmam especialistas

Celeridade em acordos multilaterais esbarra em interesses nacionais e privados

Acordo entre China e EUA para transição é “praticamente uma fantasia”. Na imagem, brinde entre Joe Biden e Xi Jinping
Joe Biden e Xi Jinping (Foto: Department of State/Wikimedia Commons)

RECIFE — O avanço da transição energética em países desenvolvidos e a relação geopolítica entre China, Estados Unidos e países do Ocidente preocupa especialistas, que prezam pelos acordos multilaterais para obter celeridade no cumprimento das metas de descarbonização, por exemplo.

O tema foi debatido na conferência promovida pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) em parceria com o King’s College de Londres nesta quarta (11/5).

“Não deveríamos pensar em quem vai liderar o processo, mas sim na competição pacífica. Existe uma pressão interna nesses países para que essa transição aconteça de forma mais rápida. O multilateralismo é muito desafiador, mas é preciso ter interesses nacionais e do setor privado também”, afirma Rogério Studart, diretor do Cebri.

Em novembro passado, EUA e China divulgaram uma carta conjunta com compromisso de cooperar no combate às mudanças climáticas, com metas de curto prazo para redução das emissões de carbono. O documento fala em aprimoramento de processos multilaterais, em direção ao alcance das metas estabelecidas no Acordo de Paris, de limitar o aumento da temperatura média global a 1,5°C.

Para além do meio ambiente, as discussões sobre energia renovável atingem esferas econômicas básicas, como a criação de postos de trabalho. O Fórum Econômico Mundial estima que investimentos em soluções pró-clima podem gerar cerca de 395 milhões de empregos nos próximos anos.

“Estados Unidos e China são fundamentais para qualquer solução a longo prazo. Apesar disso, a natureza tóxica que os EUA têm de que qualquer assunto ou cooperação com a China não deve ser absorvida. A relação de parceria entre EUA e China nos próximos anos é praticamente uma fantasia, já que a visão dos EUA é completamente hostil ao país”, declara Arthur Kroeber, criador do serviço de pesquisa focado na China, Dragonomics.

Brasil precisa de pacto doméstico

A ausência de planos concretos do governo brasileiro com relação à transição energética também foi criticada pelos especialistas.

“O Brasil tem muito acesso ao gás liquefeito de petróleo (GLP) que não está sendo utilizado porque não temos gasoduto para levá-los ao porto. O Brasil e o México não geraram caminhos para trazer o empresariado para criar soluções e, se não tivermos essa transição, não acharemos uma forma de criar ativos”, reitera Rogério.

Para a fundadora do grupo de análises da China do Cebri, Tatiana Rosito, o Brasil precisa ter um pacto doméstico de desenvolvimento energético.

“Países como o Brasil podem liderar [o mercado de energias] através de ações ou algum tipo de parceria trilateral. A questão do etanol brasileiro, por exemplo, fizemos da nossa maneira. Temos que ter um pacto doméstico”.

Os painelistas também debateram que a transição energética deve se desenvolver de diferentes formas, a depender do país.

“Temos três grupos de países e cada grupo tem níveis diferentes de interesse e participação. Os desafios do Brasil, por exemplo, são duplos porque estão ligados ao petróleo. Mas a China quer reduzir essa compra, então isso terá impacto nos próximos anos. A China já anunciou que vai apoiar os mercados emergentes de energia verde”, esclarece Karin Costa Vazquez, representante do Center for China and Globalization.

Apesar da liderança entre as grandes economias mundiais, Armando Zamora, da ANH Colômbia, critica o desenvolvimento concentrado do setor de energia com relação a países da América Latina. Para Zamora, a transição energética tem sido simplificada às ambições de emissões líquidas zero até 2050.

“Isso é pouco justo para os países que estão caminhando no desenvolvimento econômico, e países que estão destravando suas riquezas. Acho que a [América do] Sul está sendo tratada de forma injusta nessa transição que está sendo imposta no resto do mundo. Uma opção para gerir essa situação é criar um fórum de discussões para negociar a saída dos combustíveis fósseis [desses países]”, reforçou.

Geração renovável avançou na China durante pandemia, mas carvão resiste

Durante a pandemia, a geração de energias renováveis ​​superou as expectativas do mercado chinês, no primeiro trimestre de 2020. Os efeitos negativos, contudo, devem se dar sobre as perspectivas de adição de nova capacidade este ano.

“No primeiro trimestre de 2020, a geração de energia eólica e solar cresceu, superando inclusive os números do segmento no mesmo período de 2019”, contou Kevin Tu, especialista em energia e políticas climáticas da Universidade de Pequim e membro do Centro de Política Global de Energia da Universidade de Columbia, durante webinar do Instituto E+ Transição Energética, moderado pelo ex-ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

No mesmo período, o consumo de energia caiu 2,8%. A queda se deu principalmente pela indústria, responsável por mais de 50% da demanda energética do país.

O setor sofreu grande impacto em janeiro e fevereiro, no pico da pandemia, mas em março já apresentava sinais de recuperação, ao contrário do setor de serviços, segundo mais afetado, e que piorou nos meses seguintes.

“A recuperação da indústria chinesa se mostrou rápida, diferentemente do setor de serviços que em março apresentou uma piora considerável em relação ao início da pandemia”, explicou Kevin Tu.

As reduções de emissões de CO2 causadas pela pandemia de covid- 19 também foram substanciais na China nos primeiros meses do ano. “Entretanto, é provável que tenham vida curta”, alertou o especialista.

Segundo ele, mesmo que os números indiquem um otimismo na transição energética do país asiático, ainda existe enorme resistência para abandonar projetos de energia nuclear e a carvão.