A conservação, a restauração e o manejo dos ecossistemas são soluções baseadas na natureza (nature based solutions, NbS) que protegem a biodiversidade e também aumentam a resiliência e a capacidade de adaptação climática das infraestruturas de geração de energia hidráulica, portos, transporte, controle de cheias, drenagem urbana e o manejo do solo das atividades agropecuárias. Incentivos para a adoção de NbS nos projetos de infraestrutura já são uma realidade nas economias de mercado mais avançadas, e o Brasil deveria também se aproveitar dessas soluções no seu planejamento de infraestrutura.
As NbS igualmente contribuem para a mitigação das mudanças climáticas. Assim como energias e processos produtivos de baixo carbono, que além de combaterem o aquecimento global, reduzem a poluição e beneficiam a qualidade de vida urbana, as NbS climáticas estocam e removem carbono e geram enormes ganhos ecológicos, muitas vezes de forma mais custo-efetiva.
As NbS climáticas têm sido até o momento majoritariamente financiadas por doações com pagamentos por resultados, como no Fundo Amazônia, que sempre foi um instrumento estratégico de conservação com recursos significativos, inclusão social e apoio às ações estaduais e municipais e, portanto, deveria ser reativado. Outra forma de financiamento são créditos de redução de emissões vendidos em mercados voluntários de carbono. Entretanto, mercados voluntários são limitados porque não estão alinhados às metas compulsórias.
Por isso, o Artigo 6 do Acordo de Paris criou dois instrumentos de mercado regulados pelas metas global e nacionais desse acordo. Como nesse acordo cada país tem uma meta de redução apresentada como Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), seus signatários podem ter interesse em um comércio internacional de reduções de emissões, em que países com custos mais baixos de reduções de emissões venderiam para países com custo mais alto e, consequentemente, as metas global e nacionais seriam alcançadas a custos menores. Como os países ricos são os que têm custos de controle mais elevados, haveria também uma transferência de recursos financeiros para os outros países, que os ajudaria a financiar a trajetória de baixo carbono das suas economias.
Um dos instrumentos do Artigo 6 permite a troca de resultados de redução de emissões internacionalmente transferíveis (ITMO) para transações entre os governos. O outro é um mecanismo que facilita a troca de créditos de reduções de emissões entre empresas com base em projetos ou programas de mitigação. Tanto no comércio entre países quanto no comércio entre empresas, as partes devem seguir regras para mensuração, verificação e reporte das reduções de emissões. E quem vende não pode usar o montante das reduções de emissões para cumprir com sua meta, tendo que realizar ajustes correspondentes na sua NDC.
O detalhamento dessas regras para garantir a integridade climática dos resultados desses instrumentos ainda está sendo discutido, e será o centro das negociações na próxima conferência dos países signatários do Acordo de Paris, a COP 26, em Glasgow, em 2021. No caso das NbS climáticas, as regras terão que considerar os riscos de permanência das reduções quando incêndios ou outros eventos puderem afetar os resultados, sendo que as formas contratuais para cobrir esses riscos estão sendo desenhadas. Nas reduções de emissões provenientes do controle do desmatamento e da degradação florestal, as chamadas atividades de REDD+, o desmatamento evitado pode vazar para outras áreas e, assim, o país vendedor terá que demonstrar governança climática e ambiental na gestão das unidades de conservação e no monitoramento e controle do desmatamento.
O fato de o Brasil ter apresentado uma NDC considerada ambiciosa, para toda a economia, inclusiva de todos os gases e desmembrada em metas setoriais, permitirá que os ajustes correspondentes na nossa NDC sejam mais transparentes e seguros, garantindo integridade climática e ampliando, assim, nossas vantagens competitivas nesses mercados. Estudos indicam que o Brasil sozinho representa mais de 20% desse potencial global das NbS climáticas que poderiam gerar para o país uma receita líquida entre US$ 19 e 27 bilhões até 2030. Embora o Brasil tenha uma participação privilegiada na discussão das regras do Artigo 6 do Acordo de Paris, o país não tem sido capaz de criar uma estratégia de sucesso para viabilizar nossas oportunidades. A polêmica posição brasileira se opondo aos ajustes correspondentes de NDC nas trocas entre empresas, além de ameaçar a integridade ambiental do mecanismo, atrai uma imagem negativa e desvia o foco das nossas vantagens competitivas. Não faz sentido comprometer instrumentos de mercado que substituem os escassos recursos públicos e atraem investimentos internacionais.
É preciso ampliar a discussão das oportunidades desse mercado internacional de carbono. Empresas brasileiras já atuam de forma pioneira nos mercados voluntários de carbono. Essa capacidade precisa ser aproveitada, e em parceria com o setor privado o governo pode criar uma oferta de NbS combinada com opções de controle de emissões industriais, de eficiência energética, de saneamento e resíduos sólidos.
É tempo de maximizar as oportunidades das dotações naturais do país e as nossas capacidades empresariais e institucionais com a ampliação do marco regulatório do programa Floresta+ do Ministério do Meio Ambiente (MMA) que incentiva o mercado de carbono florestal para estabelecer uma padrão de qualidade técnica e climática as nossas oportunidades. Precisamos desenvolver protocolos nacionais definidos por institutos de pesquisa brasileiros com a padronização de princípios e normas para mensuração da redução, remoção e sequestro de carbono e dos seus cobenefícios sociais que seriam adotados por certificadoras que seriam avaliadas e credenciadas especificamente para o programa.
Nessa perspectiva, é urgente a revisão do sistema nacional de reduções por desmatamento e degradação florestal para minimizar riscos de vazamento nas reduções associadas à conservação, em particular, as de atividades por projeto. Mas, o desempenho da governança climática no país tem que se consolidar de forma crível e estável, criando o ambiente regulatório necessário para os investimentos e a eficiência dos mercados.
Ronaldo Seroa da Motta é professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)