Energia

Aço verde, uma estratégia ganha-ganha

Siderúrgicas brasileiras podem surfar em vantagens competitivas dos projetos de baixo carbono que saírem na frente, escrevem Rosana Santos, Stefania Relva e Nathalia Paes Leme

Trabalhador, com equipamentos de proteção individual, esmerilha barras de metal que soltam faíscas incandescentes (Foto: Janno Nivergall/Pixabay)
(Foto: Janno Nivergall/Pixabay)

O setor industrial brasileiro foi responsável por somente 4,5% do total de emissões de CO2 do país em 2021, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg). Por outro lado, o setor agropecuário, a mudança de uso da terra e o desmatamento em particular corresponderam a quase 85%.

A baixa contribuição das emissões industriais pode indicar, para o leitor, que investir na descarbonização do setor industrial não geraria grande impacto e seria esforço desnecessário. No entanto, esse raciocínio tem um contraponto interessante.

O Brasil é provavelmente o único país, ou um entre pouquíssimos, que possui combinadas as sete premissas essenciais à transformação energética e industrial: capital humano e intelectual, amplitude de terras sem necessidade de desmatamento algum, alta taxa de crescimento vegetal (por ser um país essencialmente tropical), além de disponibilidade de água, minerais de altíssima qualidade (inclusive minerais críticos), recursos energéticos limpos em qualidade e quantidade incomparáveis, e posicionamento e comportamento global que permitem o friendshoring, dentre outros shorings.

Com isto em mente, depreendemos que o país seria extremamente competitivo em uma hipotética realidade em que a descarbonização do setor industrial brasileiro não seja somente voltada ao consumo interno, mas para atendimento da necessidade global por descarbonização de produtos e mercadorias.

Deste ponto de vista, o Brasil poderia se posicionar como auxiliar na descarbonização da indústria global, atitude que conversa diretamente com a política de neoindustrialização defendida pelo governo federal.

Vantagem Brasil na indústria verde

Como exemplo, a indústria brasileira de siderurgia vem adotando diferentes iniciativas e tecnologias para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, incluindo o aumento do uso de sucata nos processos produtivos, o desenvolvimento de processos mais eficientes e modernos, e a adoção do gás natural, carvão vegetal e energia elétrica produzida com fontes renováveis.

Esses esforços são louváveis e representam uma das principais frentes de inovação dessa indústria, o que sinaliza a compreensão do segmento quanto à sua relevância no cenário climático. Mas essas iniciativas ainda não são suficientes para realmente capturarmos, para o Brasil, a vantagem de expandir sua indústria verde e vender para um mundo demandante por produtos mais limpos.

O fato é que, em meio ao crescimento global das exigências ambientais e perspectiva (ainda teórica) de aumento da demanda pelo aço verde, as siderúrgicas brasileiras não podem perder de vista o potencial de vantagens competitivas dos projetos que saírem na frente.

Isso se torna particularmente relevante diante do lançamento, na União Europeia, do Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM). O mecanismo, que visa estimular a competitividade tecnológica e a transição dos países do bloco para que se tornem economias de baixo carbono, vai exigir que exportadores de aço, entre outros produtos, incorporem em seus processos produtivos o rastreio das emissões de carbono e planos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa referentes a suas atividades.

Clubes de compra

Nesse contexto, a cooperação de produtores brasileiros do insumo com importadores – que pode ser viabilizada, por exemplo, por meio de clubes para negociação de produtos industriais verdes com apoio (ou não) dos governos federal e subnacionais – pode ser uma alternativa para fomentar o desenvolvimento dessas cadeias, ajudando as empresas brasileiras a saírem na frente com vantagens significativas para todos os participantes.

Isso porque, levando em conta o balanço de emissões, o preço do produto final e mesmo o equilíbrio na criação/perda de empregos, para os compradores, vale mais a pena comprar aço brasileiro produzido com baixas emissões do que, por exemplo, adquirir, em separado, o minério de ferro e o hidrogênio renovável para seu processamento.

Valor agregado às commodities

A equação também é favorável ao Brasil enquanto país exportador da commodity que tem, como dito acima, na descarbonização do setor uma oportunidade de aumentar o valor agregado de sua produção siderúrgica e contribuir de maneira mais efetiva em favor do nosso desenvolvimento socioeconômico.

Melhor ainda: o país tem totais condições de liderar esse jogo. Afinal, além de ser o segundo maior produtor de minério de ferro do mundo e o quinto maior exportador líquido de aço, conta com diferentes formas de energia limpa em condições competitivas para reduzir muito ou até mesmo eliminar o uso de coque de carvão mineral na cadeia siderúrgica.

Nesse contexto, além de já dispor de uma matriz elétrica com alta participação de fontes renováveis – que pode ser superior a 90% – e ampla oferta de carvão vegetal, o país tem tudo para liderar a produção de hidrogênio verde.

Alternativas nesse sentido incluem diferentes rotas tecnológicas, como o uso de eletricidade gerada em usinas eólicas offshore ou a partir da biomassa. Para se ter uma ideia, o potencial não explorado da primeira fonte é da ordem de 700 GW, conforme estudo recentemente apresentado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Além do aproveitamento dessa conjuntura favorável, a aceleração dos projetos de descarbonização da siderurgia deve fazer a diferença, uma vez que a produção de ferro e aço é o principal emissor industrial do país, respondendo por cerca de 30% do total emitido pelo setor.

Regulação do mercado de carbono

O principal direcionamento nesse sentido deve vir do projeto de lei de regulamentação do Mercado Brasileiro de Regulação de Emissões (MBRE), previsto na Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) e em tramitação no Senado.

Esse projeto é baseado no modelo de cap and trade, em que são estabelecidas permissões para emissões, com cotas-limite. Empresas que excedam suas emissões poderão comprar permissões de outras que tenham sobras por emitir menor do que o autorizado. Mas a cada ano o volume total de emissões é reduzido para garantir sua queda efetiva ao longo do tempo.

Diante da importância dessa agenda, as negociações com a indústria já estão em andamento, de modo a se chegar num processo viável. Não percamos de vista: a indústria siderúrgica brasileira tem um papel muito relevante na construção de uma economia de baixo carbono. Os esforços em curso nessa direção certamente terão uma contribuição muito significativa.

Mas os players precisam atentar para o aumento das pressões sobre suas atividades e, principalmente, para as oportunidades de antecipação dessa agenda. Isso não só atende uma demanda externa crescente e será positivo para o planeta, como trará ganhos relevantes para a sociedade brasileira e, acima de tudo, para suas próprias operações.

Rosana Santos é Diretora-Executiva do Instituto E+ Transição Energética (Foto: Divulgação)
Rosana Santos
Stefania Relva é Consultora Sênior do Instituto E+ Transição Energética (Foto: Divulgação)
Stefania Relva
Nathalia Paes Leme é Gerente de Projetos (PMO) do Instituto E+ Transição Energética (Foto: Divulgação)
Nathalia Paes Leme

* Rosana Santos é Diretora-Executiva, Stefania Relva é Consultora Sênior e Nathalia Paes Leme é Gerente de Projetos (PMO) do Instituto E+ Transição Energética.