Energia

Aço e fertilizantes devem ser primeiros consumidores de hidrogênio verde no Brasil, mas precisam de incentivos

Estudos do Oxford Institute e da BloombergNEF apontam desafios na estruturação da cadeia de hidrogênio de baixo carbono no país

Na imagem: Produção de argolas de metal e anéis de aço em indústria siderúrgica (Foto: mkama/Михаил Каменский/Pixabay)
Produção de argolas de metal e anéis de aço em indústria siderúrgica (Foto: mkama/Михаил Каменский/Pixabay)

RIO – Análise do Oxford Institute Energy Studies alerta que, embora o Brasil possua um potencial significativo para a descarbonização de setores industriais, como fertilizantes e siderurgia, a realidade econômica e a falta de políticas de apoio tornam essa transição um desafio complexo.

Publicado esta semana, o documento (.pdf) faz um mapeamento das oportunidades e desafios da produção e consumo de hidrogênio de baixo carbono no Brasil, e em outros países da América do Sul.

Em entrevista à agência epbr, Ieda Gomes, pesquisadora do Instituto e autora do capítulo do estudo sobre o Brasil, diz que o que impede o desenvolvimento dessa nova indústria do hidrogênio é o preço, mas que os governos vêm se esforçando para viabilizar a competitividade do energético, olhando para a descarbonização.

“A barreira é o preço do hidrogênio. Ele é caro porque não tem produção, não tem demanda. Em outros países, o que se está procurando fazer, por exemplo, no Reino Unido, é criar uma demanda, onde o governo financia através de subsídios ou ele garante um preço mínimo para o hidrogênio”, diz.

Atualmente, o Brasil gera a maior parte de seu hidrogênio (H2) de forma convencional a partir de gás natural, rota conhecida como hidrogênio cinza, sendo a Petrobras responsável por cerca de 95% da produção e consumo.

Apesar da substituição de hidrogênio cinza por hidrogênio verde nas fábricas de fertilizantes e refinarias da Petrobras parecer ser a rota mais óbvia, no curto e médio prazo, segundo o estudo, parece “improvável” que a companhia faça essa substituição, devido aos altos custos do hidrogênio verde.

A substituição do hidrogênio cinza por alternativas mais limpas é vista pelo instituto britânico como uma aplicação mais imediata e adequada para a siderurgia nacional, de olho na exportação para o mercado europeu.

Segundo estimativas da Oxford, para uma conversão gradual da indústria siderúrgica brasileira em direção à produção de aço verde, até 2040, seria necessário a produção de até 600 mil toneladas de hidrogênio verde (obtido a partir da eletrólise com energia renovável) por ano.

Clube de compras para aço descarbonizado

Na hipótese de uma conversão total da produção brasileira de aço, haveria uma exigência de mais de 2 milhões de toneladas de hidrogênio de eletrólise e cerca de 26 GW de fornecimento de eletricidade de fontes como solar e eólica.

Ieda destaca que o Mecanismo de Ajuste de Fronteira de Carbono (CBAM, em inglês), adotado pela União Europeia, e que precifica as emissões de produtos importados, como aço, poderia ser uma oportunidade para o Brasil exportar aço descarbonizado.

O hidrogênio verde poderia ser utilizado no processo de redução direta de ferro (DRI) ou no hot briquetted iron (HBI). O HBI, simplificadamente, é uma forma mais concentrada do DRI.

“Produzir aço verde a partir de um produto descarbonizado, se você visar o mercado europeu, você teria uma vantagem. Poderia cumprir e pagar menos CBAM”, afirma a especialista. 

Para isso, os autores pontuam a importância de implementar padrões de aço verde e incentivar mecanismos de compra, como cotas de compras governamentais.

“O governo brasileiro deveria, portanto, negociar com os países importadores de aço um mecanismo que apoia um leilão inicial para comprar aço verde”.

No início desta semana, durante anúncio da indústria siderúrgica de investimentos de R$ 100 bilhões na expansão da produção de aço nos próximos cinco anos, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), disse que o aço com baixa pegada de carbono terá demanda no mercado internacional, e defendeu a aposta em alternativas mais sustentáveis pelo setor produtivo brasileiro.

Há, no entanto, uma percepção entre agentes de mercado que essa transformação na indústria precisa de um apoio político maior.

Metas ambiciosas de redução de emissões do setor de aço entre 2030 e 2050, utilizando a política de reindustrialização verde, o PAC e o Plano de Transformação Ecológica para atingir o objetivo, além da implementação de um mercado regulado de carbono, são alguns exemplos.

Fertilizantes verdes

Em segundo lugar como potencial consumidor aparece o setor de fertilizantes. O documento lembra que diversas plantas de fertilizantes estão inoperantes ou operando abaixo de sua capacidade devido à baixa competitividade do gás natural no país, o que torna o fertilizante nacional mais caro que o importado.

O estudo cita que já foram feitos alguns “tímidos” progressos. Por exemplo, o governo federal chegou a um acordo com os estados permitindo a paridade fiscal para o mercado interno em relação ao produto importado.

No entanto, os autores avaliam que isto  não seria suficiente para fomentar a produção nacional se não for acompanhado de incentivos fiscais e um regime especial de incentivos, por exemplo, para o desenvolvimento de uma indústria de fertilizantes infraestrutura (FII), com um período de validade de pelo menos cinco anos.

“Para baratear esse preço e tornar competitivo com o fertilizante importado, você teria que dar incentivos fiscais, reduzir impostos, reduzir ICMS, [para] ter vantagens [em relação ao] fertilizante importado”, diz Ieda.

Ela acredita que o hidrogênio verde poderia substituir o gás natural na fabricação de fertilizantes, mas enfrenta o mesmo problema de preços altos. 

“O preço do gás é muito alto no Brasil, mais de 10 dólares no City Gate. A indústria paga 16 a 18 dólares por milhão de BTU. O preço do hidrogênio produzido no Brasil, mesmo com energia renovável, ainda é muito caro, está estimado em torno de 4 a 6 dólares por quilo, equivalente a mais de 30 dólares por milhão de BTU de gás natural”, avalia. 

Para estimular a geração e o uso de hidrogênio limpo, o documento sugere algumas medidas-chave:

  • Aprovação de um marco regulatório para o hidrogênio de baixo carbono até 2025;
  • Criação de um regime especial de incentivos para o desenvolvimento da infraestrutura da indústria de fertilizantes;
  • Emissão de debêntures de infraestrutura e criação de instrumentos financeiros combinados para canalizar recursos de bancos multilaterais e do mercado de capitais nacional;
  • Introdução de um sistema de certificação renovável similar ao implementado para biocombustíveis, permitindo a emissão de créditos de descarbonização com base em pontuações de eficiência energética e ambiental.

Participação menor da América Latina

Outro estudo, publicado recentemente pela BloombergNEF (BNEF), aponta que, até 2030, China, Europa e EUA poderão responder por mais de 80% do fornecimento global de hidrogênio limpo, impulsionados por políticas de apoio robustas.

Já regiões como América Latina e Austrália, apesar de terem grandes projetos em andamento, podem desempenhar um papel menor devido ao fraco apoio político.

Espera-se que os EUA sozinhos se tornem o maior produtor individual de hidrogênio limpo até o fim da década, respondendo por quase 37% da oferta global. Em grande parte por conta dos incentivos que o governo norte-americano vem dando à indústria local, contidos na Lei de Redução da Inflação (IRA, em inglês) e na Lei Bipartidária de Infraestrutura (BIL).

“Os EUA possuem o pipeline de projetos mais maduro a nível mundial, dominado por grandes projetos de hidrogênio azul (gás natural com captura de carbono), que provavelmente beneficiarão de créditos fiscais”, diz o estudo.

O levantamento estima que apenas 30% dos 1,6 mil projetos anunciados até agora vão sair do papel, resultando em um total de 477 projetos em operação até o final da década.

Ainda assim, a BNEF espera que o fornecimento global de hidrogênio de baixo carbono aumente em 30 vezes, saltando de 500 mil toneladas, hoje, para 16,4 milhões de toneladas por ano, até 2030.

Capacidade de eletrólise

A maior parte da oferta prevista para 2030 será proveniente da eletrólise, embora o hidrogênio azul também desempenhe um papel crucial, sustentado por políticas econômicas favoráveis e pela alta demanda na Ásia.

Até o final de 2030, cerca de 95 gigawatts (GW) de eletrolisadores podem entrar em operação, um aumento de quase 10 vezes em relação à capacidade atual, segundo a BNEF.

Entretanto, apenas 40% dessa capacidade já passou da fase de decisão final de investimento (FID) ou está em planejamento avançado, ao passo que 60% de toda a oferta de hidrogênio de baixo carbono já conta com projetos avançados.

Isso, na avaliação do estudo, demonstra menor maturidade dos projetos de eletrólise em relação aos de gás natural com captura de carbono.

A maior parte da capacidade prevista para eletrolisadores (~58 GW) depende de políticas anunciadas, especialmente na Europa e China, tornando a implementação dessas medidas um fator crítico para o futuro do setor.

Só a China, representa 38% da capacidade prevista de eletrolisadores, o que segundo a BNEF pode trazer ainda mais incertezas para essa rota, a depender de mudanças políticas internas.