RIO — A abertura do mercado brasileiro de gás natural deu passos importantes em 2022, com a entrada de novos fornecedores. Ao todo, já são ao menos doze os novos supridores com contratos assinados com as distribuidoras e clientes industriais livres no país.
Embora a Petrobras se mantenha como agente dominante e o cenário do mercado internacional dificulte uma abertura mais acelerada, os primeiros passos da diversificação do setor já são tangíveis — e podem ser traduzidos em números:
- Ao todo, os contratos assinados por esses doze novos fornecedores de gás no mercado já somam compromissos de entrega de mais de 10 milhões de m³/dia — dentre acordos já ativos e aqueles com início de suprimento previsto para os próximos anos, de acordo com os dados públicos da ANP;
- Doze distribuidoras estaduais de gás canalizado já têm contratos assinados com novos supridores.
Quem é quem na abertura do mercado
A seguir, a agência epbr apresenta um raio-x dos novos atores do mercado brasileiro, com base nos contratos já anunciados pelas companhias no país:
3R Petroleum: A empresa, especializada em campos maduros, é a mais nova fornecedora do mercado brasileiro. A companhia assinou contrato com a Bahiagás, para venda do gás produzido nos polos Recôncavo e Rio Ventura, na Bahia. O contrato tem vigência de 2022 até meados de 2024. O volume aumenta gradualmente até 177 mil m³/dia em 2023 e 200 mil m3/dia no primeiro semestre de 2024.
Alvopetro: A petroleira norte-americana tem contrato com a Bahiagás desde 2020. A empresa opera campos terrestres na Bacia do Recôncavo e foi responsável pela construção da primeira unidade de processamento (UPGN) privada do Brasil. A Alvopetro tem um contrato de longo prazo com a Bahiagás, válido por 15 anos, para a entrega de 150 mil m³/dia na modalidade firme inflexível e 350 mil m³/dia na modalidade interruptível.
Compass: Tem contrato com a Comgás, do mesmo grupo (Cosan). O acordo, de dez anos, vale a partir de 2023, quando a companhia espera começar a operar o Terminal de Regaseificação de São Paulo (TRSP), no Porto de Santos. O volume contratado na modalidade firme é de 3,125 milhões de m³/dia. A Compass tem acordo para compra do GNL da francesa TotalEnergies.
Eneva: A companhia assinou dois acordos de fornecimento de gás natural liquefeito (GNL): um para a unidade da Suzano, em Imperatriz (MA), e outro para a Vale, em São Luís, ambos para entrega de gás a partir de 2024. Estes são os primeiros contratos da produtora de gás com consumidores industriais. Hoje, toda a produção da empresa é destinada a projetos próprios de termelétricas a gás. A Eneva vai investir R$ 980 milhões na instalação de unidades de liquefação de gás no complexo do Parnaíba, com capacidade instalada de 600 mil m³/dia.
Equinor: A norueguesa, sócia da Petrobras no campo de Roncador, na Bacia de Campos, tem contrato com a Cegás, para entrega de 150 mil m3/dia firmes e 50 mil m3/dia na modalidade PUT, entre 2023 e 2024.
Galp: A petroleira portuguesa, sócia da Petrobras em importantes campos do pré-sal, como Tupi, tem contrato para fornecer para sete distribuidoras diferentes, sendo cinco desses acordos de longo prazo. A companhia tem contratos de suprimento com:
- Bahiagás, para fornecer 1,15 milhão de m³/dia até o fim de 2023 e 1,06 milhão de m³/dia ao longo de 2024 — incluindo as modalidades firme e PUT (opção de venda);
- Gasmig, para entrega de gás firme até 2042 e pico de 900 mil m3/dia entre 2026 e 2032;
- Potigás, para envio de 35 mil m³/dia até o fim de 2022 para a Potigás;
- Sergas, para entrega de 40 mil m3/dia firmes até o fim 2023 e 50 mil m3/dia entre 2024 e 2031, além de volumes na modalidade PUT;
- Cegás, para fornecimento de 50 mil m3/dia firmes até o fim de 2023; 106 mil m3/dia em 2024; 160 mil m3/dia em 2025; e 180 mil m3/dia entre 2026 e 2031, além de volumes na modalidade PUT;
- ES Gás, para envio de 100 mil m³/dia em 2023 e 2024; 200 mil m³/dia em 2025; e 300 mil m³/dia entre 2026 e 2032;
- e SCGás, para venda de 10 mil m3/dia firmes até o fim de 2027.
Além disso, a Galp é fornecedora da Unigel, no mercado livre.
New Fortress Energy: A companhia opera o terminal de GNL de Sergipe e está construindo mais duas plantas de regaseificação, no Pará e em Santa Catarina. A empresa tem contrato com a SCGás para venda de 150 mil m³/dia por cinco anos, a partir da entrada em operação do terminal de GNL de São Francisco do Sul (SC) em 2022. A companhia também tem um acordo com a Copergás (PE), para entrega de 32 mil m³/dia em 2022 e 40 mil m³/dia entre 2023 e 2026. No mercado livre, a NFE tem contrato de 15 anos para fornecimento de 29,5 trilhões de BTU por ano (cerca de 2,2 milhões de m³/dia) à refinaria de alumina da Alunorte, da Hydro, no Pará.
Origem Energia: A operadora de campos maduros tem contratos para fornecimento de gás à Bahiagás e Algás, na modalidade firme inflexível. A empresa tem compromisso de 640 mil m³/dia com a concessionária alagoana até o fim de 2024; e de 120 mil m³/dia com a Bahiagás a partir do segundo semestre deste ano. O volume com a distribuidora baiana será gradualmente ampliado, até chegar a 1,5 milhão de m³/dia entre 2024 e 2026. A Origem também tem mais um segundo contrato com a Bahiagás, assinado em 2021 por meio de sua controlada Eagle E&P, com validade de seis anos e compromisso de entrega de 150 mil m³/dia, produzidos no Polo Tucano Sul.
PetroReconcavo: A petroleira, especializada em campos maduros, tem contratos com quatro distribuidoras diferentes, sendo o principal deles com a Bahiagás, e com a Unigel, no mercado livre. O acordo com a concessionária baiana prevê a entrega de 600 mil m³/dia no segundo semestre de 2022, mas com uma curva ascendente até chegar a 1,1 milhão de m³/dia entre 2024 e 2025 e 1 milhão de m³/dia em 2026. A produtora tem, ainda, um contrato na modalidade interruptível com a Bahiagás. Com a Potigás, a empresa tem compromisso de 236 mil m³/dia até o fim de 2023; com a PBGás, para 80 mil m³/dia em 2022 e 120 mil m³/dia em 2023; e com a Cegás (CE), fechou acordo para entregar 30 mil m3/dia por um ano. A PetroReconcavo também estreou no mercado livre em 2022, ao assinar contrato com a Unigel para venda de 30 mil m3/dia firmes entre novembro de 2022 e dezembro de 2023. Fora isso, tem contrato com a Transportadora Associada de Gás (TAG), para entrega de 50 mil m³/dia até o fim de 2023.
Proquigel: A empresa do Grupo Unigel é, ao mesmo tempo, consumidora e fornecedora de gás. A companhia arrendou as fábricas de fertilizantes da Petrobras na Bahia e Sergipe e compra, no mercado livre, gás da Shell e da própria estatal. E, como fornecedora, tem contrato com a Sergas, para entregas de curto prazo.
Shell: A multinacional tem contratos tanto no mercado cativo quanto no livre. Segunda maior produtora de gás do Brasil, a empresa tem acordos com a Bahiagás, Copergás e Cegás. Com a distribuidora baiana, assumiu o compromisso de vender 840 mil m³/dia em 2022 e 100 mil m³/dia em 2023 e 2024, entre acordos firmes e flexíveis. Para a pernambucana, venderá 740 mil m³/dia em 2022 e 1 milhão de m³/dia em 2023. Já o contrato de cinco anos com a Cegás prevê 50 mil m3/dia na modalidade PUT, a partir deste ano, e 100 mil m3/dia firmes a partir de 2023. No mercado livre, fechou contrato com a Unigel, para abastecer as fábricas de fertilizantes da Bahia e Sergipe. Juntos, Unigel, Copergás e Bahiagás demandarão entre 3 milhões e 4 milhões de m³/dia do gás extraído pela companhia no pré-sal, a partir de 2022.
Tradener: Assinou contrato com a Compagas (PR), para entrega de até 300 mil m³/dia, até o fim de 2023, na modalidade interruptível. E tem acordo com a SCGás, para fornecimento de 630 mil m3/dia, também interruptíveis. O gás a ser fornecido pela comercializadora é oriundo da Bolívia. Em março, a Tradener fechou um acordo de dois anos com a YPFB, para compra de até 2,2 milhões de m³/dia na modalidade interruptível.
Fora esses novos agentes, a comercializadora GasBridge assinou acordo com a Compagas, para um projeto piloto de importação de gás boliviano e fornecimento de 10 mil m3/dia na modalidade interruptível.
A Excelerate Energy, por sua vez, estreou em dezembro de 2021 como operadora do terminal de regaseificação da Baía de Todos os Santos (BA). A guerra da Ucrânia pressionou ainda mais os preços globais do gás natural liquefeito (GNL), retardou o desenvolvimento do mercado livre no Brasil e os planos de captação de clientes.
Mesmo assim, a companhia norte-americana se tornou este ano uma das principais fornecedoras privadas de gás no mercado brasileiro, com volumes médios de 3,8 milhões de m3/dia no primeiro semestre, de acordo com dados do Ministério de Minas e Energia. Entre os clientes, estão a Petrobras e a TAG — para quem fornece gás para balanceamento da rede.
Busca por diversificação
As distribuidoras têm intensificado a busca por novos supridores, na tentativa de reduzirem a dependência da Petrobras — em especial num ano em que a estatal aumentou os preços da molécula.
De acordo com estimativas da Gas Energy, com base nos contratos públicos, disponibilizados pela ANP, todos os novos fornecedores praticavam, em fevereiro, preços mais baixos que os da Petrobras.
O preço de venda da molécula da 3R para a Bahiagás, por exemplo, varia de US$ 6 a US$ 7 o milhão de BTU — para um Brent de referência entre US$ 75 e US$ 125. A Petrobras, para efeitos de comparação, tem vendido o seu gás a patamares acima de US$ 14 o milhão de BTU, nos novos contratos com as distribuidoras.
No Alagoas, Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Sergipe, os novos termos contratuais propostos pela Petrobras — que levaram a um reajuste de até 50% em janeiro — foram judicializados.
A petroleira brasileira alegou o aumento dos custos com a importação de GNL, enquanto as distribuidoras veem nos reajustes abuso de poder de mercado da Petrobras.
Abertura mais lenta
Apesar dos avanços, a abertura do mercado livre de gás, no Brasil, ainda é incipiente e deve ocorrer de forma mais lenta do que a prevista inicialmente — dado o cenário internacional adverso, marcado pelo encarecimento do GNL desde 2021 e agravado com a guerra na Ucrânia este ano.
Para o presidente da Compass, Nelson Gomes, houve um atraso na movimentação do mercado livre, no país, relacionado não só a aspectos regulatórios e dificuldades de acesso à infraestrutura, mas principalmente porque, para o consumidor, migrar do ambiente regulado para o livre num momento de alta volatilidade é um movimento mais difícil.
“O que imaginamos é um mercado abrindo de maneira mais gradativa, talvez mais lenta que imaginávamos no momento pré-guerra”, afirmou, a investidores, em maio.
Segundo ele, a volatilidade de preços do gás no mercado internacional, em meio ao conflito no Leste Europeu, traz um “desafio maior” para o braço de comercialização de gás natural da Compass.
Gomes acredita, no entanto, que a abertura do mercado de gás está na “direção correta”. “Existe gente olhando pra isso [mercado livre]”, comentou, ao se referir sobre o contrato de fornecimento recém-assinado pela Eneva com a Suzano.