A ambição do governo atual e de parte da indústria petrolífera de expandir o mercado de gás natural e garantir o abastecimento nacional de combustíveis tem colocado em segundo plano a função original da Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA).
Isso porque a estatal está sendo cotada para ser usada como veículo na implementação de novas políticas de desenvolvimento industrial do governo, como o mais famoso programa Gás para Empregar, que está sob avaliação de viabilidade técnica.
Entretanto, a entrada da PPSA em novos mercados coloca em xeque seu propósito original de atuação: representar a União nos contratos de partilha de produção no pré-sal brasileiro, garantindo a maximização dos benefícios econômicos e sociais para o país.
Ao que parece, o foco agora é tornar a PPSA uma empresa integrada de energia, o que faria com que “competisse” diretamente com a Petrobras.
A PPSA foi concebida em 2010 pelo Ministério de Minas e Energia (MME) com o objetivo de gerir os contratos de comercialização da parcela da produção do pré-sal pertencente à União.
Diferentemente da Petrobras, não atua como uma empresa de exploração e produção, e sim como uma entidade reguladora e fiscalizadora desses contratos.
Seu principal papel é garantir que a produção de óleo e gás nos campos de partilha seja conduzida de acordo com os termos definidos nos contratos, monitorando a produção, a comercialização, a arrecadação de royalties e a distribuição dos lucros entre a União e as empresas contratadas.
Já a Petrobras é uma empresa estatal brasileira de energia integrada, que desempenha um papel abrangente na indústria do petróleo.
Além de ser uma das principais produtoras de hidrocarbonetos do país, a Petrobras também é responsável por várias etapas da cadeia de valor, incluindo exploração, produção, refino, distribuição e comercialização de produtos derivados do petróleo.
Ela atua tanto no mercado interno quanto no mercado internacional, buscando maximizar os lucros e contribuir para o desenvolvimento econômico do Brasil.
A iniciativa do governo Lula junto ao Conselho Nacional de Pesquisa Estratégica (CNPE) e ao MME de ampliar o escopo de atuação da PPSA ainda está em debate.
A ideia é que a estatal não atue apenas no E&P, como gestora dos contratos de partilha e na comercialização do óleo e gás da União, mas também expanda suas atividades em segmentos como o de refino, gás natural e fertilizantes.
Isto implicaria, no mínimo, em uma redução do papel da Petrobras nos segmentos comuns à “nova” PPSA e maior protagonismo desta última como uma empresa integrada de energia.
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O caso Petoro e Equinor (ex-Statoil)
Um movimento similar ocorreu há 20 anos na Noruega, com a redução do papel da Statoil no controle da participação do Estado nos campos de óleo e gás, que foi transferido para a Petoro, empresa criada em 2001 para gerir, comercialmente, o maior valor financeiro a partir do SDFI (State’s Direct Financial Interest).
A empresa assumiu o gerenciamento das participações do Estado norueguês em campos de petróleo e gás no Mar do Norte, à medida que, paralelamente, a Statoil (atual Equinor) passava por um processo de desestatização e venda de seus ativos.
A ação foi símbolo de uma das principais reformas introduzidas pelo governo Willoch, uma vez que uma empresa originalmente do Estado norueguês era parcialmente privatizada em detrimento da criação de outra concorrente.
Contradições da ‘nova PPSA’
Assim como a PPSA, a Petoro tem o objetivo de maximizar o valor das reservas petrolíferas para o Estado, por meio da gestão eficiente das atividades de exploração e produção, bem como das receitas geradas pela indústria do petróleo e gás.
No entanto, o debate atual sinaliza que a PPSA poderá atuar para além do E&P, se posicionando em novos mercados, ao contrário do que foi feito com a Petoro, que teve a sua atuação mantida no E&P e na gestão do fundo social.
Ademais, a PPSA não foi criada no momento da privatização da Petrobras, o movimento de desestatização e a venda de ativos ocorreu após sua criação.
A Petoro contribuiu com o processo de privatização da Statoil e também participa de investimentos em blocos exploratórios, o que não faz parte do escopo de atuação da PPSA.
É fato que a PPSA foi criada inspirada no caso norueguês. A experiência e o sucesso do modelo norueguês foram considerados referências importantes no momento da criação da PPSA, buscando estabelecer uma estrutura semelhante para a gestão das reservas do pré-sal brasileiro.
O que se pergunta é se o futuro da PPSA, vislumbrado pelo atual governo, e, indiretamente, o da Petrobras, será promissor ou danoso no papel de comercialização do óleo da União.
Há uma grande expectativa por parte do governo na entrada da estatal do pré-sal em novos mercados, o que soa contraditório, uma vez que o sucesso da sua inspiração não foi obtido por este caminho.
Nathália Pereira Dias é pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), mestre em Engenharia da Nanotecnologia pela COPPE/UFRJ e pós-graduanda latu senso em Energias na COPPE/UFRJ
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