Muito já se escreveu, falou e discutiu sobre os problemas do setor de gás natural brasileiro: os monopólios, as ineficiências, o alto custo do gás para o consumidor final. Da mesma forma, as soluções também já foram intensamente debatidas e (quase) consensuadas.
Relatórios abordaram exaustivamente o tema, tais como o diagnóstico final do Gás para Crescer do Ministério de Minas e Energia (MME) e a Nota Técnica nº 014/2018-SIM da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Contudo, a resolução nº 16/2019 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), resultado do programa Novo Mercado de Gás, oficializa, inequivocamente, uma política pública detalhada para o desenvolvimento do setor. Reside, neste ponto, a maior conquista desta resolução: criar o contorno legal e institucional para que as necessárias mudanças sejam implementadas.
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O texto da resolução 16 trata das ineficiências atuais em todos elos da cadeia: produção, escoamento, tratamento, transporte, distribuição e comercialização. Além disso, é cuidadoso, ao firmar posição em temas controversos, como independência e operação do transporte, sinal locacional, regulação a nível estadual e redução de concentração de mercado – mas respeitando os contratos, as esferas de competência e um período de transição.
Embora a resolução não tenha o enforcement para implementar as mudanças, ela detalha as diretrizes que balizarão os instrumentos que as executarão. É o caso do Termo de Cessação de Conduta entre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a Petrobras e das resoluções da ANP e de órgãos reguladores estaduais.
O Novo Mercado de Gás se diferencia dos movimentos anteriores exatamente em relação ao último tópico: o regramento para o setor de distribuição.
Ao propor uma série de melhorias aos reguladores estaduais, em especial sobre os critérios tarifários, o CNPE percebe que, numa indústria de rede como a de gás natural, os benefícios da abertura do mercado só serão plenamente capturados se todos os interesses ao longo da rede estiverem alinhados ao objetivo fundamental: garantir a produção associada ao pré-sal e o consumo de grandes volumes de gás em território nacional.
Atualmente, o modelo regulatório faz com que as decisões racionais dos investidores de distribuição estejam associadas a maximizar os investimentos e os ativos no segmento. Dessa forma, as concessionárias de gás, sob a prerrogativa de universalizar o serviço de gás, investem em expansões para inflar sua base de ativos. Neste modelo, os grandes consumidores subsidiam os novos investimentos, acarretando em aumento de tarifa e perda de competitividade deste energético e comprometendo o projeto de maximizar a circulação de gás no sistema brasileiro.
As linhas gerais estão postas para todos os agentes. Os caminhos foram abertos para que reguladores estaduais, Cade e ANP superem o grande desafio de transformar estes conceitos em regulação num curto espaço de tempo. O mercado deve estar preparado para contribuir ativamente neste processo. No período de transição, teremos o desafio de delinear a saída da Petrobras como gestora do sistema preservando a segurança no abastecimento.
Além da necessidade de alinhar os interesses de segmentos de monopólio natural aos objetivos e às oportunidades do Brasil: sair de uma lógica de competição direta do gás com outros energéticos para um paradigma de competição “gás x gás”, que vai dar ao país condições semelhantes ao dos Estados Unidos a partir da oferta do shale gas.
A indústria consumidora de gás já está imbuída desse espírito de mudança, não só pela perspectiva de redução do custo final deste insumo, mas por inserir no setor de gás brasileiro, pela primeira vez e de forma concreta, o conceito de “mercado”.
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