Para atender o custo das termelétricas em consonância com o disposto na lei 14.182, de 2021, foi atribuído um valor de R$368 bilhões e outros R$ 130 bilhões oriundos de outras contas deixadas pelo caminho, chegando a um total de R$ 500 bilhões, ou meio trilhão de reais, de um suposto passivo deixado para o setor de energia elétrica, o que pode indicar um diagnostico errado da situação.
Em maio deste ano, a conta atribuída às termelétricas, também sem maiores esclarecimentos e aparentemente turbinada por estudiosos ligados à indústria (setor compreensivelmente preocupado com o valor da energia) seria de já estratosféricos R$ 100 bilhões. Valores bem discrepantes.
A contratação de termelétricas a gás natural deverá representar sim um custo para o consumidor brasileiro de energia elétrica no primeiro momento, mas os benefícios superam o custo no longo prazo.
A segurança energética sempre foi um assunto estratégico, todos queremos um sistema seguro, confiável e ambientalmente sustentável, o que envolve investimentos.
As energias renováveis ainda possuem característica intermitente, o que implica dizer que sua geração ocorre de forma imprevisível, dependendo da oferta primária do recurso natural.
Se falta sol, cai a geração solar. Se o vento muda, cai a geração eólica. Em contrapartida o consumo não cai. Se não houver uma fonte com botão de “liga/desliga”, essa conta não fecha e falta luz na casa das famílias.
A geração termelétrica prevista na Lei da Eletrobras pode ser parte da solução para esse problema de imprevisibilidade. Ao introduzir no sistema uma capacidade de geração despachável da ordem de 8.000 MW, ou mais da metade de uma Itaipu, possibilita desoneração de gargalos de linhas de transmissão e adia necessidade de aumento de custos nesse segmento.
Além de abrir as portas para grande investimentos em uso industrial.
Mesmo a inflexibilidade de 70% das termelétricas, pode ser útil nesse contexto. Pois, cada megawatt-hora gerado de forma inflexível nessas usinas poupa água nos reservatórios de grandes hidrelétricas, que podem ser utilizados para regularizar o fornecimento das demais fontes renováveis a qualquer momento.
Capacidade de geração
O Brasil optou por deixar de lado novos projetos hidrelétricos com grandes reservatórios, seja porque os potenciais restantes estão localizados longe dos centros de consumo, seja porque envolvem o alagamento de grandes extensões territoriais não-antropizadas.
Essa era considerada uma discussão superada nos últimos anos.
Combater a instalação de termelétricas a gás natural abre a possibilidade para voltar a construir grandes obras faraônicas na plana região amazônica, em que cada metro a mais na altura do reservatório envolve vários quilômetros quadrados alagados. Isso não é sustentável.
Em 2001 o setor elétrico se viu sem capacidade de geração em razão da recusa no investimento em infraestrutura, o que custou muito caro ao país.
A escassez hídrica, que precipitou o apagão e deixou o Brasil sem energia, representou um custo muito maior para o crescimento econômico nacional do que o da mera energia não gerada, incluindo o adiamento de decisões de investimento na indústria diante da insegurança de fornecimento.
A grande vantagem propiciada pela regularização dos reservatórios guarda também uma armadilha, uma vez que pode ser utilizada para esconder da sociedade a real situação de deterioração das reservas e da confiabilidade do sistema e para camuflar o desabastecimento, que resultaram na crise já citada, continua atual em boa medida.
Gás para crescer
Nas últimas duas década o setor elétrico assistiu a um crescimento de geração termelétrica, que daria segurança ao sistema e supostamente afastaria o fantasma do racionamento, mas viu também uma ampliação bastante significativa de fontes intermitentes.
Essas fontes de gerarão distribuída são essenciais e precisam ser desenvolvidas. Mais energia solar, eólica e bioenergia, precisam do gás pra crescerem.
É necessário investir em fontes confiáveis, para dar suporte ao crescimento das renováveis e manter a matriz elétrica brasileira entre as mais limpas do mundo. Assim como antes, não podemos confiar apenas nas boas expectativas hídricas.
O setor energético, não somente se restringindo ao elétrico, precisa estar preparado para prover o país da energia necessária para o próximo ciclo de crescimento econômico, não com o minimamente necessário, mas com abundância, modicidade e confiabilidade.
Integrar o gás natural ao sistema produtivo e ao crescimento de energia no país não é custo. É investimento.
Fontes renováveis, interiorização do gás possibilitando crescimento industrial e redução no horizonte de expansão de uso de energia, que deverão baratear o preço ao consumidor, são só alguns pontos que justificam essa estratégia.
É investimento que gerará riqueza e estabilidade energética pro país. A integração do gás (incluindo o biogás) pode ser o maior plano de desenvolvimento nacional.
Miguel Ivan Lacerda é diretor do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e foi diretor de Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MME).
Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado