Energia

A geopolítica da transição energética

Agenda climática não está isenta da influência da esfera geopolítica e seus impactos sobre a competitividade relativa das economias, escrevem Guilherme Dantas e Tanguy Baghdadi

A geopolítica da transição energética de fósseis para renováveis. Na imagem: Plataforma offshore Dudgeon da Statoil para exploração de petróleo e gás associada à eólica offshore (Foto: Jan Arne Wold Woldcam/Equinor)
Plataforma offshore Dudgeon da Statoil para exploração de petróleo e gás associada à eólica offshore (Foto: Jan Arne Wold Woldcam/Equinor)

Notadamente, questões geopolíticas se fazem presentes nas discussões do setor de energia. A indústria do petróleo é um caso emblemático: os interesses envolvidos são tão grandes que transcenderam o espectro comercial e foram o estopim de diversas guerras ao longo dos últimos 120 anos. É sintomático que as duas grandes superpotências do século passado fossem exatamente países com enorme disponibilidade energética em seus territórios.

O exame da dinâmica de descarbonização da economia mundial não pode ignorar a presença de interesses comumente divergentes dos países. Desde os anos 1970, países desenvolvidos e pobres adotam posturas divergentes diante dos debates ambientais, moldadas pelos seus objetivos políticos e econômicos.

A agenda climática não está isenta da influência da esfera geopolítica e econômica, visto que as medidas de redução das emissões de gases do efeito estufa tem impactos sobre a competitividade relativa das economias dos diferentes países.

As estratégias ambientais e o interesse econômico

Um exemplo bastante interessante de como os interesses econômicos influenciam as estratégias dos países nas discussões ambientais é a posição dos EUA.

O mesmo país que resistiu a metas em acordos climáticos, como o Protocolo de Quioto, foi pró-ativo na década de 1980 contra gases do buraco da camada de ozônio, por identificarem uma oportunidade comercial no combate aos gases causadores do buraco na camada de ozônio, com ganhos econômicos para a economia norte-americana.

É preciso ser enfático quanto à situação de emergência climática e à urgência na implantação de ações efetivas. Logo, compreende-se toda a importância atualmente concedida ao processo de transformação do setor energético por meio do uso mais eficiente dos recursos juntamente com uma maior utilização de fontes renováveis não emissoras de gases do efeito estufa.

Todavia, o cerne da questão é como considerar variáveis geopolíticas, em grande medida derivadas de questões econômicas, na dinâmica da transição energética. Diretamente associada a esta problemática, está a escolha das alternativas tecnológicas do processo de descarbonização.

Por um lado, é preciso considerar que as cadeias produtivas e energéticas apresentam relevante nível de integração em nível global. Logo, soluções sem condições de replicação em larga escala devem ser vistas com ressalvas.

Entretanto, as implicações econômicas das escolhas tecnológicas fazem com que não seja recomendável enxergar as posições políticas dos países nas discussões climáticas como neutras ou estritamente voltadas para a mitigação das alterações climáticas.

Esta assertiva se acentua diante da constatação de que diversos países enxergam investimentos em tecnologias verdes como um vetor de crescimento econômico nos próximos anos. Tal percepção leva a China a ser uma crescente desenvolvedora de tecnologia para a economia verde global, assumindo papel até então assumido pelos EUA, que se encontram às voltas com o debate ambiental.

Posição privilegiada do Brasil

É possível afirmar que o Brasil se encontra bem-posicionado para qualquer que seja o direcionamento da lógica de transição energética, dadas a sua disponibilidade de fontes energéticas e a maturidade tecnológica.

E é importante que assim seja: o Brasil necessita de disponibilidade energética, como forma de garantir recursos para o crescimento econômico, ao mesmo tempo em que encontra nos debates ambientais internacionais um dos espaços nos quais o país é indispensável e protagônico globalmente.

O ponto a ser atentado pelos responsáveis pela política energética brasileira são as ressalvas que narrativas únicas e a condenação de tecnologias consagradas, eficientes e sustentáveis no Brasil devem receber. Dois exemplos são bastante ilustrativos dos cuidados necessários.

Ao longo dos últimos anos, foram comuns os questionamentos acerca do enquadramento da geração hidrelétrica enquanto fonte renovável. Tratava-se de uma discussão infundada com nocivas consequências na obtenção de funding internacional para novos projetos.

Felizmente, entidades como a International Energy Agency (IEA) e a International Renewable Energy Agency (Irena) vem apontando a enorme importância do aproveitamento dos recursos hídricos na dinâmica de descarbonização do setor energético.

A biomassa também costuma ser alvo de críticas, que desconsideram as características das diferentes rotas de produção, sobretudo as especificidades do cultivo agrícola da cana-de-açúcar.

Os avanços produtivos e tecnológicas tornam a bioenergia a única alternativa de produção de energia com emissões negativas por meio de tecnologias de captura de carbono.

Evidentemente, não se propõe que o Brasil faça escolhas desconectadas da dinâmica internacional.

Entretanto, é vital que os caminhos a serem percorridos pelo país considerem as características da indústria existente, especificidades e potencialidades locais.

Esta visão abrangente permitirá a identificação das trajetórias capazes de efetivamente maximizarem a geração de desenvolvimento, renda e empregos nos Brasil.

Caso contrário, o país estará sujeito a trancamentos tecnológicos em rotas indesejáveis ou desmantelamento extremamente custosos de indústrias e cadeias produtivas já estabelecidas no país.

Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.

Guilherme Dantas é sócio da Essenz Soluções, professor da FGV e pesquisador sênior do Cebri.

Tanguy Baghdadi é professor e comentarista de Relações Internacionais e criador do podcast Petit Journal.