Energia

A cautelar da discórdia que impacta o bolso de milhões

Medida cautelar da Aneel abre oportunidade para reflexão sobre o processo do regulador em suas decisões

Cautelar da Aneel sobre térmicas: discórdia que impacta bolso de milhões. Na imagem, reunião da diretoria colegiada da Aneel (Foto: Aneel/Divulgação)
Reunião da diretoria colegiada da Aneel (Foto: Aneel/Divulgação)

Nos últimos dias uma questão do setor elétrico ganhou destaque nacional, provocando reações na imprensa, no parlamento e no Tribunal de Contas da União (TCU): o tratamento dispensado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em decisão cautelar, a algumas térmicas do chamado Procedimento Competitivo Simplificado.

Em suma, ele foi criado para a contratação emergencial de energia feita no ano passado quando havia preocupação diante da escassez de chuvas. Felizmente choveu e essa contratação se mostrou desnecessária.

Apesar disso, foi uma obrigação assumida pelo governo em nome dos consumidores e terá que ser honrada. Nesse caso, os contratos previam que deveria haver oferta de energia nova, com prazos extremamente restritos de entrada em operação sob pena de descontratação.

Ocorre que mais da metade dessas térmicas está atrasada, o que significa que o rompimento do contrato poderia representar menos R$ 400 milhões por mês na conta dos consumidores. Na primeira quinzena de maio, os diretores da Aneel , em decisão cautelar que, portanto, não apreciou o mérito da questão, permitiram que as térmicas atrasadas substituíssem sua geração pela produção de energia em outra usina térmica antiga do mesmo grupo. Não se trata de discutir o mérito do processo em si, afinal esse é um debate para os autos.

O que está em jogo é a oportunidade de refletirmos sobre o processo do regulador em suas decisões. Elas se dão em reuniões públicas e são tomadas de forma colegiada pelos diretores, devidamente instruídas por pareceres das áreas técnicas e da procuradoria da agência. Importante lembrar que a decisão cautelar, ora enfrentada pelos consumidores, foi tomada em condições excepcionais e, consequentemente, não seguiu todos esses procedimentos — inclusive as necessárias avaliações de impacto regulatório.

São esses procedimentos que garantem o equilíbrio das decisões finais tomadas em prol do setor e pensando no interesse público.

O ecossistema do regulador

E são justamente esses procedimentos e o fato de que as partes interessadas podem se manifestar — inclusive os consumidores que pagarão pela conta — que garantem que a agência reguladora tome, na imensa maioria das vezes, as melhores decisões possíveis.

Sendo assim, nós consumidores temos plena confiança de que é esse conjunto de mecanismos que torna a instituição forte. Na multiplicação deles, o setor vai evoluindo com o aprimoramento de suas instituições.

A Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), junto com a quase totalidade das associações que acompanham o setor elétrico, tem sempre defendido que a escolha de diretores da Aneel se dê pelos melhores nomes profissionais com experiência no setor, com competência e com isenção para a tomada de decisões.

Isso é muito importante, mas tão importante quanto são as regras institucionais. São elas que garantem os mecanismos de pesos e contrapesos tão importantes para as decisões regulatórias.

A decisão cautelar aqui tratada é apenas um exemplo de como o ecossistema do regulador pode funcionar. A partir dessa primeira decisão, os mecanismos internos vão provocar a manifestação das áreas técnicas com o devido debate do mérito da questão entre os diretores — processo público transmitido pela internet para que seja acompanhado pela sociedade.

São esses mecanismos de sucessivas camadas de validação da decisão e de controle que protegem tanto os investidores na área de energia quanto os consumidores,e fazem da agência reguladora um exemplo no ambiente institucional brasileiro.