A transição do governo federal foi oficialmente iniciada nos primeiros dias do ano com a publicação de mais de 20 normativas, tanto na pauta ambiental como climática, com a reestruturação do Executivo Federal em diversas matérias.
Dentre as principais modificações, destacam-se as alterações do Decreto Federal que trata sobre infrações administrativas ambientais (nº 6.514/08), com a exclusão da fase de conciliação prévia, nova designação do Ministério de Meio Ambiente (que passou a incluir expressamente “Mudanças Climáticas”), reativação do Fundo Clima e do Plano de Combate ao Desmatamento da Amazônia (PPCDam).
Mais do que alterações operacionais e de posicionamento do Executivo Federal sobre a agenda ambiental, o efeito surtiu como uma resposta efetiva do novo governo sobre as ações concretas prometidas ao longo da campanha presidencial sobre a construção de uma pauta ambiental e climática mais firme e com maior amplitude — seja internamente ou perante o mercado internacional.
Até mesmo porque, sem adentrar em questões políticas domésticas, os desafios que o novo governo irá enfrentar não são poucos e já alcançam concretamente o mercado internacional, especialmente o europeu.
Ações concretas e com maior amplitude
A primeira questão mais urgente e amplamente divulgada nos últimos meses é a iniciativa da União Europeia com 3 propostas de Diretivas já em construção para restringir o comércio europeu com países e empresas que não tenham compromissos ambientais e climáticos concretos.
Uma delas, e a mais avançada na aprovação pelo Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia, é o Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), objeto de amplo debate ao longo do ano.
O CBAM funcionará como mecanismo de controle e desestímulo para importação de produtos pela UE (cimento, eletricidade, fertilizantes, ferro e aço, alumínio) provenientes de países com políticas não efetivas de enfrentamento às mudanças climáticas.
Os importadores deverão comprar créditos equivalentes à compensação de emissões (tonelada do crédito de carbono no mercado europeu) que seria devido se o bem fosse produzido na UE.
Ocorre que essa regra de compra de créditos apenas se aplicará para mercadorias provenientes de países com uma “menor ambição climática”. A grande crítica está em, justamente, estabelecer os critérios de ambição climática e a aplicação do princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”.
Ou seja, não existindo uma regra internacionalmente aceita sobre critérios para medição de ambição, a diretriz europeia poderá criar distinções e tratamento eminentemente discriminatório, contrário aos princípios da Organização Mundial do Comércio (OMC).
O Estado Brasileiro, nesse aspecto, deverá comprovar sua ambição e políticas climáticas, sobre pena de sofrer o embargo de exportação para a UE.
Desmatamento e riscos ambientais na mira
Outra restrição em andamento no âmbito da Comissão Europeia é a Regulação de Produtos Livres de Desmatamento, também chamada de deforestation regulation.
Nesse caso, as empresas serão impedidas de importar commodities (tais como suínos, ovinos e caprinos, cacau, café, dendê e derivados à base de óleo de palma, soja, milho, borracha e madeira) provenientes de áreas desmatadas (irregulares ou não) a partir de dezembro de 2020.
As empresas deverão apresentar uma declaração de due diligence na qual se responsabilizam em garantir que suas cadeias de suprimento não estão contribuindo para a destruição de florestas ou ofensa aos direitos humanos (incluídos dos povos tradicionais) nos países de origem.
Há um escalonamento do porte das empresas para inícios das exigências e também poderá ser aplicado às instituições financeiras, ainda sujeito à regulamentação.
O último projeto europeu, que está mais incipiente, é o chamado Corporate Sustainability Due Diligence com o objetivo de endurecer e exigir compliance ambiental das cadeias de fornecimento e respectivas subsidiárias (inclusive brasileiras).
Dentre os deveres, estarão incluídos o de integração entre as políticas financeiras e de sustentabilidade das empresas, a identificação de potenciais riscos ambientais e climáticos nas operações e as respectivas medidas de mitigação.
Tudo isso, mais uma vez, será diretamente impactado pelo nível de restrição ambiental que a atividade tiver no país de origem. As exigências no Brasil e a política ambiental e climática adotada internamente poderão ser determinantes para demonstração de conformidade da atividade com as diretrizes adotadas na União Europeia.
A tendência é que outros países também sigam com movimentos restritivos para o comércio internacional, a exemplo do que está em tramitação nos Estados Unidos, mas a Europa é a mais avançada e com projetos já fases avançadas em aprovação.
O cerco está se fechando para aqueles países e empresas que não possuem políticas estruturadas e implementadas.
O Brasil, mais que se posicionar adequadamente perante o mercado e investidores internacionais, possui o dever — já reconhecido e anunciado na última Conferência da ONU, COP27 — de adotar medidas efetivas de redução dos índices de desmatamento, das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e da definição de ações concretas para cumprimento da meta perante o Acordo de Paris.
Essas obrigações perpassarão, necessariamente, pela revisão do atual modelo de definição de curvas de redução de GEE de forma setorial, via Ministério de Meio Ambiente, Economia — e pela contribuição dos setores envolvidos (conforme previsto no Decreto nº 11.075, de maio de 2022).
A atual Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, já se posicionava sobre a criação de pauta robusta sobre o tema, inclusive mediante a instituição — dentro da própria Pasta — da figura da “Autoridade Nacional Designada”, quem fará o papel de conexão entre as transações de créditos de carbono no mercado internacional, por exemplo.
Resta agora aguardar as nomeações restantes e diretrizes que serão anunciadas nos próximos meses, cabendo ao setor privado — independentemente de posicionamento político — adotar as medidas legais e voluntárias para construção e reforço da pauta ESG, a qual será cada vez mais exigida pelos stakeholders, sejam consumidores, investidores, reguladores ou parceiros negociais em geral, inclusive internacionais.
Luciana Gil Ferreira e Patrícia Mendanha Dias são sócias da área ambiental, do Bichara Advogados.
Este artigo expressa exclusivamente a posição das autoras e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculadas