Divulgados como iniciativas para reduzir o custo dos combustíveis após a greve dos caminhoneiros do final de maio, os projetos tocados no Congresso para possibilitar a venda direta de etanol de usinas para postos de combustíveis não têm o apoio de grande parte dos produtores ou da ANP e devem esbarrar ainda na oposição de governadores. Sem clareza sobre a aplicação de tributos importantes sobre o setor, como o ICMS, as propostas levantadas provocariam ainda um desarranjo sobre a aplicação da nova política nacional de biocombustíveis, o RenovaBio, afirmam produtores e a própria agência reguladora.
Nesta semana Senado e Câmara dos Deputados votaram pedidos de urgência para dois projetos que derrubavam a exigência das distribuidoras na cadeia de produção do etanol. Enquanto o Senado aprovou a urgência do Projeto de Decreto Legislativo (PDS) 61/2018 do senador Otto Alencar (PSD-BA), a Câmara a rejeitou na votação do PL 10.316/2018 do deputado Mendonça Filho (DEM/PE). Mas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, afirmou que tentará aprovar a urgência do texto novamente na semana que vem.
Na última terça, a principal associação do setor, a União da Indústria de cana-de-açúcar (Única), se posicionou contra as propostas. Para a associação a retirada das distribuidoras da cadeia demandaria uma mudança na cobrança de PIS/Cofins e até de ICMS e não é necessária no quadro atual, onde a legislação permite a produtores abrirem sua própria distribuidora.
+ 9 propostas do Cade para o setor de combustíveis
+ Etanol: venda direta aos postos divide base do governo e opõe Maia e Planalto
+ No pré-sal, PDT vai contra discurso de Ciro Gomes e alinha votos com MDB e PSBD
“A ausência do distribuidor exigirá mudanças na legislação que regula a cobrança deste tributo federal, concentrando a arrecadação no produtor (cerca de 360 usinas) ou repassando essa atribuição diretamente aos revendedores (mais de 40 mil postos). Essa ausência da distribuidora também exigirá mudanças no regulamento do ICMS instituído pelos Estados”, afirma a Única em nota.
Hoje parte significativa da tributação sobre o etanol incide sobre a fase de distribuição. De acordo com a ANP, em 2018 o recolhimento de PIS/Cofins previsto sobre essa etapa da cadeia chega a R$ 2,18 bilhões. Atualmente, a cobrança de tributos federais é quase equilibrada na cadeia, enquanto o produtor recolhe R$ 0,13 por litro de PIS/Cofins, a distribuidora recolhe R$ 0,11 por litro.
Falta de clareza acerca de ICMS deve provocar a oposição de governadores
Fontes do setor também afirmam que a falta de uma proposta clara para a tributação do ICMS é outro ponto fraco das propostas para alterar a legislação. Não há uma estimativa da agência para o ICMS sobre a distribuição, mas as alíquotas do tributo variam entre 12% e 30% do preço do combustível de acordo com o estado.
Em ano eleitoral, a indefinição deve enfrentar a rejeição da maior parte dos governadores, sobretudo nos estados que não estão entre os maiores produtores de etanol. No auge da greve dos caminhoneiros 17 dos 27 governadores foram expressamente contrários às sugestões do governo federal para reduzir ICMS sobre combustíveis.
PL de Mendonça Filho é o único a abordar alíquota de PIS/Cofins
Dentre os projetos em debata no Congresso, o PL de Mendonça Filho aborda a questão tributária diretamente. O autor determina que os produtores arquem com uma parcela maior de PIS/Cofins para não provocar redução da arrecadação da União. “A atualização na legislação do PIS/PASEP e Cofins é necessária para que não haja perda de arrecadação por parte do governo, transferindo a parcela atualmente devida pelas distribuidoras para os produtores”, justifica o autor no próprio texto do PL.
A lógica de preços proposta determina que os novos valores de PIS/Cofins a serem pagos não poderão resultar em alíquotas “superiores a, respectivamente, 1,65% (um inteiro e sessenta e cinco centésimos por cento) e 7,6% (sete inteiros e seis décimos por cento) do preço médio de venda no varejo”.
Outros três projetos, dois deles propostos por Rogério Rosso (PSD/DF), João Henrique Caldas (PSB/AL) na Câmara, além do texto de Otto Alencar no Senado não abordam diretamente a questão tributária.
Propostas seriam atraso na aplicação do RenovaBio
A Única também afirma que a aprovação da venda direta dificultaria a implantação da nova política nacional de biocombustíveis, o RenovaBio. A iniciativa que reúne diversos lobbies da cadeia do etanol é hoje o principal foco do setor no diálogo entre o governo e as entidades do setor, que na balança esperam mais ganhos a longo prazo com sua implementação do que a redução de alguns centavos no preço do combustível pode oferecer.
“As distribuidoras são parte estratégica dessa política, pois terão que cumprir as metas de descarbonização por meio da compra e venda de certificado de emissões de carbono (Cbios). Isso faz com que os renováveis aumentem sua participação na matriz de combustíveis no longo prazo”, diz a nota da Única.
E m nota técnica divulgada recentemente, a ANP segue na mesma linha. Segundo a agência, a “alterar o papel das usinas e dos distribuidores na cadeira logística, mesclando suas ações, tende a comprometer a realização do programa” RenovaBio.
A ANP ainda se mostra descrente sobre o eventual impacto da mudança na redução do preço do etanol na bomba. “As usinas de etanol concentram-se localmente nos estados produtores de cana-de-açucar, o que limita eventuais benefícios da comercialização direta de etanol”, diz a agência, e ressalta que a legislação não impede que produtores constituam suas próprias distribuidoras.
Sem o apoio da Única, as duas propostas que podem ser votadas em breve no Congresso ficaram identificadas como iniciativas dos usineiros do nordeste, região que há muito perde o posto de líder na produção para São Paulo e Paraná. A aposta de analistas da área é que sem uma posição comum capaz de unir os produtores a tentativa de retirar as distribuidoras da comercialização do etanol não vai passar.
Na Câmara a votação do texto de Mendonça Filho não foi capaz sequer de unir a base do governo. Enquanto DEM e PSDB votaram a favor da proposta, MDB foi contrário à urgência na apreciação do PL, ao lado de partidos da oposição como o PT.
(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});