BRASÍLIA – A possibilidade de reduzir a participação das usinas termelétricas na matriz elétrica do Brasil, mesmo no longo prazo, ainda é vista com desconfiança por agentes do setor. Virtudes como a confiabilidade, despachabilidade e preços mais baixos são considerados imprescindíveis para a estabilidade do sistema.
O Instituto Energia e Meio Ambiente (Iema) e a Coalizão Energia Limpa apresentaram, em 15 de agosto, um estudo que defende que reformas setoriais podem aumentar a utilização de fontes renováveis no setor elétrico.
As entidades, que atuam em temas ambientais e no setor de energia, defendem alterações na remuneração e como as fontes de energia são utilizadas no atendimento à carga, de forma a gerar uma integração entre hidrelétricas, a geração solar centralizada e distribuída, além dos parques eólicos.
Com o estudo, o Iema pretende desafiar a ideia que exista um teto para a penetração das renováveis, que são mais baratas, porém geram energia de forma intermitente. Veja o documento na íntegra (.pdf).
Isto é, não basta ao parque gerador ser capaz de gerar toda a energia demandada, ao longo dos dias e meses, mas ter potência disponível e despachável sempre que necessário. Um papel que é em parte dependente de térmicas a combustíveis fósseis e das usinas nucleares de Angra dos Reis (RJ).
Confiabilidade
De acordo com a Associação Brasileira de Geradores Termelétricos (Abraget), existe uma incompreensão em relação ao papel das térmicas no sistema.
Embora a associação reconheça a importância das renováveis, a geração termelétrica teria uma atuação que garante o suprimento da demanda energética.
“O papel das térmicas é garantir a confiabilidade elétrica e energética. A confiabilidade é formada por três fatores: adequacidade, o atendimento a carga 24h/dia; segurança, com estabilidade de frequência e de tensão durante emergências; e resiliência, a rápida recomposição do sistema”, defendem.
A descarbonização, relembra a Abraget, já alcançou no Brasil níveis acima da média em relação ao resto do mundo.
“A melhor matriz é aquela formada pelo menor impacto ao meio ambiente, a maior segurança e um reduzido custo. Diferentemente da maioria dos países desenvolvidos, nós já fizemos a transição energética no setor elétrico: 87% da capacidade instalada de geração no Brasil é renovável. Em 2023, só 2% das emissões de gases de efeito estufa são do setor elétrico”.
O caminho para a descarbonização possui tecnologias já em aplicação e outras em desenvolvimento.
“A Abraget enxerga um futuro de térmicas verdes, com tecnologias que serão vetores para uma economia de baixo carbono, como o abastecimento das usinas a partir de uma mistura entre hidrogênio e gás natural; ou zero carbono, a partir da tecnologia de captura e armazenamento de carbono”.
Modicidade tarifária
Para Pedro Rodrigues, sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), os custos ainda são impeditivos para uma menor participação das usinas termelétricas.
“É possível fazer sistemas de armazenamento por baterias, construir mais hidrelétricas, utilizar hidrogênio. Mas o problema é o preço. Estamos dispostos a pagar uma energia ainda mais cara?”, questiona.
Ainda que a inclusão de baterias sejam cogitadas pelo governo, o especialista vê com ceticismo a aplicação em larga escala no curto prazo.
Além disso, na visão do sócio do CBIE, crises hídricas poderiam comprometer a operação do sistema, a exemplo de 2021. Usinas hidrelétricas a fio d’água seriam afetadas por períodos secos prolongados, sem a capacidade de conservar energia para emergências.
A presença das térmicas deve persistir por décadas, mas não necessariamente com fontes poluentes.
“É possível utilizar gás natural, biomassa, biometano e nuclear. Não é preciso usar combustíveis fósseis, mas ter um sistema sem termelétricas, mesmo que mais limpas, eu não consigo ver”, resume.
A cogeração, com energia solar e térmica a partir da biomassa, também é apontada como uma das soluções para evitar a intermitência da geração de energia.
A Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen) defende ajustes no Leilão de Reserva de Capacidade de 2024.
A entidade acredita que pode ser incluído o produto potência termelétrica sazonal, onde participariam empreendimentos novos e existentes com Custo Variável Unitário (CVU) maior que zero e compromisso de entrega em megawatts durante a safra da cana-de-açúcar.
Alternativas
Para Ricardo Baitelo, pesquisador e autor do estudo do Iema, a premissa da modicidade tarifária tem a ver com a escolha das fontes mais econômicas e com tempo otimizado de integração ao sistema, que são no momento as eólicas e solares.
“Passa também pela discussão dos subsídios destinados às fontes, equalizar tanto benefícios quanto valorar os atributos de cada uma delas são ações urgentes para a modernização do sistema”, completa.
As térmicas são uma solução que se encaixa no curto prazo, na visão de Baitelo, mas será necessário reforçar o atributo potência.
Existem saídas para essa questão, como o aprimoramento nos contratos de térmicas a biomassa, que podem aumentar a contribuição ao sistema.
Uma das propostas do Iema é a criação da figura do armazenador de energia elétrica, um novo tipo de atuação no setor elétrico, pois há possibilidade de utilizar sistemas de armazenamento não apenas na geração, mas também em outros elos, como a transmissão de energia.
Citando projeções internacionais e do mercado brasileiro de expansão do armazenamento, Baitelo também lembra que as baterias poderão representar uma saída eficaz, com a entrada em operação dentro de alguns anos.
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