A gestão de stakeholders no licenciamento ambiental de linhas de transmissão é uma ótima oportunidade para mitigar riscos e explorar a importância de incluir diversas partes interessadas no processo de tomada de decisões que afetam o meio ambiente e as comunidades.
As linhas de transmissão são infraestruturas necessárias ao adequado transporte de energia das usinas até as unidades de distribuição e consumidores finais, tratando-se de veículo imprescindível para o desenvolvimento energético e sustentável do nosso país.
O licenciamento ambiental desses empreendimentos envolve a participação de diferentes stakeholders em cada uma das suas fases respectivas.
A começar pelos órgãos ambientais licenciadores (Ibama, órgãos estaduais e municipais) e órgãos intervenientes (ICMBio, Iphan, Incra, órgãos estaduais e municipais de proteção do patrimônio arqueológico e cultural, órgãos estaduais e municipais gestores de unidades de conservação, dentre outros), passando pelos agentes financiadores, fornecedores de produtos e serviços e pelas comunidades e proprietários de terras afetados.
Pode-se falar, também, na possível participação do Ministério Público ou de Organizações não governamentais, nos casos em que há o acompanhamento do licenciamento por esses entes, em razão dos interesses subjacentes.
Como se vê há uma complexa gama de participantes no licenciamento desse tipo de empreendimento, o que demanda todo o cuidado na interface e gestão eficaz a eles relacionada. Seja qual for a fase do licenciamento ambiental, cabe ao empreendedor a análise cuidadosa e detalhada das possíveis repercussões inerentes ao envolvimento dos stakeholders, para a melhor tomada de decisão.
Dentre os temas mais sensíveis na gestão de stakeholders no licenciamento ambiental de linhas de transmissão podemos destacar, para a fase de licenciamento prévio, a ausência de abertura para um diálogo técnico com órgãos licenciadores e intervenientes, a interferência de interesses de natureza política dos diversos entes afetados pelo empreendimento, a falta de qualidade dos estudos ambientais para a identificação e mensuração de impactos socioambientais, e a dificuldade no diálogo com as comunidades e proprietários impactados.
Para a fase de licenciamento de instalação, apontamos a gestão e fiscalização da regularidade ambiental dos fornecedores de produtos e serviços contratados e a gestão dos impactos efetivos decorrentes das atividades de instalação do empreendimento nas comunidades e propriedades impactadas, o que pode ensejar questionamentos capazes de ocasionar atrasos ou custos adicionais não previstos.
Na fase de licenciamento de operação, por certo, os temas importantes continuam sendo a manutenção do diálogo transparente com as comunidades e proprietários e a gestão eficaz dos programas ambientais relacionados aos impactos socioambientais.
Gestão eficaz das partes
Considerando os temas acima apontados, buscamos identificar a seguir algumas possíveis estratégias que podem contribuir para uma gestão eficaz de stakeholders no âmbito do licenciamento ambiental de linhas de transmissão:
Uma primeira – e importante – estratégia que pode ser adotada diz respeito à utilização de métodos para engajar stakeholders de forma proativa, tais como consultas públicas, audiências, workshops, treinamentos, reuniões periódicas e até mesmo o uso de tecnologias e ferramentas digitais, com o fim de facilitar a comunicação.
O uso da mediação também tem sido muito eficaz na obtenção da abertura e do equilíbrio no diálogo e compreensão das temáticas de interesse comum, especialmente quanto leva em consideração as peculiaridades socioculturais das comunidades e indivíduos impactados por essa modalidade de empreendimento.
Outra estratégia relevante – esta agora direcionada especificamente à gestão de fornecedores de produtos e serviços – é a realização de due diligence de regularidade ambiental desses fornecedores na fase pré-contratual, de modo a, desde logo, identificar possíveis riscos inerentes à atuação desses fornecedores.
Ainda para estes, destaca-se como possíveis estratégias a elaboração de cláusulas contratuais específicas e de matriz de riscos ambientais detalhada, e, durante a execução do objeto do contrato, a exigência e revisão contínua de um Plano de Gestão Ambiental (PGA), a realização de monitoramento e auditorias ambientais periódicos, considerando as diversas e simultâneas frentes de obra, a realização de treinamentos e capacitação contínuos, a montagem de um arquivo atualizado e acessível de todas as licenças e autorizações emitidas para o empreendimento, o estabelecimento de procedimentos claros de resolução de não conformidades, passando pela documentação de todos os incidentes ambientais e ações corretivas tomadas, e a criação de um comitê de crise para endereçar os temas mais sensíveis.
Redução de riscos e conflitos
No que se refere à documentação dos incidentes e não conformidades, há um cuidado muito importante que pode ser tomado a fim de gerar um substrato documental adequado para subsidiar eventuais discussões futuras sobre a temática ambiental.
Para os temas mais sensíveis, capazes de gerar riscos potenciais de responsabilização nas esferas administrativa, civil ou penal ambiental, sugere-se o tratamento em separado e específico da questão, de modo a não “contaminá-la” com outros assuntos que podem expor, em outras searas, dada a complexidade do licenciamento pertinente a esse tipo de empreendimento, o empreendedor contratante, e eventualmente tornar arriscado o uso de documentos produzidos nesse contexto para relevantes finalidades de defesa.
Já com relação ao Ministério Público ou ONGs interessadas em acompanhar o licenciamento ambiental, o que não é incomum para esse tipo de empreendimento, o estreitamento do diálogo é sempre uma opção bastante interessante, pois permite maior transparência, controle e planejamento em face das possíveis intercorrências que podem advir dessas interações.
A gestão desatenta e/ou descuidada dos stakeholders traz risco considerável de responsabilização ambiental e judicialização do empreendimento, com enormes prejuízos financeiros e de cronograma. Além disso, em tempos de ESG, são inegáveis os riscos para a reputação do empreendedor, decorrentes da má gestão ou descuido com os aspectos sociais inerentes ao exercício de suas atividades.
A experiência tem, pois, demonstrado que a despeito da complexidade inerente à participação de múltiplos stakeholders no processo de licenciamento de linhas de transmissão, essa participação tem, na verdade, contribuído para a oportuna identificação e mitigação de riscos, aceitação social e redução de conflitos, influenciando de forma positiva as estratégias e decisões tomadas nesse contexto. A regra da “boa vizinhança”, considerada em sentido amplo, portanto, vale ouro!
Este artigo expressa exclusivamente a posição da autora e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculada.
Ana Claudia La Plata de Mello Franco é sócia do Toledo Marchetti Advogados. Advogada com atuação em Direito Ambiental, Mudanças Climáticas e ESG na área de infraestrutura e construção. Tem especialização em Projetos Ambientais pelo Cened.