BRASÍLIA – O Instituto Energia e Meio Ambiente (Iema) e a Coalizão Energia Limpa publicaram um relatório nesta quinta (15/8) para defender que reformas setoriais – e os leilões realizados pelo governo federal – podem levar a um aumento de fontes renováveis, sem comprometer a segurança no suprimento de energia.
As entidades, que atuam em temas ambientais e no setor de energia, defendem alterações na remuneração e como as fontes de energia são utilizadas no atendimento à carga, de forma a gerar uma integração entre hidrelétricas, a geração solar centralizada e distribuída, além dos parques eólicos.
Uma das propostas é a criação da figura do armazenador de energia elétrica, um novo tipo de atuação no setor elétrico, pois há possibilidade de utilizar sistemas de armazenamento não apenas na geração, mas também em outros elos, como a transmissão de energia. O estudo menciona a necessidade de um marco legal.
Com o estudo, o Iema pretende desafiar a ideia que exista um teto para a penetração das renováveis, que são mais baratas, porém geram energia de forma intermitente. Veja o documento, na íntegra (.pdf).
Isto é, não basta ao parque gerador ser capaz de gerar toda a energia demandada, ao longo dos dias e meses, mas ter potência disponível e despachável sempre que necessário. Um papel que é em parte dependente de térmicas a combustíveis fósseis e das usinas nucleares de Angra dos Reis (RJ).
Exemplo disso é o Nordeste, que tem batido sucessivos recordes de geração de energia nos parques eólicos. No recorde alcançado na semana passada, os parques atingiram 180% da demanda da região. Mas enquanto o Nordeste exporta energia, ele ‘importa potência’ de outras fontes.
As hidrelétricas com reservatórios, por sua vez, são capazes de armazenar energia de forma natural, com a água acumulada acima das turbinas. Mas mudar a lógica do despacho hidrelétrico, significa discutir formas de remunerar as usinas por esse atendimento dos requisitos de potência.
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estima um déficit de potência de 5,5 gigawatts no curto prazo.
“A questão na prática que a gente vive é a grande discussão da falta de potência do sistema. [Então] não basta crescer indiscriminadamente essas fontes [intermitentes] para conseguir cumprir a lição de casa climática e socioambiental”, explica Ricardo Baitelo, coordenador do estudo do Iema.
“Precisamos aprimorar o sistema, a gente precisa voltar e olhar para as outras fontes renováveis e despacháveis, tanto hidrelétricas, quanto biomassa, quanto o armazenamento por baterias”, explica Ricardo Baitelo.
Setor aguarda leilões para contratação de expansão de usinas
A diretora presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia (Abrage), Marisete Pereira, afirma que há um potencial de 18 GW adicionais que poderiam ser adicionados a partir das hidrelétricas.
“Esse montante permite a penetração dessas renováveis. Se não fossem as hidrelétricas, não haveria uma expansão tão grande das renováveis”, explica a executiva.
O Ministério de Minas e Energia (MME) incluiu a fonte no próximo leilão de reserva de capacidade, previsto para ocorrer ainda em 2024, mas as regras finais ainda não foram publicadas. As baterias ficaram para o ano que vem.
“As hidrelétricas entregam não só a energia, como uma fonte eólica ou fotovoltaica intermitentes. O que elas [as hidrelétricas] entregam para o sistema é energia e energia naqueles horários que não tem vento ou sol. E esses serviços, esses requisitos das entregas do sistema, hoje não são remunerados”.
O Brasil passou por crises hídricas severas nos anos de 2014 e 2021, quando houve chuvas insuficientes e, por consequência, reservatórios esvaziados.
Daí a necessidade de considerar o risco climático, que não afeta a capacidade das térmicas de despachar energia – o que faz o leilão de reserva de capacidade ser, naturalmente, visado pelo segmento termelétrico.
Na terça (13/8), o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) informou que será necessário reduzir o despacho das hidrelétricas do subsistema Norte e, assim, preservar recursos hídricos da região, diante do cenário de seca nos meses de outubro e novembro.
Iema e Abrage apontam as hidrelétricas reversíveis como uma saída para aumentar a confiabilidade das usinas. Nestes sistemas, quando há energia mais barata e disponível, a água é bombeada novamente para os reservatórios, preservando a capacidade para os momentos de pico.
“É uma tecnologia muito discutida e ainda pouco implementada, que poderia trazer grandes benefícios para um sistema, que muito provavelmente vai crescer bastante ainda em eólica e solar”, diz Ricardo Baitelo. O Iema acredita que a solução é viável, especialmente nas regiões Sudeste e Sul.
Marisete Pereira reforça a visão: “são viáveis do ponto de vista econômico, é mais vantajoso investir numa tecnologia de uma usina reversível. E é isso que o mundo está fazendo”, diz.
A Associação Internacional de Hidroeletricidade (IHA, na sigla em inglês) estima que as reversíveis têm potencial para crescer 50% e atingir 240 GW globalmente até 2030 – a China deve representar metade dessa capacidade.
Atualmente, as hidrelétricas respondem por 50,48% da capacidade instalada da matriz elétrica, seguidas por termelétricas (22,57%), eólicas (15,42%) e solares (7,29%).
A mini e microgeração distribuidora de energia, praticamente toda com placas solares, disparou 9,7 GW para 26,4 GW, entre janeiro de 2022 e 2024.
Diante desse crescimento, quando o sol se põe, mais energia deixa de estar disponível, ao passo que o consumo nas residências também mudou, elevando a demanda no fim do dia.
Desde 2020, a expansão da geração solar e eólica supera com larga vantagem a energia hídrica, já que no ano anterior entrou em operação a última unidade geradora da usina de Belo Monte.