Energia

Transição energética e os desafios da gestão da oferta de energia

Reive Barros analisa a importância de equilibrar fontes de energia, predominantemente renováveis, custos ao consumidor e compromissos ambientais em um país continental

Reive Barros participa do seminário da CDHM na Câmara 'Problemas vivenciados pelas famílias do Sistema Itaparica', em 19-11-2019 (Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)
Reive Barros é ex-presidente da EPE e diretor da Acropolis Energia (Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

Muito se fala em transição energética. Mas como analisar o tema em um país continental como o Brasil, sem que a transição afete a confiabilidade do sistema elétrico nacional, a qualidade da energia fornecida, assegure um custo adequado ao consumidor e considere aspectos ambientais cada vez mais relevantes?

Segundo o Balanço Energético 2024, a participação das fontes renováveis na matriz elétrica brasileira foi de 89,2%, correspondente à oferta em 2023, o que demonstra que, sob a ótica de transição energética, o Brasil mantém a liderança mundial, devido à política de estado que vem sendo adotada dos últimos 20 anos. Pode-se, inclusive, afirmar que, em matéria de matriz elétrica, o Brasil já passaria com louvor, com “nota 9”.

O grande desafio é gerenciar adequadamente a oferta de energia, assegurando a participação de todas as fontes de geração, levando-se em conta os atributos de cada fonte no que diz respeito à confiabilidade, à qualidade de fornecimento e ao preço final da energia e, principalmente, a todos os benefícios socioeconômicos e ambientais que são proporcionados ao país.

Planejamento

Atualmente, a oferta de energia é muito superior à demanda, o que demonstra todo o potencial disponível e desperta, ainda mais, o apetite dos investidores devido ao ambiente favorável de negócios, mas enseja a necessidade de um planejamento que leve em conta as peculiaridades de um país continental e a disponibilidade adequada de potência por subsistema, seja através de:

  • (i) interligações entre subsistemas, para transferir grandes blocos de potência;
  • (ii) manutenção de projetos existentes e amortizados;
  • (iii) implantação de novos projetos, em locais específicos;
  • (iv) produção e armazenamento de hidrogênio; e
  • (iv) e até, a utilização de bancos de baterias.

Ocorre que para tornar a transição energética ainda mais condizente com os compromissos assumidos pelo Brasil, existe um desafio importante: o valor da tarifa para os consumidores, com excesso de subsídios, que retira a competitividade do país.

Esse tema é objeto de preocupação do Ministério de Minas e Energia (MME) que já dispõe de um substancial diagnóstico, fruto de contribuições dos agentes do setor elétrico. A expectativa é que sejam apresentadas alternativas para, em conjunto com o Congresso, investidores, associações e sociedade, o Governo Federal viabilize a adoção de tarifas justas que remunerem adequadamente os investimentos e que sejam mais acessíveis para os consumidores.

Uma reflexão ampla, isenta, sem ideias pré-concebidas e que apresente uma alternativa estrutural (não conjuntural) precisa evoluir para que seja obtida uma solução equilibrada entre tarifa, investimento, qualidade de suprimento e requisitos ambientais.

É necessário entender que esses temas estão interligados e não podem ser excludentes. É imperativo multiplicar e não dividir os esforços dos diversos agentes envolvidos para a obtenção da solução mais equilibrada. Sendo assim, é de suma importância uma reflexão, com base nos seguintes pontos:

  1. As fontes hidráulicas têm localização bem definida no aproveitamento ótimo, que considera a queda, a vazão e a área inundada por megawatt para maximizar a potência de geração, com preços competitivos. Geralmente, faz-se necessário um sistema de transmissão associado para o atendimento às cargas. São fontes importantes na geração de emprego e renda durante as fases de construção e operação, além de apresentar vantagens decorrentes da fabricação dos equipamentos no Brasil. Tais fontes, quando associadas aos recentes requisitos socioambientais, passaram a privilegiar as usinas a fio d’água, sem reservatórios de acumulação, o que afetou os fatores da capacidade;
  2. As fontes eólicas e solares têm localização relacionadas a regiões bem específicas, sendo necessário, geralmente, um sistema de transmissão associado para o escoamento da geração. Também geram empregos, principalmente na Região Nordeste, utilizam equipamentos fabricados no Brasil e possuem um benefício ambiental inquestionável.

Intermitência

Ocorre que a intermitência introduz uma variável importante para o controle do sistema elétrico nacional. As fontes renováveis, sejam hidráulicas, eólicas ou solares, são fontes de incertezas, uma vez que dependem, sobremaneira, das variáveis climáticas.

O planejamento, portanto, tem que lidar com as incertezas na oferta de energia e potência. O aumento das fontes intermitentes tende a mudar a variabilidade da oferta intraday. Acrescente-se o aumento exponencial da MMGD (micro e minigeração distribuída), com previsão de 36 GW em 2030;

  1. As fontes não renováveis, por outro lado, representam apenas 10% da matriz elétrica com térmicas a gás, óleo ou a carvão. São importantes para fornecer a capacidade necessária para viabilizar a crescente participação dos recursos energéticos renováveis de alta variabilidade na matriz elétrica, além de gerar emprego durante as etapas de construção e operação.

Atualmente, a geração concentra-se na Região Sudeste, utilizando as interligações para o intercâmbio de energia e potência com Sudeste, Norte e Nordeste.

No período úmido, o Nordeste é importador de potência e de energia e, no período seco, exporta energia e continua importando potência. É no período seco, quando o carregamento das linhas está no limite de transmissão, que podem ocorrer as fragilidades nas linhas de transmissão da interligação devido à probabilidade de atos de vandalismo, descargas atmosféricas, queimadas, ventos fortes e intercorrências da própria operação.

Precificação

Nesse contexto, a melhoria da precificação da energia por fonte deverá considerar todos os atributos e não apenas o preço, como ocorre atualmente, o que distorce a realidade. Em outras palavras, nenhuma das fontes pode ser excluída, sem uma análise criteriosa de todos os quesitos que envolvem o tema.

Não há como, por exemplo, desconsiderar para o próximo Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP) 2024, usinas que estarão descontratadas em 2027 e 2028, independente da fonte, com base em requisitos técnicos extremamente restritivos como tempo de rampa (ramp-up) e permanência (t-on).

Na sua grande maioria, tais empreendimentos ainda não atingiram 50% da vida útil e estarão, em 2027, 100% amortizados, ou seja, já pagos pelos consumidores brasileiros que não poderão usufruir de 100% do benefício.

Transição energética, para ser efetivamente sustentável, não pode desconsiderar os recursos minerais e o capital humano já investidos. Descomissionar ativos que ainda podem trazer confiabilidade ao sistema e benefícios à sociedade, atrelados a um custo menor de energia por estarem amortizados, é um equívoco.

Uma verdadeira transição não pode olhar somente para o futuro, precisa evitar desperdícios com os recursos já empenhados pelo cidadão brasileiro.

Cabe ao Ministério de Minas e Energia, como definidor das políticas públicas para o setor de energia, e à Empresa de Pesquisa Energética (EPE) levar em conta na elaboração do Plano Decenal da Expansão de Energia (PDE), a continuidade do processo de transição energética.

E, principalmente, incentivar a utilização de todas as fontes, sem exceção, de modo a criar emprego e renda no país, na fabricação de equipamentos e na engenharia de construção e operação, buscando, sempre, o melhor benefício para o consumidor, mas sem desconsiderar os investimentos já incorridos pelo cidadão, a modicidade tarifária, a qualidade de suprimento e os requisitos ambientais.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.

Reive Barros dos Santos é ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e diretor da Acropolis Energia.