Energia

Comissão rejeita inclusão de fósseis na estratégia europeia para o hidrogênio

Tribunal de Contas Europeu havia recomendado a inclusão do hidrogênio de baixo carbono na estratégia europeia, porém a Comissão optou pelo foco na eletrólise 

Comissão Europeia rejeita inclusão de combustíveis fósseis na estratégia europeia para o hidrogênio, como recomendou o recomendação do TCE. Na imagem: Com 401 votos a favor, o Parlamento Europeu elege Ursula von der Leyen como presidente da Comissão Europeia, em 18/7/2024 (Foto: Parlamento Europeu)
Com 401 votos a favor, Ursula von der Leyen é reeleita presidente da Comissão Europeia, em 18 de julho de 2024 (Foto: Parlamento Europeu)

BERLIM – A Comissão Europeia rejeitou a recomendação do Tribunal de Contas Europeu (TCE) de reformular sua estratégia do hidrogênio, e decidiu manter as metas anteriormente estipuladas, sem a inclusão do hidrogênio de baixo carbono – que deve ter sua definição publicada pelo bloco ainda este ano.

“As metas aspiracionais de produção e importação de hidrogênio renovável propostas no plano REPowerEU foram estabelecidas com o objetivo de acabar com a dependência da União Europeia (UE) dos combustíveis fósseis russos o mais rápido possível e enfrentar a crise climática”, disse a Comissão em comunicado oficial.

“Uma revisão para baixo das metas teria implicações adicionais para o clima de certeza dos investidores”, completou.

O TCE, que audita as ações adotadas pela Comissão, publicou na semana passada um documento que afirmava ser “excessivamente ambiciosa” a meta da UE de produzir e importar 20 milhões de toneladas de hidrogênio renovável até 2030.

Na definição europeia, é considerado renovável o hidrogênio produzido por meio de eletrólise, com eletricidade renovável, excluindo o uso de fonte nuclear.

“A Comissão definiu metas irrealistas para a produção e importação de hidrogênio e a UE não está em um bom caminho para alcançá-las”, diz o documento do TCE.

Segundo o relatório, a demanda que se espera estimular não atingirá nem mesmo 10 milhões de toneladas até 2030.

Por isso, os auditores pediram uma revisão das metas e a inclusão do hidrogênio de baixo carbono – que abrange nuclear e fontes fósseis com captura de carbono – dentro da meta de produção e importação.

“A política industrial da UE sobre hidrogênio renovável precisa de uma verificação da realidade”, disse Stef Blok, membro do TCE responsável pela auditoria.

“A UE deve decidir sobre o caminho estratégico em direção à descarbonização sem prejudicar a competitividade das principais indústrias da UE ou criar novas dependências estratégicas”, afirmou Blok.

Segundo o TCE, as metas estabelecidas em 2020 “não foram baseadas em uma análise robusta, mas sim impulsionadas pela vontade política”, em meio ao contexto de sanções à Rússia e a necessidade de substituição do gás natural oriundo do país.

Além disso, os auditores apontam que existem diferentes ambições dos Estados-Membros da UE que nem sempre estão alinhadas com as metas do bloco, e há um descompasso no financiamento de projetos entre países europeus com maior capacidade de produção de hidrogênio renovável e países com maior potencial de consumo industrial.

A maior parte do financiamento da UE – estimada pelos auditores em 18,8 bilhões de euros para o período de 2021 a 2027 – está concentrada em Estados-Membros com uma alta participação de indústrias difíceis de descarbonizar, como Alemanha, Espanha, França e Países Baixos.

Presidente da Comissão defende foco em renováveis

Em seu primeiro discurso como presidente reeleita da Comissão, Ursula von der Leyen, responsável por colocar em prática a estratégia do hidrogênio, bem como o REPowerEU, reforçou a importância do hidrogênio renovável na estratégia de industrialização da região.

“Atraímos mais investimentos em hidrogênio limpo do que os EUA e a China juntos”, disse.

Segundo ela, somente no primeiro semestre deste ano, 50% da geração de eletricidade europeia veio de energias renováveis ​​produzidas internamente. E os investimentos em tecnologias limpas na Europa mais do que triplicaram no seu primeiro mandato.

“Quero ser clara. Manteremos o rumo da nossa nova estratégia de crescimento e dos objetivos que estabelecemos para 2030 e 2050”.

A presidente ainda anunciou que vai apresentar em até cem dias um novo Acordo Industrial Limpo (Clean Industrial Deal), para ajudar a reduzir as contas de energia e aumentar a competitividade dos setores intensivos em energia.

“Isto ajudará a criar mercados líderes em tudo, desde aço limpo até tecnologia limpa”, afirmou von der Leyen. “Devemos ser mais rápidos e mais simples. Porque a Europa está se descarbonizando e se industrializando ao mesmo tempo”.

A presidente também relembrou os esforços em se livrar do gás russo.

“Não esqueci como Putin nos chantageou, cortando o acesso aos combustíveis fósseis russos. Mas resistimos juntos. Investimos maciçamente em energias renováveis ​​baratas produzidas localmente. E isto permitiu nos libertar dos sujos combustíveis fósseis russos. Portanto, juntos, garantiremos que a era de dependência dos combustíveis fósseis russos acabe. De uma vez por todas”.

Lobby pelo baixo carbono deve continuar

Ao Financial Times, o responsável pela auditoria do TCE, Stef Blok disse que a inclusão do hidrogênio de baixo carbono na meta era “um debate que deveria ser levado a sério”.

Para a Hydrogen Europe, principal lobby pelo hidrogênio na região, a Comissão deveria refletir melhor as prioridades nacionais ao definir as estratégias políticas da UE, considerando os Estados-Membros que possuem maior potencial em desenvolver hidrogênio de baixo carbono.

“A Comissão parece obstinadamente contra a criação de um quadro que impulsione a utilização do hidrogênio de baixo carbono. Existe um risco real de que o ato delegado relativo ao hidrogênio de baixo carbono demore tanto tempo a ser finalizado e seja excessivamente complexo como o ato delegado anterior”, afirmou em comunicado.

Rheanna Johnston, especialista em políticas do think tank climático E3G, avalia que a recomendação da UE por uma verificação da realidade é “oportuna e sensata”.

“É provável que o hidrogênio, incluindo possivelmente o hidrogênio de baixo carbono, precise desempenhar um papel na descarbonização da indústria, como a produção de aço ou certos produtos químicos, já que o H2 verde ainda é escasso, mas a definição precisa ser ambiciosa para garantir que isso realmente leve a reduções de emissões”, disse Johnston a EuroNews.