RIO – Entidades ligadas aos consumidores industriais e aos produtores de gás natural saíram em defesa, nesta segunda-feira (22/7), da mudança do modelo regulatório da concessão de gás canalizado de Sergipe – e, por consequência, da taxa de remuneração da Sergas.
O governo local vê necessidade de atualizar o contrato à atual realidade do mercado, como forma de aumentar a competitividade do gás no estado, e abriu o debate sobre uma possível revisão da taxa de retorno dos investimentos da distribuidora.
A discussão é, hoje, uma questão pontual, restrita à Sergipe, mas a expectativa – entre agentes do mercado e do próprio governo local – é que o caso sergipano abra as portas para debates na mesma direção em outros estados.
A situação em Sergipe é um microcosmo da discussão sobre o modelo regulatório das distribuidoras de gás do Brasil como um todo. Afinal, as regras que regem a remuneração da Sergas são as mesmas das demais concessionárias do Nordeste, por exemplo.
O assunto não é novo. A revisão das taxas de remuneração das concessionárias é um pleito histórico de agentes industriais. E embora não haja debates pautados fora de Sergipe, neste momento, Paraná e Espírito Santo, por exemplo, passaram nos últimos anos pelo mesmo movimento, no contexto de postergação dos contratos de concessão.
Quem é quem
A Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace) e o Instituto Brasileiro do Petróleo e Gás (IBP) veem espaço, no atual contrato de concessão, para mudar o modelo vigente (cost plus) por um que estimule uma eficiência maior na gestão das distribuidoras – o price cap, adotado em São Paulo, Rio de Janeiro e, mais recentemente, no Espírito Santo e Paraná.
As distribuidoras, por sua vez, pregam respeito às condições contratuais vigentes – o contrato de concessão em Sergipe vence em 2044.
A Sergas defende que o atual modelo vem cumprindo a sua função de ampliar a rede de distribuição local e que é o preço da molécula e do transporte que, de fato, pesam no custo do gás para a indústria.
A Agrese, agência reguladora sergipana, abriu o debate sobre, dentre outros pontos do atual contrato, a taxa de retorno da distribuidora local, de 20%, considerada alta pela indústria. A discussão partiu de uma provocação do próprio governo de Fábio Mitidieri (PSD) e culminou numa audiência pública nesta segunda, em Aracaju.
O estado abriga reservas de gás e se prepara para receber investimentos da Petrobras, no desenvolvimento do projeto Sergipe Águas Profundas, e quer atrair indústrias intensivas no consumo de gás. Defende, nesse sentido, medidas pró-modicidade tarifária.
Entenda os modelos
Cost plus: É uma metodologia mais tradicional. A tarifa é calculada com base nos custos necessários para prestação do serviço acrescida de uma taxa de retorno preestabelecida e que garante a rentabilidade para a concessionária.
Visa a proporcionar um estímulo maior à expansão da rede. É, nesse sentido, um modelo mais voltado para mercados em desenvolvimento, com grande potencial de expansão. Permite reduzir o risco do concessionário, já que os custos podem ser repassados para o mercado.
Price cap: Nessa metodologia, define-se uma tarifa máxima a ser cobrada pelo concessionário durante um ciclo tarifário. A empresa assume mais riscos, mas é mais incentivada a obter ganhos de eficiência, já que se apropria de parte da redução de custos.
É mais aplicada em mercados mais desenvolvidos e maduros. Exige maior maturidade do regulador, na análise detalhada das projeções que definem as tarifas.
Indústria pede mais competitividade
Abrace e IBP defendem que a concessão seja remunerada com base no custo médio ponderado de capital (WACC) – que usualmente, seja no setor elétrico ou transporte de gás, fica abaixo dos 10%.
O WACC substituiria a taxa de remuneração fixa de 20% sobre os custos e base de ativos regulatórios. A Sergas defende que os dois modelos não são perfeitamente comparáveis.
“As condições impostas hoje são extremamente benéficas [à distribuidora] e atribuem custos adicionais para o consumidor e que tiram competitividade”, afirmou a analista da Abrace, Natália Seyko.
O pleito é endossado pelo Fórum do Gás e pelo IBP – que defende a adoção de um Fator X, mecanismo que tem como função repassar aos consumidores os ganhos de produtividade e eficiência obtidos pelas distribuidoras.
Abrace e IBP também defendem outros ajustes na remuneração da Sergas, como uma depreciação de ativos mais diluída no tempo. Alegam que os ativos de distribuição possuem durabilidade maior que os dez anos levados em consideração. E propõem a retirada dos ativos já depreciados do cálculo das tarifas.
Durante a audiência, Eneva e Petrobras, os dois principais atores do mercado de gás de Sergipe, se manifestaram a favor do aprofundamento de estudos sobre os impactos da revisão do contrato.
A Eneva, dona do terminal de regaseificação de Sergipe, sugeriu que a remuneração da Sergas seja calculada com uma WACC indicativa, no modelo price cap. “Mas não é para que o contrato seja imediatamente rompido e alterado à revelia”, ressalvou o gerente de Regulação da companhia, Lucas Ribeiro.
Já a Petrobras defendeu que a revisão do modelo regulatório precisa ser melhor discutida e que há espaço para negociações entre as partes – como, por exemplo, a extensão da concessão, como contrapartida.
E que há outros ajustes possíveis, de mais fácil implementação, como a regulamentação da conta gráfica (compensação pelas diferenças entre o preço da molécula de gás incluído nas tarifas e o efetivamente pago pela concessionária ao supridor) – além de uma maior fiscalização, por parte do regulador, dos custos da concessão.
Distribuidoras veem risco de judicialização
A Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás) classificou como prematura a discussão sobre a revisão do modelo regulatório em Sergipe – sobretudo num momento de troca no capital social da Sergas, com a entrada da Energisa.
O consultor jurídico da entidade, Gustavo de Marchi, citou a ausência de estudos de impactos econômicos e financeiros sobre o assunto e alegou que, embora os contratos de concessão sejam passíveis de ajustes, as cláusulas econômicas (dentre as quais o modelo de remuneração das distribuidoras) possuem um “certo grau de imutabilidade unilateral”.
“Não é uma defesa da imutabilidade dos contratos, mas a mudança não pode ser sem critérios, tem que saber o que pode, quando e como. Cláusulas econômicas compõem o cerne do contrato de concessão e demandam um escrutínio diferente”.
Segundo o consultor, o debate aberto por Sergipe corre o risco de abrir precedentes com efeito multiplicador. E vê que a iniciativa pode ser judicializada.
Ele também destacou que a busca por uma harmonização regulatória entre os estados não pode ser confundida com uma uniformização das regras – que não reconheçam as particularidades de cada concessão.
A consultora Paula Campos, que representou a Energisa na audiência, reforçou que uma mudança unilateral no contrato pode gerar insegurança jurídica, perda de credibilidade para o regulador e de reputação do mercado de gás, na contramão da intenção do governo local de atrair investimentos para o estado.
A Energisa está comprando uma fatia do capital da Sergas por meio da aquisição da Infra Gás e é uma das partes afetadas potencialmente pela revisão do modelo regulatório em Sergipe.
“Há um e risco de um reequilíbrio [das condições econômico-financeiras da concessão] e o usuário ter que arcar com esse reequilíbrio econômico do contrato”, argumentou Paula Campos.
O gerente de Regulação de Transporte e Distribuição de Gás Natural do IBP, Tiago Santovito, por sua vez, não vê na discussão sobre a revisão do modelo uma quebra de contrato.
“Há espaço para melhorar, sim, os contratos, não só a taxa [de retorno], para trazer modernidade, porque existe a possibilidade de revisão dos contratos de concessão. Não enxergamos que haverá uma quebra regulatória, digamos assim”, disse.
O presidente do Conselho Superior da Agrese, Joelson Hora Costa, afirmou, na audiência, que não é o objetivo do estado criar desequilíbrios na concessão.
“Não pretendemos apenas preservar uma modicidade tarifária. Claro que ela precisa ser vista, mas não queremos mudar o equilíbrio econômico-financeiro de uma contrato. Não é esse o pensamento. o pensamento é adequar [o contrato a] uma realidade lá de trás dos anos 90 para a realidade atual”