Biocombustíveis

Reflexões sobre a atribuição de metas do RenovaBio

Programa enfrenta desafios na atribuição de metas individuais aos distribuidores de combustíveis para uma transição sustentável, escrevem Janssen Murayama e Mariana Valença 

Reflexões sobre a atribuição de metas individuais de descarbonização do RenovaBio. Na imagem: Usina de etanol Santa Cruz em Américo Brasiliense, São Paulo, na região de Araraquara (Foto: Divulgação)
Usina de etanol Santa Cruz em Américo Brasiliense, São Paulo, na região de Araraquara (Foto: Divulgação)

O RenovaBio representa um marco na política energética brasileira, ao incentivar a produção e o consumo de biocombustíveis como alternativa aos combustíveis fósseis.

No cerne do programa estão as metas individuais de descarbonização, que visam reduzir as emissões de gases de efeito estufa ao longo do tempo. Essas metas são calculadas com base na participação de mercado na comercialização de combustíveis fósseis, refletindo o compromisso do setor com a transição para uma matriz energética mais sustentável.

Um dos principais desafios enfrentados na implementação do RenovaBio diz respeito à atribuição de metas individuais aos distribuidores de combustíveis. Embora o sistema seja concebido para ser equitativo e proporcional à participação de mercado, questões como a variação anual nas vendas de combustíveis e a entrada de novos players no mercado podem complicar a definição precisa das metas.

Além disso, a falta de dados históricos confiáveis pode dificultar o cálculo das metas para empresas que ingressaram recentemente no setor.

A participação de mercado desempenha um papel central na atribuição de metas no RenovaBio. É por meio da análise da participação de mercado que as metas individuais são calculadas, refletindo o compromisso de cada distribuidor com a descarbonização do setor. No entanto, é importante reconhecer que a participação de mercado pode variar significativamente de ano para ano, o que pode afetar a aplicação justa das metas.

Critérios do RenovaBio

A fundamentação legal para a imposição das metas individuais do RenovaBio está prevista na Lei nº 13.576/2017, no Decreto nº 9.888/2019 e na Resolução ANP nº 791/2019

A Lei nº 13.576/2017 define os objetivos desta política e algumas disposições gerais, bem como consigna que as metas compulsórias anuais de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa para a comercialização de combustíveis serão definidas em regulamento.

A citada Lei definiu que a meta compulsória anual será desdobrada, para cada ano corrente, em metas individuais, aplicadas a todos os distribuidores de combustíveis, proporcionais à respectiva participação de mercado na comercialização de combustíveis fósseis no ano anterior.

Ainda, de acordo com a referida lei, o RenovaBio deverá viabilizar oferta de energia cada vez mais sustentável, competitiva e segura, observados os seguintes princípios:

  • (i) previsibilidade para a participação dos biocombustíveis;
  • (ii) proteção dos interesses do consumidor quanto a preço, qualidade e oferta de produtos;
  • (iii) eficácia dos biocombustíveis em contribuir para a mitigação efetiva de emissões de gases causadores do efeito estufa e de poluentes locais;
  • (iv) potencial de contribuição do mercado de biocombustíveis para a geração de emprego e de renda e para o desenvolvimento regional, bem como para a promoção de cadeias de valor relacionadas à bioeconomia sustentável;
  • (v) avanço da eficiência energética, com o uso de biocombustíveis em veículos, em máquinas e em equipamentos; e
  • (vi) impulso ao desenvolvimento tecnológico e à inovação, visando a consolidar a base tecnológica, a aumentar a competitividade dos biocombustíveis na matriz energética nacional e a acelerar o desenvolvimento e a inserção comercial de biocombustíveis avançados e de novos biocombustíveis.

Já o Decreto nº 9.888/2019 complementa a Lei do RenovaBio, especificando questões como a definição das metas compulsórias anuais e os critérios para sua aplicação aos distribuidores de combustíveis, para cada ano corrente, em metas individuais, aplicadas aos distribuidores de combustíveis, proporcionalmente à sua participação de mercado na comercialização de combustíveis fósseis no ano anterior.

De acordo com o referido Decreto, essas metas serão definidas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e detalhadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Por sua vez, a Resolução ANP nº 791/2019 é responsável por estabelecer as diretrizes para a individualização das metas compulsórias anuais, delineando os procedimentos e critérios técnicos para o cálculo dessas metas.

Ela define, por exemplo, que o cálculo das metas definitivas deve utilizar os dados de movimentação de combustíveis fósseis do ano anterior ao de vigência da meta, proporcionando uma base sólida para a atribuição das metas individuais aos distribuidores.

Complementarmente, a Portaria MME nº 419/2019 também reforça que as informações de aposentadorias de Créditos de Descarbonização (CBIOs) efetuadas pelos distribuidores de combustíveis e encaminhadas pelas instituições envolvidas nas atividades de distribuição, intermediação, negociação e custódia dos CBIOs (escrituradores) serão utilizadas para comprovação do cumprimento das metas pelos distribuidores.

Desafios da implementação

Dessa forma, a ausência de comercialização de combustíveis fósseis pelas empresas no ano de referência implica na inexistência de base para a atribuição da meta para o ano subsequente e, consequentemente, a aplicação da multa e a imposição de metas quando não há participação de mercado prévia configuram uma afronta aos princípios da legalidade e da proporcionalidade.

O programa RenovaBio representa uma importante iniciativa para promover a descarbonização do setor de transportes no Brasil. No entanto, a atribuição de metas individuais aos distribuidores de combustíveis apresenta desafios significativos, especialmente no que diz respeito à consideração da participação de mercado na comercialização de combustíveis fósseis.

Nesse sentido, é fundamental adotar uma abordagem equitativa e transparente na implementação das políticas de descarbonização, garantindo que as metas sejam calculadas de forma justa e proporcional ao compromisso de cada empresa com a transição para uma matriz energética mais sustentável.

Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.

Janssen Murayama é sócio fundador de Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados. Graduado em Direito e Ciências Contábeis pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), pós-graduado em Direito Tributário, pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e mestre em Direito Tributário pela UERJ.

É membro efetivo da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), fundador e conselheiro do Grupo de Debates Tributários do Rio de Janeiro (GDT-Rio), além de autor e coordenador de livros e artigos científico-tributários e professor convidado do FGV Law Program e e da Pós-Graduação em Direito Tributário da Mackenzie Business School.

Mariana Valença é advogada em Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados. Graduada em Direito pelo IBMEC, com LL.M. em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas e curso de extensão em Análise e Demonstrações Contábeis pela Fundação Getúlio Vargas, além de autora de diversos artigos científicos-tributários.