Gas Week

Indústria sai em busca de gás na Bolívia. Vai rolar?

Aproximação entre agentes industriais e autoridades da Bolívia para negociações diretas de importação é um marco, mas ainda depende de muitos fatores para ser concretizada

Indústria brasileira sai em busca de gás natural na Bolívia. Vai rolar? Na imagem: Ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energia, participa de reunião com autoridades bolivianas, ao lado de representantes da indústria brasileira (Foto: Ricardo Botelho/MME)
Ministro Alexandre Silveira (PSD) participa de reunião com autoridades bolivianas, ao lado de representantes da indústria brasileira (Foto: Ricardo Botelho/MME)

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Editada por André Ramalho
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PIPELINE Indústrias brasileiras se aproximam da YPFB para importar gás boliviano diretamente. Consumidores aguardam, agora, mais detalhes sobre as condições de negociação, mirando janela de oportunidade a partir de outubro.

Câmara reduz teto da alíquota do imposto seletivo sobre o gás. Compass no controle da Compagas. 3R e PetroReconcavo avaliam compartilhamento de infraestrutura. Edge fecha 1º contrato fora de SP e mais. Confira:

EM BUSCA DE GÁS

A aproximação entre agentes industriais brasileiros e autoridades da Bolívia esta semana, para negociações diretas de importação de gás natural do país vizinho por consumidores gás-intensivos, sem o intermédio da Petrobras, merece ser comemorada como um marco, de fato, na agenda da abertura do mercado.

O canal aberto com o apoio manifesto do governo Lula é inédito na parceria comercial entre Bolívia-Brasil – historicamente marcada por um forte protagonismo entre YPFB e Petrobras, as estatais dos dois países.

Presente na comitiva de representantes do governo e da indústria que viajou à Santa Cruz de La Sierra, na esteira da visita oficial de Lula (PT) ao país andino, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), anunciou que há uma janela de oportunidades para que as importações se concretizem a partir de outubro – quando a Argentina deve deixar de comprar gás boliviano.

Para os consumidores, a importação direta da Bolívia é uma oportunidade de acesso a um gás barato em relação aos valores do mercado nacional.

Entre o início da aproximação entre as partes e a assinatura dos primeiros contratos entre a YPFB e as indústrias, porém, ainda há um caminho a ser percorrido… E será preciso colocar alguns pontos nos is.

Afinal, qual o volume de gás disponível para as indústrias brasileiras? Como a Petrobras, principal cliente do gás boliviano, se comportará? Qual será, de fato, o preço da YPFB? E em que condições de fornecimento: firme? interruptível?

A seguir, a gas week se debruça sobre o tema.

A AGENDA SEGUE

Como antecipado pelo político epbr, serviço de assinatura exclusivo para empresas (teste grátis por 7 dias), os agentes industriais brasileiros esperam retomar as conversas com a YPFB até o fim do mês.

Representantes do setor industrial que participaram da reunião com a YPFB convidaram membros da estatal boliviana a virem a São Paulo ainda em julho, para um roadshow – possivelmente na Fiesp – com empresários brasileiros.

A expectativa, conta o presidente-executivo da Abiquim, André Passos, é que a YPFB apresente então mais detalhes sobre a modelagem de uma eventual venda direta, dando mais clareza sobre as condições comerciais – como modalidades de fornecimento (firme ou interruptível), volume disponível etc

Já os preços devem ficar para as negociações bilaterais com as indústrias.

A primeira reunião entre as partes no dia 8, véspera da chegada de Lula à Bolívia, contou com a presença de membros das associações que representam as indústrias: Abiquim (química), Abividro (vidro), Abceram (cerâmica), Abrace (grandes consumidores) e Fiesp (indústrias paulistas).

Da YPFB, os brasileiros ouviram o interesse da estatal de diversificar sua base de clientes. As condições comerciais, porém, não entraram na pauta. A expectativa, agora, é que a agenda avance para um relacionamento mais direto entre a YPFB e as empresas em si.

AINDA FALTAM OS NÚMEROS

O quanto a YPFB vai cobrar pelo gás ainda é uma incógnita para a indústria, mas os consumidores brasileiros veem espaço para acessarem um gás competitivo.

Baseiam-se na diferença entre o custo de importação e o preço do gás efetivamente cobrado pela Petrobras.

A conta é a seguinte:

  • a Petrobras compra o gás boliviano, na fronteira, por pouco mais de US$ 6 por milhão de BTU
  • mas a molécula é vendida pela estatal às distribuidoras por entre US$ 9 e US$ 11 o milhão de BTU, a depender do tipo do contrato

Acessar diretamente os bolivianos, sem o intermédio da estatal, portanto, seria uma oportunidade de comprar um gás a um preço mais aderente com os custos da importação em si – a petroleira costuma atribuir o fato de não ter um gás barato aos custos do pré-sal e do GNL embutidos no seu preço.

“Queremos um gás que nos permita ganhar competitividade com um custo realista”, disse o presidente da Abividro e coordenador-geral do Fórum do Gás, Lucien Belmonte.

Ainda não está claro também qual o volume de gás disponível para negociações diretas entre a YPFB e a indústria brasileira.

Ao discursar, em Santa Cruz de La Sierra, Silveira disse que há espaço, a curto prazo, para que a indústria importe cerca de 4 milhões de m3/dia a partir de outubro – quando a Argentina deve deixar de importar gás boliviano, liberando, em tese, o volume para o mercado brasileiro.

Silveira mencionou ainda que outros 2 milhões de m3/dia podem ser trazidos de Vaca Muerta, pela infraestrutura de gás boliviana atualmente ociosa – também a partir de outubro, com a conclusão da reversão do Gasoducto Norte, na Argentina.

FATOR PETROBRAS

A indústria nacional busca maneiras de negociar diretamente com a YPFB, sem o intermédio da Petrobras – mas, ao cabo, a estatal brasileira, ainda que indiretamente, é peça-chave dentro das pretensões dos consumidores.

A forma como a Petrobras se comportará na relação comercial com a Bolívia afeta a capacidade da YPFB de atender à demanda industrial – o país vizinho enfrenta dificuldades para repor suas reservas de gás e o cenário de oferta não é folgado por lá.

A petroleira brasileira tem um acordo com a YPFB, para redução dos volumes de importação no inverno – é uma forma de a boliviana conseguir fechar o seu balanço de suprimento à Argentina, no período mais crítico de demanda.

Com a esperada autossuficiência argentina do gás boliviano, a Petrobras – sob a direção alinhada de Magda Chambriard com a agenda do Planalto – retomará os volumes cedidos à Argentina?

A Petrobras é, historicamente, a grande parceria da YPFB. Uma parceria que não se resume à compra da molécula, mas que envolve a própria produção de gás na Bolívia.

A estatal brasileira acena para a intenção de investir para recuperar as reservas do país andino – uma equação que tende a colocá-la numa posição mais confortável em qualquer negociação.

“[No momento] só o que está claro é que existe a disposição [da YPFB] de fazer contratos diretos. Esse foi o avanço”, comentou Passos, da Abiquim.

GÁS FIRME OU FLEXÍVEL?

A posição da Petrobras nesse jogo pode influenciar não só no volume de gás boliviano de fato disponível para venda a outros agentes no Brasil, mas também na condição desse fornecimento – ou seja, se haverá gás firme ou apenas modalidades interruptíveis.

Hoje, a maioria das comercializadoras que possuem contratos com a YPFB – salvo exceções como o da MGás – têm contratos interruptíveis e têm tido dificuldades de efetivar as importações de forma mais recorrente.

Indústrias como a de cerâmica e vidro dependem, do ponto de vista operacional, de condições mais firmes de suprimento, enquanto a indústria química tem mais flexibilidade a produtos interruptíveis e ofertas mais sazonais.

“Na indústria que usa o gás como matéria-prima para produzir fertilizantes e químicos, por exemplo, você pode [operacionalmente] produzir um volume de produto, estocar, depois parar. Com a capacidade ociosa que a indústria química está… Mas para isso precisa de um volume considerável, o intermitente em baixo volume é complicado”, disse Passos.

COMPETIÇÃO POSTA

Sem folgas na oferta, há uma concorrência posta pelo gás boliviano. Independente da posição que a Petrobras virá a assumir.

A YPFB possui, hoje, autorização da ANP para comercializar gás no mercado nacional. Contudo, ainda não está claro se a boliviana estruturará de fato o seu braço de trading para operar no Brasil – ou se até mesmo comercializadores privados entrarão no jogo.

“Quanto menos intermediário, para a gente da indústria, melhor… Mas, ao fim, a gente não vê cara, nem coração. A gente vê preço”, disse Passos. “Vai ser uma negociação dura”, completou.

O grupo J&F tem ampliado a sua presença no país vizinho e é um candidato a concorrente. Comprou recentemente a comercializadora MGás – que possui contrato firme com a YPFB.

E entrou também na produção de gás na Bolívia por meio da Fluxus. Promete investir US$ 100 milhões para ampliar a produção no país vizinho – de olho, sobretudo, na demanda das termelétricas da Âmbar Energia, do mesmo grupo, da ordem de 15 milhões de m3/dia. Mas também mira oportunidades de comercialização para a indústria.

A Gas Bridge, comprada pela argentina Pluspetrol, também tem estruturado a importação de gás argentino, via Bolívia. E tem histórico de relacionamento com a YPFB.

OLHO NA INFRAESTRUTURA

A aproximação entre a indústria brasileira e a YPFB é uma entrega política de Silveira para o governo Lula, em linha com as promessas do Gás para Empregar de aumentar a competitividade do gás.

O governo está amarrando, internamente, algumas novas propostas para redução do custo da infraestrutura do gás no país.

“[Com a chance de importação direta da Bolívia] Passa a ser urgente a redução dos custos de transporte e distribuição, que somam US$ 4 o milhão de BTU”, afirmou Lucien Belmonte.

GÁS NA SEMANA

Reforma tributária. Câmara dos Deputados reduziu o teto da alíquota do imposto seletivo sobre petróleo e gás natural, de 1% para 0,25%, na aprovação do texto da regulamentação do IS. Texto segue para o Senado. Na epbr

Futuro das térmicas locacionais. Líderes do Senado decidiram incluir marco das eólicas offshore na ‘fila’ dos projetos que podem ser votados em agosto, após o recesso parlamentar.

– Na Câmara, texto incorporou emenda que garante que o preço do gás seja incluído no preço-teto dos leilões de térmicas previstas na lei de privatização da Eletrobras. Na epbr

Compass no controle da Compagas. Empresa do grupo Cosan assinou contrato com a Copel para aquisição de 51% do capital da distribuidora paranaense. Com isso, assume o controle de sua 4ª concessionária de gás.

3R e PetroReconcavo. Empresas assinaram memorando de entendimento para avaliar o compartilhamento da infraestrutura de escoamento e processamento na Bacia Potiguar. Período de exclusividade é de 90 dias.

Mais gasodutos. A malha de transporte de gás do Nordeste precisa ser ampliada para aproveitar o aumento da oferta de Sergipe, defendeu Luiz Gavazza, presidente da Bahiagás, em entrevista ao estúdio epbr na EVEx 2024.

Edge fornece para a SCGás. Distribuidora catarinense é a primeira cliente da comercializadora do grupo Cosan fora de São Paulo. Na epbr

Comgás. Distribuidora paulista recebeu propostas de 16 fornecedores na chamada pública aberta pela empresa para aquisição de gás, com foco a partir de 2025. A companhia recebeu, ao todo, 37 propostas, sendo 28 delas para suprimento de gás natural e nove para biometano. Na epbr

Opinião: Os desafios e o futuro do mercado livre de gás no Brasil. Investimentos em infraestrutura e harmonização de legislações estaduais são cruciais para expansão do setor , escreve Alessandro di Domenico, da Delta.

Na Europa. Portugal conseguiu reduzir em 23% o consumo de gás após a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, apenas com ações voluntárias, afirmou o presidente da Agência para a Energia (Adene). Nilson Lage, ao estúdio epbr durante a EVEx 2024. Na epbr