BRASÍLIA – O presidente da Eletronuclear, Raul Lycurgo, defendeu a conclusão célere das obras e a entrada em operação de Angra 3 no mais curto espaço de tempo possível. Disse, ainda, que “abandonar o projeto não sai de graça”, descrevendo um prejuízo multibilionário caso a escolha fosse essa. A declaração foi dada em entrevista exclusiva ao estúdio epbr, nesta quinta (11/6). Assista na íntegra acima.
Nos cálculos do presidente da estatal, seriam necessários ao menos R$ 14 bilhões para desistir de Angra 3. Seriam 9 bilhões em financiamentos – incluindo as multas e penalidades –, R$ 1,5 bilhão de devolução de incentivos fiscais, pois alguns equipamentos foram importados com o benefício especificamente para o projeto de infraestrutura.
“Quando você não entrega o projeto de infraestrutura, você é obrigado a devolver esse valor com essas penalidades todas”, disse Lycurgo, complementando que as rescisões dos contratos e respectivas penalidades representariam entre 3 e 3,5 bilhões de reais adicionais.
Não há consenso quanto ao valor para terminar o projeto, mas estima-se que ultrapasse os R$ 20 bilhões. Os valores mais precisos serão conhecidos após a finalização da análise do relatório do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e pelo Ministério de Minas e Energia (MME).
“Esses 20 bilhões de reais vão ser pagos com financiamento de um pool de bancos, nacionais e internacionais. Ou seja, quem vai pagar esses 20 bilhões de reais para completar a obra vai ser, obviamente, a estruturação financeira desenhada pelo BNDES e a Eletronuclear produzindo energia durante. A gente vai pagar durante 16 a 20 anos essa dívida, entretanto, a usina vai continuar operando, quiçá, por mais 80 anos”, explicou.
Lycurgo citou o exemplo dos Estados Unidos, onde há usinas nucleares funcionando há 60 anos e que devem ter a vida útil prolongada por, pelo menos mais 20 anos. São unidades da Westinghouse, as mesmas que equipam Angra 1, que gera energia há 39 anos, e Angra 2, com 22 anos de operação.
Custo da tarifa
Uma das preocupações quanto às operações de Angra 3 é o preço da tarifa. No caso das outras duas usinas de Angra dos Reis, que já estão amortizadas, a tarifa é de R$ 355 por MWh, mostrando-se competitiva com relação a outras fontes térmicas, como no caso da geração a diesel, por exemplo.
O presidente da Eletronuclear é cauteloso ao falar do custo. Os valores recentemente associados à tarifa, entre R$ 700 e R$ 800, consideram, segundo Lycurgo, resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aprovada em 2018, na qual apenas atualiza-se a previsão da época R$ 480 a valores presentes.
Ele defende que outros fatores que não existiam em 2018 vão impactar positivamente na tarifa para o consumidor.
“Há um evento futuro e certo para ocorrer, que é a reforma tributária e vai trazer ganho para o consumidor. Isso tem vai fazer com que a tarifa tenha um degrau para baixo, da mesma forma o Renuclear”, comentou.
A empresa negocia o retorno do Renuclear federal, que vigorou até 2017, com um prazo para o final de 2028, a fim de conseguir importar equipamentos com os benefícios previstos no programa.
Negocia, ainda, uma versão estadual do Renuclear com o governo do Rio de Janeiro. O presidente da estatal já esteve com o governador Claudio Castro (PL) e com o secretário estadual de Fazenda, Leonardo Lobo.
Gasto com preservação de equipamentos
Por ano, a Eletronuclear gasta aproximadamente R$ 100 milhões para a preservação de aproximadamente 11.500 equipamentos que estão nas instalações das obras de Angra 3.
Além disso, há um outro gasto relacionado, de R$ 9 milhões por mês, com a diretoria relacionada à terceira usina.
Questionado se os equipamentos, alguns deles da década de 1980, podem ter se tornado obsoletos ao longo dos anos, Raul Lycurgo diz que a “parte de controle, supervisão e monitoramento vai ser de última geração”.
Segundo ele, os itens armazenados são equipamentos mecânicos, com longa vida útil e cita o exemplo dos que estão em Angra 1, em pleno funcionamento há quase 40 anos.
Expansão da energia nuclear no mundo
O esforço por mitigar os efeitos das mudanças climáticas devolveu à energia nuclear certo protagonismo no mundo. Na Europa, com exceção da Alemanha, projetos dessa fonte de energia tem se expandido. Na França, por exemplo, a matriz elétrica é composta por 75% de energia nuclear.
Nos Estados Unidos, também há forte participação das nucleares. As 93 usinas do país respondem por 20% da geração.
No Brasil, onde as fontes renováveis respondem por aproximadamente 85% da matriz elétrica, a nuclear representa 2% deste total.
Combustível nuclear e resíduos
Todo o rejeito e combustível nuclear usado, que pode ser reciclado, estão armazenados no Complexo Nuclear de Angra dos Reis. Lycurgo explica que todo o material radioativo ou itens que possam ter sido expostos à radiação – como os equipamentos de proteção individual (EPIs) – estão na central nuclear.
No caso do combustível usado, a ideia é poder reutilizá-lo no futuro, a partir do reator apropriado.
Rescisão do contrato da linha crítica
Dentre os revezes mais recentes para a continuidade das obras de Angra 3 está a rescisão unilateral do contrato com o Consórcio Ferreira Guedes, Matricial e Adtranz. Firmado em fevereiro de 2022, deveria realizar as obras civis do Plano de Aceleração da Linha Crítica.
Como justificativa, a Eletronuclear alegou que o consórcio descumpriu as cláusulas que tratam da execução e cronograma das obras, impossibilitando que a empresa comprovasse a conclusão dentro do prazo estipulado.
“A única parte que não deu certo na aceleração da linha crítica foram as obras civis. Num empreendimento nuclear, essa parte é muito pequena, porque o grosso dos investimentos são os equipamentos”, respondeu.
Raul Lycurgo espera uma nova licitação para o segundo semestre de 2025 e a entrega da obra em 2030.