Mercado de gás

Tarifaço nos gasodutos do Sudeste reacende debate sobre falta de transparência no setor

Membros da indústria e do governo cobram explicações para o aumento das tarifas da NTS

Tarifaço nos gasodutos de transporte do Sudeste retoma discussão sobre falta de transparência no setor. Na imagem: Ponto de entrega de gás natural em Cubatão, da malha Sudeste de transporte de gás, operada pela NTS (Foto: Divulgação)
Ponto de entrega de gás natural em Cubatão, da malha Sudeste de transporte de gás, operada pela NTS (Foto: Divulgação)

RIO – A surpresa com que agentes públicos e privados receberam o tarifaço na malha de gasodutos da NTS, no Sudeste, reacendeu esta semana o debate sobre a transparência no transporte de gás natural – e sobre falhas na regulação do setor.

O episódio colocou, nos últimos dias, representantes dos diferentes elos da cadeia do gás debruçados sobre planilhas. Duas semanas após a conclusão da oferta de capacidade que levou ao aumento das tarifas, agentes ainda tentam fechar – com as poucas informações disponíveis – um diagnóstico preciso sobre as causas do choque tarifário inesperado.

O caso repercutiu também em Brasília e levou membros do governo a cobrarem esclarecimentos às partes envolvidas, segundo fontes. Sob pressão, Agência Nacional do Petróleo Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), NTS e Petrobras devem se reunir, no início da próxima semana, para tratar do assunto.

Nesta sexta-feira (7/6), o Conselho de Usuários se reúne com a NTS. O encontro é uma tentativa da entidade – que representa produtores, comercializadores, indústrias, distribuidoras e termelétricas – de buscar mais informações sobre o ocorrido.

Caça às bruxas

O choque tarifário – de 26% na entrada e de 7% na saída do sistema, a partir de junho – causou um estranhamento geral na indústria, porque a proposta inicial da NTS previa uma pequena redução nas tarifas para este ano.

Relembrando: as tarifas tiveram que ser recalculadas, no meio do processo de oferta de capacidade, devido a uma frustração na expectativa de oferta e demanda – fruto, segundo fontes, de uma mudança no perfil de contratação da Petrobras.

Nos bastidores do mercado, o tarifaço tem sido atribuído à decisão da estatal de contratar menos capacidade de entrada no Tecab (RJ) e Caraguatatuba (SP) – o que teria aumentado a fatia dos demais agentes no rateio dos custos do sistema.

Em resumo: quanto mais os demais agentes pagam pelo sistema, maior o desconto que a Petrobras tem direito no pagamento dos contratos legados – conjunto de contratos assinados pela estatal, como carregadora original dos gasodutos. As receitas da NTS, em si, não crescem com o aumento das tarifas.

Entre os agentes do mercado, contudo, ainda há dúvidas sobre a divisão de responsabilidades pelo episódio: afinal, a redução da capacidade contratada pela Petrobras no Tecab e Caraguatatuba é, de fato, a causa do tarifaço? O movimento da estatal está amparado no acordo de redução de flexibilidade (que proporcionou nos últimos anos a liberação de capacidade disponível para terceiros)?

A NTS tem parcela de responsabilidade ou não tem poder de ingerência sobre a capacidade contratada pelos agentes? A ANP tem meios de contornar o tarifaço? A agência tem sua parcela de culpa, ao mudar o entendimento sobre a forma de contratação da Gasig?

Os agentes tentam entender também o peso da oferta de capacidade do Gasig no episódio. Inicialmente a capacidade do gasoduto seria oferta a parte, com uma tarifa incremental, a ser paga pela Petrobras, a única que de fato contratou o projeto. A ANP, porém, decidiu que os custos seriam socializados com os demais carregadores – o que teria provocado uma redistribuição das receitas do Gasig para o restante do sistema.

A NTS prefere não comentar. A Petrobras alega que todas as informações associadas à necessidade de reserva de capacidade da companhia foram disponibilizadas para a ANP e que o regulador “possui, entre suas atribuições, a de estabelecer os critérios a serem adotados para definição dos volumes considerados como premissa para os cálculos tarifários das transportadoras”.

A própria ANP, ao ser questionada pela agência epbr, respondeu, no início da semana, que ainda avaliava a situação. Há pelo menos duas semanas, o regulador tem em mãos as informações sobre a mudança no cenário de referência para cálculo das tarifas.

“Só a dificuldade de todo mundo entender o que aconteceu já demonstra que há um problema de regulação aí”, comenta o diretor de gás da Abrace, Adrianno Lorenzon.

Carregadores pedem mais transparência

Os usuários do sistema pedem, não de hoje, mais clareza sobre a regulação de alguns pontos, como a revisão tarifária das transportadoras; acompanhamento e tratamento da conta regulatória no setor; e os critérios de cálculo das tarifas.

A existência dos contratos legados na visão de usuários, contribui para a falta de transparência do setor.

“Tarifa deveria ser resultado da base de ativos, WACC, opex [custos de operação e manutenção] e capex [investimento]”, cita o presidente da Abividro e coordenador-geral do Fórum do Gás, Lucien Belmonte.

Já Lorenzon afirma que, com o atraso da agenda regulatória da ANP, os entendimentos da agência têm se consolidado, por vezes, por meio de notas técnicas e decisões de ofícios, de forma pontual. Os princípios de como as tarifas são calculadas, por exemplo, são definidas por meio de nota técnica.

“Isso traz uma insegurança jurídica. No mercado de gás, hoje, falta regulação, falta transparência e sobra complexidades”, afirmou.

Segundo ele, a revisão da Resolução 15/2014, que trata dos critérios de cálculo das tarifas, seria uma boa oportunidade para ajudar a clarear as regras para o setor.

Esse item, aliás, é um ponto de interrogação para as próprias transportadoras, que também se queixam da insegurança jurídica para novos investimentos.

A revisão da RANP 15/2014 influencia diretamente o modelo de remuneração das transportadoras e os investimentos no setor – e, consequentemente, o plano de negócios apresentado pelas empresas na revisão tarifária.

Transportadores relatam, hoje, dificuldades de aprovar novos investimentos diante das incertezas regulatórias – como, por exemplo, qual será a WACC a partir de 2026.

E defendem que, enquanto a ANP não conclua a revisão da resolução, a agência aprove os investimentos na expansão da capacidade do sistema num regime de transição.

Um dos pleitos dos transportadores, nesse sentido, é a adoção do conceito (comum no setor elétrico) de base regulatória blindada para os projetos de expansão aprovados – o que preservaria o ativo, por um tempo definido, de revisões tarifárias futuras.

Na visão das transportadoras, esta seria uma forma de garantir segurança a investimentos de longo prazo, já que, hoje, a ANP só autoriza processos de oferta de capacidade para um horizonte de, no máximo, cinco anos.

O outro lado

O presidente da Associação de Empresas de Transporte de Gás Natural por Gasoduto (ATGás), Rogério Manso, rebate as críticas sobre a falta de transparência no setor.

Ele não entra no mérito do aumento das tarifas da NTS, em si – um assunto que envolve um caso particular de um único agente do setor. Mas pontua que a atividade de transporte é regulada e segue regras existentes e conhecidas.

Manso reconhece que a regulação do transporte é complexa, mas destaca que as transportadoras têm concentrado esforços em se aproximar dos usuários e aperfeiçoar os serviços regulados.

Cita, por exemplo, os grupos de trabalho na associação que tratam de temas regulatórios como a harmonização dos contratos e os códigos comuns de rede entre as diferentes transportadoras.

“Estamos com o diálogo aberto com o Conselho de Usuários sobre os códigos de rede, para definir procedimentos conjuntamente. Não esperamos a ANP, estamos trabalhando para facilitar o diálogo, dar mais transparência.

O setor é regulado, tem informações já disponíveis ou seguem regras transparentes para todos. Pode haver uma dificuldade porque o tema é complexo, mas estamos buscando o diálogo, dar mais clareza”, disse.