Diálogos da Transição

G20 e a transição do óleo

Brasil defende que ainda serão precisos investimentos em novos projetos de exploração de óleo e gás, sobretudo em economias emergentes

G20 e a transição energética do óleo e gás; Brasil defende investimentos em novas fronteiras exploratórias. Na imagem: Terceira reunião do Grupo de Trabalho de Transição Energética do G20 (Foto: G20 Brasil)
Terceira reunião do Grupo de Trabalho de Transição Energética do G20 (Foto: G20 Brasil)

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Diálogos da Transição

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Editada por Nayara Machado
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Em novembro de 2023, líderes de cerca de 200 países concordaram, pela primeira vez, que é preciso fazer uma transição para longe dos combustíveis fósseis, para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C até 2100.

Até agora, as metas climáticas estabelecidas internamente por cada uma dessas nações, quando somadas, levam o aquecimento a 2,8°C – dando uma dimensão do desafio que vem pela frente.

Algumas estão mais avançadas nessa transição para o baixo carbono, outras menos. Os motivos variam, mas, no fim das contas, tudo gira em torno dos custos de mudar modelos de produção e consumo que estão estabelecidos há mais de um século.

Na presidência rotativa do G20 este ano, o Brasil tem defendido que ainda serão precisos investimentos em novos projetos de exploração de óleo e gás – contrariando ambientalistas –, sobretudo em economias emergentes.

Foi tema de uma das agendas laterais do grupo de trabalho de transições energéticas do G20, que esta semana se reúne em Belo Horizonte (MG). Os países que compõem o bloco respondem por mais de 80% das emissões globais de GEE e, historicamente, têm dificuldades em fechar um acordo sobre fósseis.

“Nós estamos falando de um contexto global pós-COP28. Agora, a proposta da presidência brasileira é pensar em como vamos fazer essas metas se realizarem, de fato. Nós temos um desafio enorme, porque todas essas metas estão atreladas a um prazo até 2030”, disse a jornalistas Mariana Espécie, assessora especial do ministro de Minas e Energia e coordenadora do GT de Transições Energéticas do G20.

Ela explica que muitas das soluções tecnológicas necessárias a “um futuro sem petróleo” ainda não ganharam escala e competitividade – caso do hidrogênio de eletrólise e dos combustíveis sustentáveis para aviação e navegação.

“O que a gente tem que entender é que o nosso vilão é o carbono. Entendendo que essas soluções de petróleo, gás, biocombustíveis, todas elas são importantes, o que a gente tem que buscar são soluções que tenham menor intensidade de carbono.”, defendeu Espécie.

A coordenadora disse também que entende o “sentimento de contradição” entre assumir compromisso com o afastamento dos combustíveis fósseis e seguir investindo em novos projetos, mas que “não se trata de uma contradição”.

“Por trás de muitas dessas coisas tem discussões como segurança energética, balanço e equilíbrio das relações comerciais. A gente tem o petróleo como uma das principais commodities globais e qualquer desequilíbrio na oferta-demanda, a gente já percebe o impacto econômico que isso traz”.

Recursos para novas tecnologias

Um dos argumentos para extensão dos investimentos é que recursos do O&G como participação especial, royalties e cláusulas de P&D financiam o desenvolvimento, e não é possível prescindir dessas fontes por enquanto.

“O que você pode fazer é, por meio da recepção, avaliar qual o melhor uso desses recursos. Então, eu posso estar fazendo uma melhor alocação para desenvolvimento de biocombustíveis avançados, canalizando melhor o desenvolvimento tecnológico nesse sentido, hubs de captura de carbono etc.”, comenta Rafaela Guedes, senior fellow do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

Em entrevista à agência epbr, Guedes avalia que é preciso planejamento energético, tanto a nível de país, quanto globalmente, considerando realidades diferentes e sem trancamentos tecnológicos.

“Mais de 2 bilhões de pessoas ainda usam lenha para cozinhar no mundo. A gente precisa ainda, então, avançar em termos de tecnologias que viabilizem [energia limpa]. De onde vai vir parte desse dinheiro, principalmente para quem não vai ter recursos para ter um IRA ou um Green Deal? A gente não tem esses recursos”.

Ela cita o caso do hidrogênio como exemplo de tecnologias emergentes que devem respeitar e aproveitar os potenciais energéticos de diferentes economias.

“A Alemanha pode entender que a tecnologia para eletrolisadores e para hidrogênio verde é algo importante na transição dela. Mas, aqui para o Brasil, o que está sendo defendido é que precisamos de política de hidrogênio, mas o verde não é a única cor. Podemos ter o azul, podemos ter outras formas”.

Onde a oferta encontra a demanda

O preço é um ponto importante. Guedes explica que, para que a transição ocorra de forma justa, diferentes tecnologias devem competir, ganhar escala e se tornarem acessíveis.

“Essa transição não vai ser barata. Então, quanto mais eu conseguir promover inovação, promover diferentes rotas e promover competição saudável no sentido de tecnologias concorrendo para ver qual se adapta melhor em cada cenário, isso é o que é importante para a gente conseguir acelerar essa transição que está bem aquém”.

precificação do carbono também terá um papel na indução dos investimentos da indústria, defende Guedes.

“Na hora que eu coloco de pé uma análise de viabilidade técnica e econômica, quando eu comparo um projeto e outro, eu preciso ver que produzir esse biocombustível avançado faz sentido. É esse o tipo de coisa que tem que começar a acontecer, porque aí vamos ter investimento do setor privado”.

Novas fronteiras e gás não convencional

Na segunda (27/5), o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), voltou a defender a exploração de petróleo na Margem Equatorial, na área que também ficou conhecida como Foz do Amazonas.

“Nós estamos discutindo a Margem Equatorial, que não é na foz do Amazonas, está a 500 km, estamos discutindo a fase de pesquisa. Nossos irmãos da Guiana estão literalmente chupando de canudinho as riquezas do Brasil, porque eles estão explorando na divisa – se é que a gente tem aquele primeiro trecho do Amapá, porque já se descobriu que tem no RN”, disse a jornalistas durante coletiva no evento do G20.

Segundo o ministro, o discurso contra a exploração na região é uma tentativa de países ricos, como a França, de recolonizar nações emergentes.

“É um direito do povo brasileiro conhecer as suas riquezas e a sua pluralidade energética”, completou.

É também a posição da nova presidente da Petrobras, Magda Chambriard. Na primeira coletiva após a posse, a executiva afirmou que a abertura de novas fronteiras, como na Margem Equatorial e na Bacia de Pelotas, é fundamental para garantir que o país continue a repor reservas e a decisão final sobre a entrada nessas regiões deve ser tomada pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

Na visão de Chambriard, os eventos climáticos extremos, como o que ocorre no Rio Grande Sul, não podem ser atribuídos à produção brasileira de óleo e gás, marcando uma oposição aos ambientalistas dentro e fora do governo.

Outro ponto polêmico defendido por Silveira no G20 é a exploração do gás não convencional.

“Por que s Estados Unidos podem discutir, conhecer, debater e explorar o gás não convencional? A Argentina pode, aqui ao nosso lado. E nós não podemos sequer conversar sobre o gás da Bacia do São Francisco”, criticou.

  • A Bacia do São Francisco é uma potencial produtora de gás natural não convencional, que demandaria campanhas de fraturamento hidráulico, técnica que sofre com moratórias e obstáculos judiciais no Brasil. Não apenas ambientalistas, mas organizações de produtores rurais fazem oposição à prática. Questionam a segurança operacional, o risco de contaminação de fontes de água e temem conflitos pelo uso de recursos hídricos.

Para Silveira, primeiro, é preciso comprovar que o impacto ambiental é “desproporcional aos frutos sociais”.

Cobrimos por aqui:

Curtas

Emissões da mineração

As atividades do setor lançaram na atmosfera 12,8 milhões de toneladas de CO2 equivalente em 2022, de acordo com o inventário do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), representando 0,55% das emissões de gases do efeito estufa do país. Segundo o presidente do Ibram, Raul Jungmann, o objetivo é chegar até 2030 ou 2040, isso ainda não estabelecido, a zero carbono. (Agência Brasil)

Cerrado ultrapassa Amazônia em desmatamento

Nos últimos cinco anos, o Brasil perdeu 8.558.237 hectares de vegetação nativa, o equivalente a duas vezes o estado do Rio de Janeiro. Porém, 2023 representou um ponto de inflexão nesse processo, segundo o MapBiomas. Os dois maiores biomas do Brasil – Amazônia e Cerrado – somam mais de 85% da área total desmatada no país. Mas pela primeira vez desde o início da série do MapBiomas Alerta, em 2019, o Cerrado ultrapassou a Amazônia em termos de área desmatada. (Um só Planeta)

Indústria net zero

Os governos da União Europeia aprovaram formalmente, na segunda, uma nova lei destinada a garantir que o bloco produza 40% de seus painéis solares, turbinas eólicas, bombas de calor e outros equipamentos de tecnologia limpa. Com a intenção de competir com os EUA e a China, a Lei da Indústria Net Zero (NZIA) entrará em vigor até o início de julho. (Reuters)

Hackathon sustentável

O Banco Central do Brasil e o Banco de Compensações Internacionais (BIS) estão com inscrições abertas para uma competição global que quer atrair soluções inovadoras para as finanças sustentáveis. É a quinta edição do G20 TechSprint, que receberá propostas até esta sexta-feira. (Reset)