Energia

Por que temos que levar o hidrogênio natural a sério?

Exploração de reservas no Brasil pode complementar outras rotas de hidrogênio de baixo carbono, posicionando o país como um importante produtor e exportador do energético

Durante busca por metano, pesquisadores franceses encontram uma enorme reserva de hidrogênio natural, ou branco (Foto: CNRS)
Durante busca por metano, pesquisadores franceses encontram uma enorme reserva de hidrogênio natural (Foto: CNRS)

Com o hidrogênio emergindo como um combustível promissor no cenário global de transição energética, a descoberta de reservatórios significativos de hidrogênio natural – também conhecido como hidrogênio branco – tem despertado grande interesse em várias partes do mundo, incluindo no Brasil.

Seu diferencial em relação a outras rotas de produção, como via eletrólise (verde) ou reforma de gás natural com captura e armazenamento de carbono (azul), pode estar na disponibilidade e no preço, além da baixa emissão de CO2.

De acordo com o Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS), pode haver 5 trilhões de toneladas de hidrogênio no solo, e a exploração de apenas uma pequena fração dos depósitos de hidrogênio natural poderia fornecer energia limpa suficiente durante centenas de anos.

Para se ter uma ideia, em 2023, o mundo utilizou cerca de 105 milhões de toneladas de hidrogênio. Obviamente, a demanda deve aumentar com a expansão da aplicação do gás em outras atividades, mas ainda assim é um número que impressiona.

Além disso, o hidrogênio natural pode ser renovável, uma vez que ele também é classificado como um fluxo e não apenas como um estoque de recurso fóssil. Isto é, além da acumulação de hidrogênio natural em rochas hospedeiras (reservatórios), também existe um processo dinâmico de geração do gás.

Hoje, apenas em Bourakébougou, no Mali, o gás é explorado de maneira comercial para abastecer as residências da região.

A Hydroma, responsável pela operação em Mali, extrai hidrogênio branco a um custo estimado de US$ 0,5 por quilograma (kg). Projetos na Espanha e na Austrália visam um custo de US$ 1 por kg de hidrogênio, consolidando a competitividade em relação a outras rotas.

Atualmente, o hidrogênio cinza, produzido a partir de combustíveis fósseis, custa em média menos de US$ 2/kg, enquanto o verde, produzido a partir de eletricidade renovável, gira em torno de US$ 6/kg.

Petroleiras e ouro branco

Apesar de apenas um caso de exploração comercial, especialistas apontam para uma nova corrida do ouro em torno do hidrogênio natural, que já conta com grandes empresas interessadas, incluindo petroleiras.

Petrobras, bp e Chevron já financiam pesquisas da Escola de Minas do Colorado, nos EUA e do USGS, para estudar o potencial de hidrogênio geológico, ao lado de outras empresas das indústrias mineira e energética e startups, como Fortescue, Eden Geopower, Koloma, HyTerra e a própria Hydroma.

De acordo com pesquisa da Rystad Energy, no final do ano passado, 40 empresas estavam atrás de depósitos naturais de hidrogênio, contra apenas 10 em 2020. Atualmente, estão em curso esforços exploratórios na Austrália, EUA, Espanha, França, Suíça, Albânia, Colômbia, Coreia do Sul, Canadá e aqui no Brasil.

Na Colômbia, o Grupo Ecopetrol está avançando para identificar a presença de hidrogênio branco em blocos operados pela companhia, integrando dados de subsuperfície adquiridos durante anos de exploração de óleo e gás.

A empresa já encontrou concentrações do gás da mesma ordem de grandeza do caso Bourakébougou.

Regulamentação

Apesar de iniciais, os estudos na Colômbia encorajaram o Ministério de Minas e Energia do país a apresentar um decreto enquadrando o hidrogênio branco como fonte de energia renovável, abrindo caminho para a regulamentação de projetos de avaliação, exploração e desenvolvimento de hidrogênio branco.

No Brasil, governo, ANP e EPE defendem a aprovação de um marco regulatório do hidrogênio no Congresso Nacional, que inclua o hidrogênio geológico, e permita o estabelecimento de competências e regras básicas para concessão e execução das atividades, e estimule pesquisas na área.

Atualmente, parlamentares discutem dois projetos de lei para regulamentação do hidrogênio, mas apenas o texto da Câmara dos Deputados contempla o hidrogênio natural.

O potencial do hidrogênio natural está considerado no Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2), desenvolvido pelo MME.

O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, também já afirmou que a empresa tem interesse em incorporar o hidrogênio natural aos seus negócios, caso o energético se mostre viável.

O entendimento é que a exploração de hidrogênio natural possui sinergia técnica e científica com a atividade de óleo e gás, principalmente pelo conhecimento geocientífico e expertise em relação à análise de bacias.

Reservas no Brasil

No ano passado, um grupo de cientistas brasileiros e franceses, liderados pelo professor Paulo Emílio de Miranda, presidente da Associação Brasileira de Hidrogênio (ABH2), comprovaram a existência de uma reserva de hidrogênio natural com grande potencial em Maricá, no Rio de Janeiro.

Além de Maricá, uma pesquisa liderada pela Engie em conjunto com a Geo4u constatou a presença de altas concentrações desse gás em reservatórios profundos da Bacia do São Francisco, em Minas Gerais.

Documento da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) também indica áreas nos estados do Ceará, Goiás, Tocantins, Roraima e Bahia, “que apresentaram diferentes potenciais para a pesquisa de hidrogênio natural. Alguns melhores e outros piores, mas sempre positivos”.

Oportunidades para o Brasil

É importante reconhecer que a exploração de hidrogênio natural também apresenta desafios e incertezas, especialmente em relação ao desenvolvimento de tecnologias eficientes e sustentáveis para a extração do hidrogênio.

No entanto, como mencionado, a exploração desses recursos pode levar a uma produção de energia a um custo relativamente baixo, tornando o hidrogênio branco uma opção competitiva em comparação com outras formas de hidrogênio.

Para isso, é relevante que o marco regulatório do hidrogênio no país inclua o hidrogênio natural.

A identificação e exploração de reservas no país pode ser complementar a outras rotas de produção de hidrogênio de baixo carbono, como azul e verde, dando escala à indústria de hidrogênio e, assim, posicionar o Brasil como um importante produtor e exportador do energético, seus derivados e produtos verdes.

Isso também vale para a questão da segurança energética. Como uma fonte de energia doméstica, o hidrogênio natural, ao lado das outras rotas, pode reduzir a dependência do Brasil de combustíveis fósseis importados.

Além disso, a diversificação da matriz energética com o uso de hidrogênio pode aumentar a resiliência do Brasil a choques externos nos mercados de energia.