RIO – A Ultragaz comprou a primeira carga comercial de bioGLP produzida na Refinaria Riograndense (RS). O objetivo da distribuidora é avaliar o desempenho do produto menos poluente no mercado. A carga, de 140 toneladas, foi produzida a partir de óleo de soja, com estimativa de emissões de carbono até 80% menores do que o gás liquefeito de petróleo (GLP) tradicional.
O bioGLP pode ser produzido a partir de óleo vegetal e resíduos agroindustriais e urbanos, resultando em uma versão com menos emissões de carbono do GLP, o “gás de botijão”. O produto renovável tem as mesmas propriedades do convencional fóssil, o que dispensa a necessidade de adaptar a infraestrutura existente.
Hoje, a produção global de bioGLP é de 300 mil toneladas por ano, concentrada sobretudo na Europa. A estimativa é de expansão da capacidade da Refinaria Riograndense nos próximos dois anos para entregar até 30 mil toneladas anuais.
Os primeiros volumes estão sendo direcionados para clientes das indústrias têxtil e alimentícia, que trabalham com geração térmica e já eram atendidos pela Ultragaz com os botijões tradicionais.
Segundo o diretor de Marketing e Experiência do Cliente da distribuidora, Aurélio Ferreira, a ideia é expandir para outras indústrias que também trabalham com processos térmicos, como a metalurgia e a cerâmica. Uma segunda carga deve ser negociada até o meio deste ano, ainda como uma iniciativa para o desenvolvimento do mercado.
“Acreditamos muito na inovação como uma fonte de crescimento de mercado. Hoje, um terço dos clientes industriais da Ultragaz utilizam aplicações desenvolvidas nos últimos dez anos. Então a ideia é ir construindo novas aplicações [para o bioGLP], entendendo as necessidades do cliente”, diz.
O gás de botijão é considerado uma das fontes de energia de maior capilaridade do país. Ferreira acredita que bioGLP eventualmente também deve chegar ao consumo residencial, mas aponta que é mais provável que isso ocorra em soluções drop-in, com a mistura de um percentual do produto mais sustentável no gás de botijão convencional.
“Optamos por trabalhar neste momento com clientes específicos, para começar a testar o produto. É um primeiro grupo que tem maior interesse no uso do bioGLP por necessidades de descarbonização. Mas, num segundo momento, podemos trabalhar com um mix de produtos e alcançar o mercado residencial”, explica.
O preço do derivado de óleo vegetal ainda é superior ao do GLP tradicional, mas o executivo acredita que as cotações tendem a melhorar com o aumento da escala de produção e com o avanço de negociações comerciais.
“É uma questão de tempo. Conforme avança a escala de produção, a tendência é de ganhos de competitividade. Por outro lado, há um valor agregado no produto, com a menor emissão de carbono”.
Outro desafio é que o transporte dos botijões é feito, majoritariamente, por caminhões convencionais, a diesel. A Ultragaz avalia descarbonizar essa etapa por meio do uso do biometano comprimido em caminhões ou com a aplicação do próprio bioGLP nos veículos, tema que ainda passa por discussões técnicas na Agência Nacional do Petróleo (ANP). Em áreas urbanas, existe a possibilidade de uso de caminhões elétricos.
Estudos começaram em 2020
A Ultragaz iniciou estudos sobre a entrada no mercado de bioGLP em 2020. A companhia participou de discussões sobre o tema na World LPG Association (WLPGA), associação mundial de GLP, e fechou parcerias para avaliar as rotas tecnológicas mais adequadas para a produção no Brasil, com a avaliação de rotas de produção a partir do etanol, alcatrão, glicerina e HVO (óleo vegetal hidrotratado).
Foram realizados estudos em convênios com a Universidade de São Paulo (USP), a Empresa Brasileira de Inovação Industrial (Embrapii), Instituto Senai de Inovação em Biossintéticos (ISI) e o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe-URFJ).
Outras iniciativas da Ultragaz nos últimos anos para se adaptar à transição energética foram a entrada no setor de energia elétrica e de biometano.
Mesmo com a expansão para novos mercados, Ferreira destaca que ainda há espaço para o crescimento do consumo do gás de botijão tradicional no Brasil, de modo a deslocar outras fontes mais poluentes, como o carvão e a lenha. A ideia, segundo o executivo, é que o bioGLP atue de forma complementar ao GLP.
“O GLP tem uma propriedade de alcance, uma capilaridade, que poucos energéticos têm”.
A refinaria
Para a produção do bioGLP, a Refinaria Riograndense adaptou uma das unidades de craqueamento catalítico para usar o óleo de soja no lugar do petróleo. Junto com o bioGLP, também são entregues bunker e nafta “verdes”.
Inaugurada em 1937, a Riograndense é a primeira refinaria do país e tem capacidade de processamento instalada de 17 mil barris/dia, atendendo sobretudo ao mercado da região Sul. O grupo Ultra, que controla a Ultragaz, é uma das sócias do projeto, em parceria com a Petrobras e a Braskem.
A partir deste ano, a refinaria vai receber investimentos para testar a tecnologia de coprocessamento de bio-óleo na produção de petroquímicos e combustíveis. Caso a iniciativa seja bem-sucedida, a Riograndense deve receber investimentos para se tornar a primeira biorrefinaria do Brasil.