Biocombustíveis

Emenda no mercado de carbono impede redução das emissões de metano, diz setor de resíduos

A Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren) contesta perfil de emissões de metano no Brasil, e diz que aterros respondem por 45% das emissões

Yuri Schmitke, presidente da Abren, que representa o setor de resíduos (Foto: Cortesia)
Yuri Schmitke é presidente da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos – Abren (Foto: Cortesia)

A Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren) entende que uma emenda – incluída de última hora no projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no Brasil – impede o cumprimento do Acordo Global de Redução de Metano (Global Methane Pledge), assinado pelo país.

O PL 2148/2015 foi aprovado na quinta-feira (21/12), última sessão no plenário da Câmara em 2023.

A votação se estendeu até perto da madrugada e, após longas negociações do relator Aliel Machado (PV/SP) com setores econômicos e o governo, emendas foram acatadas para viabilizar a aprovação.

“A retirada dos aterros sanitários, realizada de última hora, inviabiliza a meta assumida pelo Brasil”, disse a associação nesta quarta (28).

O texto que retorna ao Senado Federal excluiu os aterros sanitários sempre que “comprovadamente adotarem sistemas e tecnologias para neutralizar tais emissões”.

Com isso, aterros que adotem sistemas de produção de biogás, por exemplo, poderão ficar de fora do mercado regulado.

Diz a emenda: “As unidades de tratamento e destinação final ambientalmente adequada de resíduos serão consideradas a partir do seu potencial transversal de mitigação de emissões de gases de efeito estufa”.

A mudança surpreendeu a Abren, que representa empresas atuantes no setor de saneamento, inclusive na produção de biogás. A entidade, que faz parte de organismos internacionais, vinha propondo uma revisão na medição das emissões de metano.

E defende que a recuperação de biogás não deve ser encarada como solução única para lidar com o tratamento do lixo e o país deve incluir a queima para geração de energia.

O marco legal cria um sistema de comércio de emissões, o SBCE, em um modelo de cap-and-trade.

Fontes de carbono equivalente com emissão superior a 25 mil toneladas por ano estarão sujeitas a tetos anuais (o cap). Quem emitir menos, poderá comercializar créditos; a mais, deverá compensar com a compra (o trade). O agronegócio já havia sido excluído da regulação.

Na COP26, o Brasil se comprometeu a reduzir suas emissões de metano em 30% até 2030, compromisso reafirmado na edição deste ano, em conjunto alcançar emissões líquidas neutras até 2050.

As metas assumidas pelo Brasil no Acordo de Paris, na chamada Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), estabelecem que o país deve reduzir as suas emissões de gases do efeito estufa em 48% até 2025 e 53% até 2030, em relação às emissões de 2005.

Aterros entre os maiores emissores

A Abren aponta que as emissões de metano dos aterros sanitários se equiparam a de todo o setor agropecuário, em torno de 45% cada, ao contrário do entendimento atual de que a pecuária é responsável por cerca de 66% de todo o metano emitido no país.

Os dados da associação são de comparações feitas entre dezenas de medições em aterros sanitários no Brasil, de dezembro de 2022 a julho de 2023, usando imagens de satélite da Nasa e GHG SAT.

“Se o metano hoje representa 45% das emissões de gás de estufa, nós temos um problema grave acontecendo e precisa ser bem endereçado”, afirma Yuri Schmitke, presidente da Abren, em entrevista à agência epbr concedida antes da aprovação do projeto na Câmara.

No início de dezembro, ele entregou uma carta ao presidente da COP28, Sultan Ahmed Al Jaber, e ao ministro das Cidades, Jader Filho, com as conclusões do estudo: mesmo com os mais modernos sistemas de captura de biogás, os aterros deixam escapar de 50% a 70% do metano, de acordo com essa metodologia proposta no levantamento.

Segundo ele, no Brasil, as emissões são de 3 a 10 vezes superiores quando comparado com as declarações dos aterros no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) da Convenção Quadro das Nações Unidas para a Mudança do Clima (UNFCCC).

“O governo precisa fazer uma apuração mais cirúrgica, mas precisa dessas emissões com a melhor informação disponível que a gente entende que são essas imagens satélites”, completa o executivo, que também é vice-presidente do Global Waste to Energy Research and Technology Council (WtERT).

Recentemente, a Agência Ambiental Americana (EPA, na sigla em inglês), analisando 396 aterros sanitários, revelou que 61% do metano gerado por resíduos alimentares depositados não é capturado nos aterros.

Para cada mil toneladas de resíduos alimentares depositados em aterros, estima-se que 34 toneladas métricas de metano são liberadas na atmosfera, diz o documento.

“Sendo que nos Estados Unidos, apenas 20 % da fração é orgânica, no Brasil pode chegar a 60%. Então, temos uma produção média de 3 vezes mais metano só pela quantidade de orgânicos no lixo”, ressalta Schmitke.

Incentivos ao waste-to-energy

O presidente da Abren defende que as opções mais viáveis para tratamento do composto orgânico, responsável pela emissão de metano, são a biodigestão e a combustão para geração de eletricidade, rota conhecida como waste-to-energy (WTE).

“Biodigestão é uma boa solução. Agora, pra você resolver o problema, tem que ser casado com a combustão”, afirma.

Schmitke explica que, para o Brasil alcançar suas metas de redução de metano, seriam necessárias 120 usinas de WTE.

Segundo levantamento da associação, existe viabilidade técnica para implementação de usinas waste-to-energy nas 28 regiões metropolitanas do Brasil, com mais de um milhão de habitantes, o que representa 47% do lixo urbano.

Contudo, Schmitke defende a necessidade de incentivos regulatórios, que passam pela estruturação financeira e garantia de financiamento.

“São tecnologias que precisam de estruturação financeira e de garantias. Se você não tiver uma estrutura de concessão de 30 anos, pelo menos, não tem como implementar essas tecnologias no Brasil”

E critica a falta de participação dos estados no debate, na criação de consórcios entre municípios que viabilizem economicamente os projetos. “Os estados podem criar blocos regionais, como fez Goiás”, exemplifica.

No Congresso Nacional, o tema da recuperação energética ficou de fora da pauta verde que antecedeu a COP28 e ficou para 2024.

Tramitam na Câmara, o Programa Nacional da Recuperação Energética no PL 924 de 2022 de autoria de Geninho Zuliani (União/SP) e Danilo Forte (União/CE), e no Senado, o PL 1202 de 2023, de autoria Jader Barbalho (MDB/PA), que está desde maio na Comissão de Meio Ambiente, sob relatoria senador Giordano (MDB/SP).

“Enquanto o governo não acordar para isso, a única solução que vamos ter no Brasil vai ser o aterro sanitário”, conclui Schmitke.