A comitiva brasileira na COP28 deixou a sua marca e se posicionou como um país do futuro no âmbito da transição energética. O presidente Lula, com a costumeira eloquência, vestiu uma capa verde e mostrou-se muito preocupado com o futuro do planeta.
Queria ser tão otimista quanto os políticos em Dubai, mas me deparei estas semanas com o “Production Gap Report 2023”, cuja 4ª edição foi lançada estrategicamente antes do início da COP28.
Desde 2019, o relatório acompanha o desalinhamento entre a produção de combustíveis fósseis planejada pelos governos e os níveis de produção global necessários para limitar o aquecimento global a 1,5°C ou 2°C.
É elaborado mediante uma colaboração de várias instituições acadêmicas e de pesquisa de mais de 80 especialistas de 30 países, abrangendo o Norte e o Sul globais, e é apoiado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Mudanças Climáticas.
Infelizmente, o report é um soco no estômago de todos os governantes, que estiveram presentes ou não, na COP28.
Existe hoje ainda uma grande diferença entre o que os governos se comprometeram a fazer no acordo de Paris em 2015 para manter o aquecimento global em 1,5º C e o que está sendo realizado de verdade.
O relatório deixou bem claro que os esforços dos governos no mundo inteiro (sem exceções) precisam ser mais agressivos para a redução das fontes fosseis.
Uma pesquisa apontou que a soma de todas as emissões previstas durante a vida útil das instalações atuais e planejadas de exploração de fontes fósseis vai aumentar o risco de ultrapassar o limite de temperatura acordado em 1,5 C até 2100 para 50%.
Ou seja, mesmo sem a construção de novas plataformas ou minas de carvão e somente usando as instalações existentes e futuras no mundo inteiro vai ser bastante difícil manter o compromisso do Acordo de Paris.
Perante estes fatos, fica ainda mais difícil acompanhar o raciocínio do governo atual de, por um lado, promover a construção de energias renováveis e, de outro, querer explorar novos campos de óleo nas bacias do Amazonas.
Como se não estivessem ocorrendo mudanças climáticas ou houvesse um acordo de Paris, todos os governos, sem exceção, estão planejando explorar o dobro (!) da quantidade de fontes fosseis do que é necessário para honrar os compromissos do Acordo de Paris.
A produção de carvão continua subindo pelo menos até 2030 e de petróleo e gás até 2050! Os países preferem continuar explorando as fontes fósseis sem apresentar planos de redução de produção de carvão ou O&G apontando para a varinha mágica de CCS (Carbon Capture and Storage) como solução.
Uma “conversa para boi dormir” e enganar a população, permitindo a indústria de óleo & gás continuar criando lucros excessivos. Mesmo no Brasil, com tantas oportunidades de ser líder em energias renováveis, o relatório aponta um aumento significativo na exploração de óleo e gás.
Obviamente, houve alguns eventos globais, como a guerra na Ucrânia, aumentando a pressão para soluções imediatas, porém muitos países (entre eles o Brasil) estão promovendo o gás natural como uma tecnologia de transição, sem apresentar planos de sair deste caminho.
Uma transição sem um plano para o tempo que virá depois não pode ser chamada de transição, mas sim estratégia de fontes fosseis, o resto é marketing e greenwashing. As termoelétricas a gás natural com CCS não foram planejadas para serem desligadas daqui a 10 anos.
Investimentos precisam ter retorno, o que significa que a tecnologia veio para ficar por muito mais tempo, cimentando cada vez mais a exploração descontrolada de óleo & gás e tornando o argumento de tecnologia de transição ad absurdum…
Decisões drásticas
Fica então a questão: por que é tão difícil tomar decisões para a redução da emissão de carbono? O que precisa ser feito para virar a chave?
Os mais antigos certamente se lembram do buraco na camada de ozônio. Foi um problema que surgiu também nos anos 70, mais ou menos junto com o início da discussão sobre o efeito estufa.
A grande diferença é que, hoje, o problema está quase resolvido. As medições mostram que o buraco acima da Antártida já atingiu a sua extensão máxima e está em processo de fechamento.
Para chegar neste êxito, os governos tomaram decisões duras e proibiram a produção dos chamados CFCs rapidamente.
Um motivo para que isso acontecesse foi o fato de que o impacto da proibição era relativamente pequeno, tendo a indústria desenvolvido rapidamente outros produtos para substituir os CFCs. Não houve quase nenhum impacto para o estilo de vida da população.
Mas a maior razão foi psicológica e ajudou no apoio da população para as medidas mais drásticas. O efeito da redução da camada de ozônio causou medo na população. O medo de não poder mais curtir a praia como sempre e o aumento de risco de desenvolver câncer de pele foi suficiente para que os governos rapidamente agissem e proibissem os CFCs.
Infelizmente, com o problema da mudança climática, estamos chegando no mesmo ponto. Ameaças diretas para o dia a dia das pessoas. As notícias sobre a seca na Amazônia ou as enchentes no Rio Grande do Sul já estão criando ameaças para que a população em geral comece a se interessar por soluções da transição energética, tirando os políticos e governantes da zona de conforto.
Brasil pode ser atrativo para indústrias verdes
Aqui no Brasil, além de mostrar os efeitos negativos, temos ainda a vantagem de poder trazer uma alternativa altamente positiva e mostrar as grandes oportunidades de desenvolvimento socioeconômico que podemos ter em gerar hidrogênio verde e atrair indústrias verdes para o país.
As discussões recentes sobre subsídios para hidrogênio verde mostram que a frase “it’s all about money” também vale para o mundo político.
As entidades que lidam com o tema precisam mostrar mais explicitamente quais são os ganhos que a sociedade terá quando investir fortemente, e mesmo radicalmente, na transição energética.
Pesquisas mostram que o ganho pode ser bem maior do que insistir nos incentivos para a indústria fóssil.
- Opinião: Mesmo dependente do óleo, Brasil emerge como potencial liderança em hidrogênio, devido aos seus recursos naturais abundantes, escreve Paula Padilha Cabral
Falta coragem política para mudar o rumo do Brasil que ainda aposta na segurança energética baseada em fontes fosseis para um país que, além de liderar a transição energética global, pode se beneficiar com investimentos de trilhões de reais em uma indústria para produzir produtos de mais valor agregado e menos pegada de carbono.
O relatório completo pode ser acessado em: https://productiongap.org/2023report.
Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.
Ansgar Pinkowski foi diretor de transição energética e sustentabilidade da AHK Rio e fundou a Agência Neue Wege, consultoria que apoia empresas para realizar projetos de transição energética e hidrogênio verde no Brasil e na Europa.