A COP28 dos Emirados Árabes já entra para a história como a Conferência das Partes que apresentou diretrizes mais precisas para o enfrentamento das mudanças climáticas. Ainda que sob fortes críticas, a última versão do Primeiro Balanço Global do Acordo de Paris (First Global Stocktake) reafirma a solidez dos recentes estudos científicos que concluem que a ação humana foi causa determinante para o aquecimento médio global, que é da ordem de 1,1°C, e cujos efeitos deletérios já podem ser sentidos em todas as regiões do planeta.
O relatório assinala que conservar, proteger e restaurar os ecossistemas terrestres e marinhos é o caminho de sucesso prospectado para se alcançar o objetivo de manter o aquecimento global em menos de 2°C.
A ação humana traduz-se no crescimento populacional, na urbanização acelerada e na intensificação das atividades econômicas com base em sistemas integrados de infraestrutura, que exigem grande consumo energético, sobretudo de fontes ofertadas pela indústria fóssil, amplificando a pressão sobre os recursos naturais e elevando a urgência da adoção de práticas econômicas de menor intensidade de carbono.
Hoje, os sistemas de infraestrutura respondem por 79% das emissões globais de gases de efeito estufa. A nova economia, ou nova ordem econômica mundial verde, que substitui processos produtivos de grande emissão de gases de efeito estufa, exige pesados investimentos em tecnologias e infraestrutura sustentáveis, que podem, em contrapartida, gerar um aumento de 4% ao ano do Produto Interno Bruto (PIB) global até 2030.
Esses dados demonstram a importância de destinar olhares à infraestrutura sustentável, a fim de torná-la uma realidade cada vez mais evidente. Dentre as tecnologias e caminhos tecnológicos descarbonizadoras estão a eletrificação do que for eletrificável, o uso do hidrogênio verde nos processos produtivos em substituição aos vetores fósseis e o incremento da geração de energia eólica e solar.
Segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA), a modernização desses sistemas, por meio da adoção de fontes limpas e eficientes de energia e a substituição gradual dos processos produtivos de alta intensidade de carbono pode representar o cumprimento de 92% das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
A IEA prevê que 70% da necessidade de infraestrutura necessária para a transição energética está nos países em desenvolvimento. Contudo, a transição para sistemas sustentáveis de infraestrutura enfrenta um obstáculo significativo: o alto custo inicial.
A necessidade premente da adoção de novos processos produtivos ecoeficientes de baixo carbono, que traga para baixo as emissões por quilo, tonelada ou barril produzido, confronta-se não só com desafios financeiros substanciais, mas com comprometimento de longo prazo.
Fundos e compromissos climáticos
O Primeiro Balanço Global do Acordo de Paris enfrenta essas questões de forma mais incisiva, embora contida, mas suficiente para validar os mecanismos e instrumentos de descarbonização da economia desenvolvidos nas conferências desde o Acordo de Paris.
O documento (.pdf) permite concluir que a chave para destravar a transição energética e econômica e enfrentar as emergências climáticas é a atuação preponderante do sistema financeiro.
O texto ressalta que os fundos climáticos provenientes dos compromissos firmados por países, entidades privadas e filantropos, combinados com políticas públicas eficiente e estabilidade regulatória conferida pelos estados, podem viabilizar essa transição para um modelo mais equilibrado e harmonioso, assegurando um futuro mais sustentável para as gerações vindouras.
Em resumo, respeitando as circunstâncias nacionalmente diferenciadas dos signatários, os esforços para o enfrentamento do aquecimento climático relacionados à transição energética deverão se concentrar em:
- triplicar a capacidade de oferta de energias renováveis e duplicar a eficiência energética até 2030;
- descomissionar usinas de carvão e acelerar os investimentos em sistemas energéticos de baixo carbono, permitindo a transição energética de forma equilibrada e segura;
- acelerar a redução das emissões de metano; reduzir as emissões por meio da célere adoção de novas modais de transporte carbono zero ou de baixa emissão de carbono;
- e, por fim, abandonar subsídios ineficientes à indústria fóssil que não sejam direcionados para a eliminação da pobreza energética.
Vale o destaque que os subsídios aos fósseis somaram sete trilhões de dólares em todo mundo em 2022, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o que carece, por si só, de no mínimo, de reengenharia financeira para melhor distribuição dos recursos.
Outros temas prioritários em destaque no documento referem-se à utilização responsável dos recursos hídricos, produção de alimentos de modo sustentável e regenerativo, medidas de erradicação da pobreza, investimentos em infraestrutura e cuidados com comunidades tradicionais e vulneráveis.
Recursos financeiros já estão aí
O Balanço Global deixa claro que existem recursos financeiros suficientes para suprir o investimento em projetos sustentáveis de mitigação e de adaptação climáticas. No entanto, é urgente a necessidade de implementar novos arranjos regulatórios e institucionais, como destacado no documento.
Organizações internacionais, entre elas o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, bancos multilaterais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), os Bancos Centrais, os Fundos públicos dos Governos nacionais e as agências reguladoras desempenham, em conjunto, um papel crucial na redução das barreiras e no direcionamento dos recursos para os projetos climáticos e da transição energética.
Essas instituições não apenas oferecem linhas de crédito, mas também apoiam iniciativas alinhadas com as necessidades específicas de cada localidade.
De fato, para garantir o sucesso dessas empreitadas, as políticas públicas desempenham um papel crucial. Estabelecer um ambiente regulatório sólido é fundamental para atrair investidores, proporcionando segurança jurídica e estabilidade.
Além disso, outros mecanismos devem ser incentivados pelos países signatários, como incentivos fiscais, promoção da autorregulação e adoção de protocolos de boas práticas, além do reconhecimento para empresas que adotarem a autorresponsabilidade corporativa e, proativamente, substituírem seus processos produtivos de alta intensidade de carbono por práticas sustentáveis.
Este artigo expressa exclusivamente a posição das autoras e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.
Fernanda Delgado é Diretora Executiva da ABIHV (Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde), professora na FGV e co-criadora dos projetos “Sim, Elas Existem!” e “EmpodereC”.
Cácia Pimentel é Coordenadora Executiva do Centro Mackenzie de Políticas Públicas e Políticas de Integridade e Pesquisadora Líder do Núcleo de Energia, Sustentabilidade e Regulação; Doutora em Direito Político e Econômico; Visiting Scholar na Columbia University; Mestre em Direito pela Cornell University.