Energia

A hora e a vez da eficiência energética

A sustentabilidade da nossa matriz não pode seguir prescindindo de uma maior atenção para a eficiência energética, escreve Luiz Augusto Horta Nogueira

A hora e a vez da eficiência energética na matriz brasileira. Na imagem: Foto de edifício com seis janelas e ar-condicionado embaixo de cada uma delas (Foto: Pixabay)
(Foto: Pixabay)

Vivemos tempos bem interessantes no mundo da energia. Fala-se em eletrificação, hidrogênio e descarbonização das matrizes energéticas, capazes de trazer grandes impactos nos sistemas energéticos.

No ano passado, mesmo com o parcial retorno ao carvão em substituição ao gás natural na Europa, as fontes renováveis responderam por 90% da expansão global na geração de eletricidade em 2022.

O sultão Ahmed Al-Jaber, da empresa de petróleo de Abu Dhabi, uma das maiores do mundo, e presidente da COP 28, a realizar-se a partir de novembro em Dubai, afirmou ser necessário triplicar a produção de energia renovável e dobrar a produção de hidrogênio até 2030 para acelerar a transição energética.

Mais que tempo de mudanças, uma mudança de tempos. No Brasil, entretanto, estamos quase exclusivamente focados na produção, na oferta de energia. A racionalidade no consumo tem sido lembrada apenas nas crises.

A rigor, toda energia que utilizamos vem do subsolo, como o petróleo e o gás natural, ou de fluxos naturais, como a radiação solar, o ciclo hidrológico e os ventos, sendo coletada e transformada em combustíveis e eletricidade e finalmente disponibilizada para consumo, convertida em formas úteis de energia, como movimento, iluminação e calor.

Por isso, os sistemas energéticos modernos são complexas e diversificadas redes com diversos componentes, desde usinas hidrelétricas, centrais solares e refinarias, sempre partindo da natureza até alcançar os consumidores, tipicamente nos medidores de consumo de energia elétrica e nas bombas de abastecimento nos postos de combustível.

Mesmo nos sistemas descentralizados e de autoprodução, é fácil identificar as etapas de coleta de energia e seu uso final.

E muito importante, ao longo de seu caminho, desde a natureza, ao ser transformada e transportada, existem perdas energéticas relevantes, que respondem por mais da metade da energia obtida da natureza, perdas que em muitos casos podem ser evitadas.

De fato, especialmente em sua fase de uso final, sem afetar o efeito útil pretendido, o consumo de energia pode diminuir mediante a redução das perdas, pela utilização de tecnologias eficientes, como as lâmpadas LED, e adoção de práticas racionais de uso, como o uso de iluminação natural e desligando as lâmpadas quando não necessárias.

A economia de energia pelos consumidores se traduz em menor consumo ao longo do sistema energético e por isso, em todos os países desenvolvidos, se observam políticas públicas ativas e ações promovendo a eficiência energética, com vantagens econômicas e ambientais, informando e orientando como usar bem a energia, sem desperdícios e com inteligência.

A experiência brasileira

O Brasil tem uma larga experiência na promoção da eficiência energética, as vezes também chamada de conservação de energia.

Em 1985, o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica, o Procel, foi criado pelos ministérios de Minas e Energia e da Indústria e Comércio, e colocado sob a condução da Eletrobras, com subprogramas nos setores residencial, industrial, edificações, e ações como o Selo Procel, que identifica os equipamentos mais eficientes.

Complementa o Selo Procel o Programa Brasileiro de Etiquetagem do Inmetro, que classifica o desempenho dos equipamentos.

Esses programas têm sido avaliados periodicamente, se estimando que em 2022 o Procel possibilitou economizar cerca de 22 bilhões de kWh, suficientes para abastecer mais de 11 milhões de residências durante um ano.

Com a privatização da Eletrobras, o Procel continua sob responsabilidade do MME, abrigado na Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional, ENBPar, com um quadro reduzido de pessoal e a relevante responsabilidade de gerir o Plano de Aplicação de Recursos (PAR) estabelecido pela legislação federal

O PAR conta com 20% dos recursos que as concessionárias de distribuição de energia elétrica devem aplicar compulsoriamente em eficiência no uso final de eletricidade, 0,5% de sua receita líquida anual.

Em 2022, os recursos devidos significaram R$ 225 milhões. Como um todo, sob acompanhamento da Aneel, estão assegurados recursos superiores a um bilhão de reais por ano para promover a eficiência energética.

Também cabe mencionar o Programa Nacional de Racionalização do Uso dos Derivados de Petróleo e do Gás Natural (Conpet), criado em 1991 e colocado sob a gestão da Petrobras.
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Entre outras ações, junto com o Inmetro, promoveu a etiquetagem veicular, com dados de eficiência energética, consumo, autonomia e emissão de gases de todos os carros de passeio, picapes e utilitários a venda no Brasil, e fogões e aquecedores a gás.

Entretanto, apesar de sua importância e realizações, esse programa foi perdendo interesse para a Petrobras e recentemente foi devolvido ao MME, onde ainda está inativo, exceto os programas de etiquetagem, preservados pelo Inmetro.

Eficiência é a primeira resposta

Temos assim um quadro que merece atenção, com desafios e oportunidades. A baixa prioridade e atual desarticulação das iniciativas do governo brasileiro em favor da eficiência energética destoam frente às nossas necessidades e com o panorama global.

A Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) enfatiza que o uso mais eficiente da energia é a “primeira e melhor resposta para avançar na transição energética, visando enfrentar os desafios de acessibilidade energética, segurança energética e mudança climática”.

Felizmente, o Brasil conta com um adequado arcabouço legal, larga experiência e pessoal capacitado, mais que suficientes para levar adiante um programa efetivo e abrangente de fomento à eficiência energética, que poderá melhorar a competitividade de nossa indústria e a qualidade de nosso ambiente.

Certamente esse é o momento de elevar a prioridade da eficiência energética no governo federal e considerar a criação de uma agência ou órgão similar, possivelmente no âmbito do MME, reunindo os propósitos e consolidando as ações do Procel e Conpet, articulada com a EPE e o Inmetro, com metas e recursos bem definidos.

Uma pauta de metas e ações está disponível, como ponto de partida, nos estudos para o Plano Decenal de Eficiência Energética (PDEF), concluídos em 2020.

Como em outros países, essa agência poderá dar a necessária visibilidade à eficiência e permitir ao governo federal atuar de forma integrada em temas que não podem nem devem ser tratados segmentados.

Esse é o caso do apoio à cogeração, que envolve os setores elétrico e de combustíveis, e a inserção no nascente mercado de carbono, onde projetos de eficiência energética permitem obter os menores custos na redução das emissões.

Outro aspecto relevante a ser tratado é a comunicação e esclarecimento do grande publico, que merece ser informado e orientado.

A sustentabilidade de nosso sistema energético não pode seguir prescindindo de uma maior e, consequente, atenção para a eficiência energética.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.

Luiz Augusto Horta Nogueira é professor da Universidade Federal de Itajubá, doutor em Engenharia Mecânica (Unicamp). Ex-diretor da ANP, é pesquisador e consultor com passagem em entidades internacionais, entre elas FAO, Cepal e outras agências das Nações Unidas.