Por Edmar de Almeida
Neste mês de março a Petrobras divulgou o resultado financeiro do ano de 2017. A empresa reportou um prejuízo de R$446 milhões. Apesar de pequeno quando comparado com as perdas dos anos anteriores, este novo prejuízo é desanimador. Trata-se do quarto ano de perdas da companhia. Os prejuízos acumulados nestes últimos quatro anos somam quase 80 bilhões de reais a preços de 2018. Durante este período de ajuste econômico, os acionistas não receberam dividendos. Entretanto, os credores da empresa receberam muito dinheiro. A Petrobras se tornou uma ótima fonte de juros para os detentores da dívida da empresa. Nos últimos quatro anos, a Petrobras pagou cerca de 85 bilhões de reais em juros da dívida. Ou seja, boa parte do valor gerado pela empresa acabou sendo apropriado pelos credores dos quase R$360 bilhões da dívida bruta da empresa.
Os números acima chamam a atenção para o seguinte problema. O ritmo do processo de ajuste da Petrobras é importante. Quanto mais tempo levar para a Petrobras realizar sua reestruturação econômica, mais os credores serão beneficiados em detrimento dos acionistas, inclusive o Governo Federal. Nos últimos quatro anos, a Petrobras pagou em média cerca de 6,7 bilhões de dólares anuais de juros da dívida. Para efeito de comparação, as quatro maiores empresas privadas de petróleo do mundo (Exxon, Shell, BP e Chevron) pagam em média US$ 1,3 bilhões de juros por ano. Ou seja, a Petrobras vem pagando cinco vezes mais juros que suas concorrentes internacionais. Se a empresa passar mais seis anos pagando este patamar de juros terá transferido para os credores a assombrosa soma de cerca de 67 bilhões de dólares.
É importante ressaltar que ao mesmo tempo em que a Petrobras é a empresa petroleira de capital aberto mais endividada no mundo, é também a empresa que detém o maior potencial de crescimento da produção de petróleo. Ou seja, a fragilidade financeira da Petrobras apresenta um enorme custo de oportunidade não apenas para os acionistas da empresa, mas também para o país. Se os cerca de US$5 bilhões de juros pagos a mais que as concorrentes fossem investidos na produção, seria o suficiente para colocar uma plataforma a mais no Présal produzindo cerca de 150 mil barris/dia todo ano. Ou seja, o nível atual de endividamento da Petrobras atrasa seu crescimento potencial de forma muito significativa.
Evidentemente, que a Petrobras não planeja continuar pagando patamar de juros no longo prazo. A empresa está tentando se reestruturar e reduzir a dívida o mais rapidamente possível. Esta reestruturação passou pela forte redução dos investimentos, de quase US$ 50 bilhões em 2013 para cerca de US$ 14 bilhões em 2017 e um enorme esforço de redução de custos. O custo de extração do barril na área do pré-Sal passou de US$ 14 o barril em 2014, e no segundo trimestre de 2017 ficou abaixo de US$ 7. Em 2014 a empresa lançou o Programa de Incentivo ao Desligamento Voluntário (PIDV) através do qual quase 14.000 colaboradores se desligaram.
Outra ação importante da Petrobras foi realizar um processo de ajuste no seu balanço para ganhar credibilidade no mercado em relação ao real valor dos ativos da empresa. A Petrobras realizou ajustes e baixa de ativos que atingiram o montante de R$ 160 bilhões de reais. Estas baixas refletem perdas no valor dos ativos por corrupção, má gestão dos investimentos e queda do preço do petróleo. Com os ajustes acima mencionados, falta agora reduzir a dívida da empresa para que a Petrobras esteja pronta para voltar a ter lucro e crescer rapidamente.
A estratégia apresentada pela Petrobras para reduzir o nível do endividamento é uma forte reestruturação patrimonial através de um ambicioso plano de venda de ativos. Em 2015, a Petrobras anunciou um plano de reestruturação e desinvestimentos de US$57,7 bilhões até 2019. Deste total, a empresa conseguiu implementar US$ 18,3 bilhões até o fim de 2017.
Este plano vem enfrentado vários obstáculos para ser implementado, o que vem atrasando o processo de desalavancagem da empresa. Um dos obstáculos é o atual contexto econômico nacional, com grandes grupos econômicos nacionais em uma situação financeira bastante complicada. Em particular, as grandes empreiteiras nacionais, que haviam começado a investir de forma importante no segmento de óleo e gás, enfrentam grandes dificuldades econômicas e não estão em condições de comprar novos ativos no setor. Pelo contrário, estas empresas estão vendendo suas participações. Outro desafio importante é o baixo preço do petróleo que reduz a atratividade de uma parte dos ativos do setor.
Existem também barreiras políticas e burocráticas muito importantes. O processo de venda de ativos sofreu um importante atraso em função da contestação da metodologia de venda de ativos pelo TCU. A empresa chegou a um acordo com o TCU em 2017, e o processo de venda de ativos foi retomado. Entretanto, o processo enfrenta uma forte oposição dos sindicatos e governos locais. Estes atores têm conseguido dificultar a venda de ativos através da judicialização do processo. A praticamente a cada transação, a Petrobras e as empresas adquirentes devem enfrentar processos judiciais que buscam paralisar o plano de desinvestimento.
Por fim, vale ressaltar que existe um obstáculo importante associado à política energética. O valor dos ativos da Petrobras em vários segmentos (térmicas, gás natural, refinarias e campos maduros) depende muito da política setorial. O Governo Federal lançou um ambicioso programa de reformas buscando criar um ambiente de negócios competitivo, mais aberto ao investimento privado: reforma da indústria do gás natural (Programa Gás para Crescer); reorganização do mercado de combustíveis (Programa Combustíveis Brasil); promoção da exploração em terra (Programa Reate); e reforma do setor elétrico. Entretanto, o ambiente político do país dificulta o andamento do processo de reforma. Muitos investidores aguardam o andamento destas iniciativas para se posicionarem em relação ao plano de investimento da Petrobras.
O ajuste e a desalavancagem da Petrobras não depende apenas das estratégias da empresa. Vai depender também da evolução da política energética e regulação setorial. Neste sentido, é fundamental que as autoridades energéticas e os agentes políticos se conscientizem da importância para o país da rápida recuperação da Petrobras. Quanto maior a demora na redução da dívida da Petrobras, maior será o atraso no aproveitamento do potencial econômico do Présal. Além disto, uma Petrobras forte e com boa saúde financeira é o melhor caminho para promover os interesses nacionais na nova geopolítica do petróleo que se desenha.