No dia 14 de julho, o grupo Latam recebeu, no Brasil, o primeiro avião de sua frota abastecido com combustível sustentável de aviação (SAF). A aeronave A320neo partiu de Toulouse (França), com 30% de SAF de óleo de cozinha usado misturado ao querosene de petróleo, e aterrissou em Fortaleza (Ceará).
O voo marcou o início da transição da companhia aérea para combustíveis mais sustentáveis.
A Latam espera ter pelo menos 31 aviões da família A320neo em operação até o final de 2023 e mais de 100 até 2030. Atualmente, o grupo opera 1.500 voos diários para 147 destinos em 24 países.
A iniciativa faz parte do compromisso da empresa em alcançar 5% de uso de SAF até 2030 e alcançar a neutralidade de carbono até 2050.
Já a GOL Linhas Aéreas iniciará em setembro uma operação piloto de compensação por meio do sistema book & claim, que permite a aquisição créditos de carbono gerados por outras empresas que já utilizam SAF.
Foi a alternativa encontrada pela companhia aérea brasileira para compensar as emissões de suas operações enquanto o Brasil não desenvolve uma cadeia produtiva para o novo combustível.
Mas afinal, que combustível é esse? A seguir você vai ver:
- O que é SAF
- Por que as empresas aéreas estão adotando esse combustível?
- Os tipos de SAF e suas matérias-primas
- O tamanho do mercado
- O potencial do Brasil
O que é SAF
Os combustíveis sustentáveis de aviação são produtos drop-in, isto é, idênticos ao querosene fóssil na molécula, porém, derivados de biomassa, resíduos ou mesmo hidrogênio e CO2, o que faz com que sua pegada de carbono seja até 80% menor em relação ao similar de petróleo.
O fato de ser drop-in é importante para garantir que os fabricantes não precisem redesenhar motores ou aeronaves e que fornecedores de combustível e aeroportos não precisem construir novos sistemas de entrega de combustível, o que pode ser necessário para alternativas como hidrogênio ou eletrificação, explica a Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, em inglês).
Atualmente, a única rota fornecendo SAF em escala comercial é a de Ácidos Graxos e Ésteres Hidroprocessados (HEFA, em inglês), que utiliza óleos e gorduras.
E ela deve continuar predominante nos próximos dez a quinze anos, até que as de querosene parafínico sintético (FT-SPK) e de alcohol-to-jet (ATJ) ganhem mercado.
Essas são as três rotas de produção mais conhecidas, mas a ASTM (órgão estadunidense de normatização usado como referência no mundo todo) reconhece sete rotas para a aviação, ao todo.
A padronização é importante porque a aeronave precisa ser abastecida em qualquer lugar do mundo com combustíveis confiáveis – afinal, no céu não tem acostamento.
Por que as empresas aéreas estão adotando esse combustível?
De acordo com a Organização Internacional de Aviação Civil (Icao), mais de 360 mil voos comerciais já usaram o SAF em 97 aeroportos diferentes, concentrados principalmente nos Estados Unidos e na Europa.
Responsável por 2% das emissões globais de gases de efeito estufa, o transporte aéreo está no grupo de setores considerados mais difíceis de descarbonizar. A substituição do querosene fóssil por sustentável foi identificada pelos operadores como estratégia fundamental para reduzir de forma significativa as emissões de CO2.
A Iata estima que, para ser net zero até 2050, 65% das reduções do segmento devem vir do uso de SAF.
Só que o produto de baixo carbono custa, em média, duas a quatro vezes mais que o querosene fóssil – e o combustível responde por cerca de 40% do custo das operações.
De acordo com a associação, serão precisos US$ 5 trilhões em investimentos, ou US$ 178,6 bilhões por ano entre 2023 e 2050 para descarbonizar o transporte aéreo.
Para alinhar a indústria nessa rota de descarbonização, a aviação civil internacional firmou um compromisso (Corsia) de chegar a 2050 com emissões líquidas zero, com metas de utilização de SAF já a partir de 2027.
Os tipos de SAF
HEFA
A sigla em inglês significa Ésteres e Ácidos Graxos Hidroprocessados. Essa rota de produção utiliza óleos e gorduras como matéria-prima, como de soja, palma e algas.
Nos países europeus, onde já existem mandatos para o uso de SAF, a produção foca em matérias-primas residuais, como óleo de fritura usado e gorduras animais descartadas por frigoríficos.
O limite de mistura aprovado internacionalmente para o SAF HEFA no querosene convencional é de 50%.
Em 2020, a ASTM aprovou também a HC-HEFA, um outro processo para fabricação do biocombustível com óleo de algas Botryococcus braunii, uma espécie de alto crescimento. Nesse caso específico, o limite de mistura é 10%.
ATJ
O querosene parafínico sintético de álcool para jato, ou alcohol-to-jet, consiste na conversão de biomassa celulósica, isto é, cana de açúcar e palha de milho, em etanol e sua transformação em um combustível drop-in por meio de uma série de reações químicas – desidratação, hidrogenação, oligomerização e hidrotratamento.
A ASTM aprovou em abril de 2016 para isobutanol e em junho de 2018 para etanol com um limite de mistura de 30%.
FT-SPK
A rota Fischer-Tropsch (FT) de querosene parafínico sintético (SPK) usa resíduos sólidos urbanos, resíduos agrícolas e florestais, ou energia para conversão em um gás de síntese.
Em seguida, uma reação de síntese de Fischer-Tropsch converte o gás em combustível de aviação. É a rota utilizada, por exemplo, para converter biogás em SAF.
É aqui também que entra o eSAF, derivado de hidrogênio verde e CO2.
Dióxido de carbono capturado do ar, ou de fontes biogênicas ou industriais, e hidrogênio obtido a partir da eletrólise com energia renovável são convertidos em monóxido de carbono e água.
A síntese FT transforma o hidrogênio e o monóxido de carbono em uma espécie de petróleo bruto sintético que pode ser atualizado para diferentes combustíveis, incluindo eSAF.
Atualmente, a ASTM certifica o uso de até 50% desses tipos de SAF com o querosene de petróleo.
Isoparafinas Sintetizadas (SIP)
O SIP foi aprovado pela ASTM em julho de 2014, para misturas de até 10%. Significa a conversão microbiana de açúcares em hidrocarbonetos. As matérias-primas vão desde biomassa celulósica como a palha de milho até resíduos de gordura, óleo e graxas pré-tratados.
Hidrotermólise catalítica (CHJ)
No processo CHJ (também chamado de liquefação hidrotérmica), o óleo residual é limpo e combinado com água de alimentação pré-aquecida e depois encaminhado para o reator de hidrotermólise catalítica.
A tecnologia permite o uso de uma variedade de matérias-primas à base de triglicerídeos, como óleo de soja, pinhão manso, camelina e carinata. Foi aprovada pela ASTM em fevereiro de 2020 com um limite de mistura de 50%.
Coprocessamento FOG e FT
Seja usando gorduras, óleos e graxas (FOG) ou biocrude (um biocombustível líquido produzido por liquefação de biomassa semelhante ao petróleo), o coprocessamento é feito nas refinarias junto com o petróleo bruto e resulta em um querosene com conteúdo renovável.
A ASTM aprova o coprocessamento de 5% com óleo bruto de petróleo para produzir SAF.
O tamanho do mercado
Estudo do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) aponta que a indústria de combustível sustentável de aviação (SAF, em inglês) deve alcançar 449 bilhões de litros até 2050.
Em 2022, a produção chegou a pouco mais de 300 milhões de litros.
“O desafio é enorme, pois o mundo levou 20 anos para desenvolver uma indústria de biocombustíveis de base terrestre (biodiesel e etanol) de 165 bilhões de litros e, em pouco menos de 30 anos, terá que construir uma indústria quase três vezes maior”, diz a organização.
O potencial do Brasil
Diferente dos países europeus – mais avançados na produção de SAF –, o Brasil tem matéria-prima de sobra, mas ainda não tem a infraestrutura. E o mercado pressiona por uma regulação que indique que será viável instalar biorrefinarias aqui.
De acordo com um mapeamento da RSB (Roundtable on Sustainable Biomaterials), o potencial para produção de SAF a partir de resíduos da cana chega a 9 bilhões de litros, na rota ATJ, e mais 3,2 bilhões de litros com outros insumos pela FT.
O suficiente para cobrir toda a demanda atual de querosene no país (7,2 bilhões de litros) e volume extra para exportar.
Amanda Gondim, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e coordenadora da Rede Brasileira de Bioquerosene (RBQAV), explica que o principal gargalo, hoje, é o Capex alto – instalar uma biorrefinaria custa, pelo menos, US$ 1 bilhão.
“Ninguém faz um investimento de US$ 1 bilhão se não se sentir seguro”.
Para Gondim, o projeto de lei construído pelo grupo de trabalho do Combustível do Futuro, ao trazer a obrigação de reduzir emissões com uso de SAF, é um caminho para dar essa segurança ao investidor.
Investimentos no Brasil
Por enquanto, há três anúncios de investimentos em escala em território brasileiro.
A Petrobras incluiu o biorrefino no seu planejamento, com meta de produção de 6 mil barris/dia de diesel renovável e outros 6 mil barris/dia de bioQAV. Prazos não foram detalhados.
Já a BBF anunciou em abril do ano passado uma biorrefinaria na Zona Franca de Manaus (AM). A matéria-prima será o óleo de palma produzido pela BBF no interior de Roraima.
Com investimentos estimados em cerca de R$ 2 bilhões, inicialmente serão produzidos 500 milhões de litros de biocombustíveis por ano a partir do primeiro trimestre de 2025, de acordo com as espectativas da empresa e será flexível. Atualmente, a Vibra é a cliente exclusiva do projeto.
O terceiro empreendimento é da Acelen, na Bahia. A refinaria de petróleo assinou um memorando de investimentos com o governo estadual para investimentos de R$ 12 bilhões em biorrefino a partir da infraestrutura existente de Mataripe.