BRASÍLIA – Em meio à discussão sobre propostas para o gás natural, colocada por atores do governo como uma das agendas prioritárias da política energética do país, há divergências sobre quais são os melhores caminhos para se chegar a uma maior oferta de gás — mais barato — para a indústria.
O ponto principal de discordância está na destinação final do gás que será ofertado pelo programa Gás para Empregar — e sobre como viabilizar essa oferta.
Um “carimbo” do gás da União para a indústria de fertilizantes, ideia presente em declarações do ministro Alexandre Silveira (PSD), é visto como inexequível por entidades representativas do segmento.
- Os pilares do Gás para Empregar: elevar os volumes de gás da União disponíveis para comercialização por meio da PPSA; reconhecer investimentos em infraestrutura como custo em óleo, no regime de partilha; e ofertar o gás natural em leilões de longo prazo, viabilizando, assim, a expansão da infraestrutura.
- Inicialmente, o MME apresentou ao governo uma minuta de medida provisória para fazer as alterações legais necessárias: autorizar o swap e o reconhecimento de custos. O programa deve ser proposto por meio de projeto de lei e contar com detalhes adicionais.
O Ministério de Minas e Energia (MME) entende que seria possível vender o gás natural da União, no city-gate (ponto de entrega às distribuidoras), entre US$ 7 e US$ 8 por milhão de BTU, com ganhos de arrecadação para o Fundo Social do Pré-Sal.
Choque de visões e algum consenso: faltam gasodutos
O governo federal herdou as diretrizes do Novo Mercado de Gás, que começou a ser desenhado no governo de Michel Temer (MDB): ampliar o mercado livre, com alinhamento entre legislações federais e estaduais; e redução da presença da Petrobras no setor.
As visões se dividem, em linhas gerais, entre a oferta de gás natural mais barato para a indústria instalada e o direcionamento para bancar investimentos em nova capacidade de produção de fertilizantes, produtos químicos e movimentação e processamento de gás natural.
Há algum consenso: o gás natural no Brasil é caro e falta infraestrutura. Hoje, o Gás para Empregar traz uma solução que agrada agentes que até pouco tempo eram contrários a destinar dinheiro público para a construção de gasodutos.
Prevê o reconhecimento dos custos da nova infraestrutura nos contratos de partilha do pré-sal. Assim, diferentemente de iniciativas passadas (as versões do Brasduto), o custo não recairia sobre as tarifas de transporte ou energia — caso da âncora térmica.
Levar esse gás novo até onde?
Mas para por aí. Consumidores com uma demanda adormecida por gás natural defendem que usar esses recursos para o escoamento do gás natural mais barato até a costa já é suficiente – e mais eficiente para o desejo do governo Lula de reindustrialização do país.
Nas conversas entre agentes e o governo está presente o argumento do bônus ambiental — ou seja, substituir combustíveis mais poluentes e de maior emissão de gases do efeito estufa (GEE) pelo gás natural.
O Gás para Empregar pretende viabilizar leilões de gás natural da União, acrescidos de volumes adicionais por meio da permuta (swap) pelo óleo destinado à comercialização pela PPSA.
- Pelas previsões atuais, a parcela de gás natural da União alcançará um pico de 3,2 milhões de m³/dia de gás natural em 2029 – hoje, mal passa dos 200 mil m³/dia. É pouco e, para isso, o óleo será usado na permuta – PPSA terá 3 milhões de m³/dia de gás natural para comercialização em 2029.
Hoje há dois grandes grupos envolvidos nas articulações: o Fórum do Gás, hoje coordenado pela Abrace (grandes consumidores industriais) e a Coalizão pela Competitividade Gás Natural (CCGNMP), liderada pela Abemi (engenharia industrial).
Do Fórum do Gás, vem a defesa do mercado livre, sem seleção de setores industriais – seria uma forma mais eficiente de antecipar efeitos econômicos, com um choque de competitividade para a indústria doméstica.
Da Coalizão, um programa estratégico de país, de redução da dependência de fertilizantes, com o valor agregado da indústria química e a expansão do acesso ao gás natural. A Abiquim (química) faz a coordenação técnica.
Defendem também aplicações em transportes e a geração térmica.
Um estudo foi contratado com os pesquisadores da PUC-Rio, Eloi Fernandez e Edmar Almeida. O material deve ser concluído dentro de dois meses e entregue aos ministros Geraldo Alckmin (PSB), da Indústria e Comércio; e Alexandre Silveira, no MME.
Abrace: leilão de gás de longo prazo
A Abrace, que representa empresas tanto do setor industrial, incluindo da química e fertilizantes, apresentou nesta semana ao MME propostas para um leilão de longo prazo.
O foco seria a entrada de novos campos, necessariamente vinculados a novas infraestruturas e plantas industriais, com vínculos de cinco a quinze anos – algo como um leilão A-5 dos moldes do setor elétrico.
É o formato que, segundo a associação, pode viabilizar investimentos mais robustos em infraestrutura como gasodutos para atender aos consumidores livres e termelétricas, por exemplo.
Colocam ainda como opção a criação de leilões para um mercado secundário estruturado de gás natural. A ideia é que outros agentes, como distribuidoras e comercializadoras, pudessem aderir e ofertar eventuais sobras de gás.
Citam a implementação do gas release, que está atualmente em avaliação pela ANP, e mecanismos de diminuir barreiras para aumentar o mercado de consumidores livres de gás.