Energia

Térmicas obrigatórias ameaçam competitividade de hidrogênio verde, indica estudo

Estudo da PSR aponta impacto de térmicas a gás natural previstas na lei da privatização da Eletrobras sobre certificação “verde” de mercado europeu

Térmicas obrigatórias ameaçam competitividade de hidrogênio verde, indica estudo. Na imagem: Usina piloto de hidrogênio verde, da EDP na UTE Pecém, Ceará (Foto: Thiago Gaspar/Governo do Ceará)
Usina piloto de produção de hidrogênio verde no Porto de Pecém (Foto: Thiago Gaspar/Governo do Ceará)

RIO – A contratação compulsória das termelétricas a gás natural, prevista na lei de privatização da Eletrobras, pode tirar a competitividade do hidrogênio verde brasileiro produzido com eletrolisadores a partir da energia fornecida pelo Sistema Interligado Nacional (SIN), segundo estudo feito pela PSR – Energy Consulting and Analytics.

O hidrogênio verde, propriamente dito, é obtido a partir de energia elétrica de fontes renováveis, como solar e eólica.

Segundo a PSR, as térmicas na base podem prejudicar a certificação de projetos baseados na energia fornecida pelo grid, a partir de 2027, o que demandará a contratação adicional de energia renovável.

Isso porque, pelos atuais critérios adotados pela União Europeia – possível mercado-âncora para os produtos a hidrogênio verde brasileiro – há uma exigência que a energia elétrica fornecida pelo grid seja, no mínimo, 90% da matriz renovável.

As especificações estão dentro do escopo dos combustíveis renováveis de origem não biológica (RFNBO, na sigla em inglês), definidas em fevereiro deste ano.

“Em 2027 é o momento que a matriz deixa de ser 90% renovável com o impacto das térmicas da Eletrobras e é também o momento em que começariam a entrar em operação os projetos de larga escala de hidrogênio verde no Brasil”, afirma Luana Gaspar, autora do estudo, à epbr.

Em 2022, as energias renováveis foram responsáveis por cerca de 92% do total de eletricidade gerada pelo SIN, de acordo com a CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica).

Para Luana, o país poderia aproveitar essa vantagem para ter um hidrogênio verde mais competitivo.

“A forma de conexão ongrid [conectado ao SIN] é a melhor para a viabilidade econômica do hidrogênio que vai ser produzido no Brasil e exportado para Europa”, explica.

“Vai nos prejudicar no mercado global”

Um dos responsáveis pelo estudo, Rafael Kelman, também aponta que essas termelétricas têm produção mínima obrigatória de 70% da capacidade e devem emitir cerca de 20 milhões de toneladas de C02 por ano na matriz.

“Isso já tira qualquer chance de se ficar dentro da fronteira de 90% ou mais renovável (…) Isso vai nos prejudicar no mercado global que está querendo premiar os esforços para descarbonização e punir quem vai na contramão. E os jabutis da desestatização da Eletrobras estão na contramão”, avalia.

O estudo contemplou um cenário até 2050, e considerou também a projeção de novas térmicas a gás natural impulsionadas pela oferta doméstica de gás mais barato do pré-sal. 

“A partir de 2035, esperando que o Brasil vai ter um gás barato do pré-sal, e com construção de infraestrutura, começaremos a ter também algumas térmicas sendo viáveis economicamente”, defende Luana Gaspar.

Critérios de adicionalidade e perda de competitividade

Segundo as atuais exigências da União Europeia, quando a produção de hidrogênio está conectada ao grid de uma matriz com menos de 90% de renováveis, entram critérios de adicionalidade, que podem encarecer a produção.

Um deles é a necessidade de contratos de compra de energia (PPA) de geradores renováveis, que comprovem que produtores de hidrogênio.

Isto é, os produtores de hidrogênio renovável podem operar seus eletrolisadores a qualquer hora, desde que a quantidade total de eletricidade renovável consumida corresponda à quantidade total de hidrogênio renovável produzido naquele mês do ano.

Entretanto, as regras ficam mais rigorosas com o tempo. As plantas produtoras de hidrogênio que entrarem em operação após 2028 deverão comprovar a adicionalidade de uma nova planta de energia renovável.

E a partir de 2030, todos os produtores de hidrogênio renovável, incluindo aqueles que assinaram com usinas de geração de energia renovável existentes, precisarão igualar a eletricidade que compraram a cada hora.

“É um universo de critérios que vão acabar reduzindo a competitividade do hidrogênio brasileiro”, diz Luana Gaspar. 

Isso porque os eletrolisadores são mais eficientes quando estão quase 100% do tempo em operação, o que só é possível com uma constância no fornecimento de energia. No caso da utilização de fontes intermitentes, como solar e eólica, os custos da produção de hidrogênio poderiam aumentar.

“No caso mais extremo, de produção off-grid, a planta de eletrólise vai funcionar só quando tiver sol ou vento, e nas horas restantes haverá uma perda de produção de hidrogênio, ou seja, o hidrogênio fica mais caro e o Brasil vai perder competitividade”, pontua Rafael Kelman.

O estudo não considerou a entrada no grid de eólicas offshore, que somam mais 180 GW em parques em licenciamento no Brasil.

Segundo Kelman, até a década de 2040, solar e eólica onshore serão mais competitivas. A viabilidade econômica dos futuros parques offshore se dá no final do horizonte do estudo e, para produção de hidrogênio, em geral, estarão conectados diretamente às plantas.

Papel da demanda europeia por H2V

Na Europa, países estão, na prática, subsidiando as compras de produtos a base de hidrogênio verde, como parte de esforços de descarbonização de setores industriais, por exemplo. No fim do ano passado, a Alemanha lançou o primeiro leilão da política H2Global, para contratos de longo prazo de fornecimento de hidrogênio verde (H2V) na forma de derivados: amônia, metanol e combustível sustentável de aviação (SAF, em inglês).

Complexos industriais e portuários brasileiros também miram o mercado europeu, a exemplo do Porto de Pecém, no Ceará, que tem Roterdã como sócio e vem aprofundando os acordos para produzir e exportar na rota Brasil-Holanda.

O que são as térmicas da privatização? Em 2021, uma das contrapartidas do congresso para aprovar a MP da privatização da Eletrobras foi a inclusão no art. 1º da lei a obrigação de contratação de 8 GW térmicos a gás natural, em leilões de potência, para geração de energia na base (70% de inflexibilidade).

Objetivo era expandir a rede de transporte de gás natural, com os chamados critérios locacionais: térmicas em locais sem infraestrutura, para justificar investimentos em gasodutos.

Em 2022, foi feito o primeiro leilão, que fracassou nesse objetivo: contratou 751 MW dos 2 GW ofertados, em projetos sem garantia de interiorização da infraestrutura de gás na região Norte e Nordeste.

O governo Lula ainda estuda o que fazer com a potência que não foi contratada no 1º leilão; e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), defendeu rever a obrigação prevista dos 6 GW restantes.

Energia na base. O Brasil tem umas das matrizes elétricas mais renováveis do mundo, em razão das hidrelétricas e da energia gerada principalmente pelas eólicas. As térmicas cumprem um papel de garantia do suprimento, não apenas em tempos de escassez hídrica, mas na regulação do sistema.

O aumento das térmicas (gás, carvão e nuclear) na geração de base, desloca a demanda por potência renovável. A previsão mais recente do governo é uma queda de 2 p.p., de 85% (2021) para 83% (2031) de potência instalada renovável.

O que prevê a lei? O governo precisa contratar potência para entrada em operação entre 2026 e 2030, nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, sendo 1 GW (2026); 2 GW (2027); 3 GW (2028); 1 GW (2029) e 1 GW (2030).

Governo promete pacote verde

O governo federal prepara para as próximas semanas o lançamento de um pacote de políticas verdes, que vem sendo construído entre diferentes ministérios. A promessa é lançar uma agenda de “transição ecológica”, a partir do segundo semestre, que incluirá novas propostas legislativas – temas passam por energia, mercado e captura de carbono e energia.

“Temos para o segundo semestre uma determinação do presidente Lula de lançar o plano de desenvolvimento do Brasil, ancorado na transição ecológica, procurando transformar as nossas vantagens comparativas, que são muitas, sobretudo na área energética”, afirmou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), na semana passada.

O objetivo, segundo o ministro, é atrair investimentos estrangeiros, “estimulando o investimento nacional voltado para a industrialização do país com um pensamento novo, com uma indústria nova”.

Nesta segunda (22/5), o governo realiza a primeira reunião do recriado conselho de desenvolvimento industrial, o CNDI, e deve apresentar novas propostas até quinta (25/5), em evento do Dia da Indústria. O CNDI é coordenado pelo ministério da Indústria e Comércio, de Gerado Alckmin (PSB).