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Créditos de carbono: o que falta para o desenvolvimento do mercado no Brasil

Um dos grandes desafios é a criação de um sistema centralizado de gestão que permita o registro, rastreabilidade e contabilização dos créditos, evitando problemas como a dupla contagem, escrevem Felipe Boechem, Guilherme Mota, Pedro Vargas e Gabriela Mello

Créditos de carbono: o que falta para o desenvolvimento desse mercado no Brasil e como o PL 412/2022 pode contribuir. Na imagem: CAE debate no Senado sobre o PL 412/2022, que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões de GEE (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)
CAE debate no Senado sobre o PL 412/2022, que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões de GEE (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

Para que o Brasil atinja seu compromisso de NDC, ou Contribuição Nacionalmente Determinada, em português, há uma série de estratégias regulatórias a serem analisadas para a estruturação de uma política eficiente de reduções de emissão de gases do efeito estufa (GEE). O tema foi abordado também em nosso último artigo.

Um dos pontos destacados no artigo foi que diversos estudos apontam para uma maior eficiência e flexibilidade do sistema de comércio de emissões (SCE), quando comparado a outras possíveis estratégias para redução das emissões, como as “políticas de comando e controle” e a tributação de emissões (carbon tax) tratadas também no artigo.

Nesse sentido, passa a ser tarefa relevante e urgente para o país o desenvolvimento de um marco legal, regulatório e institucional que permita o desenvolvimento do mercado de carbono no Brasil.

O objeto do presente artigo é analisar o que tem sido debatido no Poder Legislativo nacional para implementar e fomentar o desenvolvimento desse mercado no país.

Diversos projetos de lei foram apresentados com o objetivo de regulamentar o chamado “Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), previsto no Plano Nacional de Mudanças Climáticas – PNMC  (Lei nº 12.187/2009).

No fim de 2022, ganhou bastante repercussão a aprovação de um desses projetos pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, o PL 412/2022, que passa ser o principal projeto em debate sobre o tema.

Foram considerados prejudicados os projetos de leis nº 2.122/2021, nº 3.606/2021, nº 4.028/2021 e nº 1.684/2022.

Não obstante, ainda tramitam, atualmente, os alguns projetos de lei com temas correlatos (PL nº 528/2021, PL nº 5.710/2019, PL nº 290/2020, PL nº 4.088/2021 e PL nº 6.539/2019. Apresentamos, abaixo, uma breve análise dos principais aspectos identificados:

Criação do SBGE-FEE

O artigo 3º do PL 412/2022 elenca os diversos objetivos do projeto, dentre os quais destaca-se a criação do chamado Sistema Brasileiro de Gestão de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBGE-GEE), que é uma ferramenta muito importante para o desenvolvimento do MBRE.

A importância do sistema de gestão é tamanha que o estabelecimento de diretrizes para o SBGE-GEE é o primeiro objetivo listado pelo PL.

O que é o SBGE-GEE?

Um dos grandes desafios ao desenvolvimento de um mercado de créditos de carbono é a criação de um sistema centralizado que permita o registro, rastreabilidade e contabilização de créditos de carbono, evitando problemas como a dupla contagem de créditos.

O SBGE-GEE é um sistema de gestão de emissões de GEE que visa resolver esse desafio, conferindo transparência, credibilidade, segurança e rastreabilidade ao processo de alocação de DEGEE (Direitos de Emissão de GEE).

Os DEGEE são ativos financeiros transacionáveis representativos de uma permissão de emissão de GEE outorgada pela autoridade competente em favor de uma instalação emissora de GEE regulada, ou seja, uma instalação coberta pelo Plano Nacional de Alocação de DEGEE.

O referido SBGE-GEE também terá como objetivo conferir transparência ao processo de Inscrição de RVE (Redução e Remoção Verificada de Emissões), que são ativos financeiros transacionáveis representativos da redução de emissões de GEE verificada de acordo com padrões de certificação.

E, ainda, tornar mais transparente a verificação da cadeia de titularidade dos DEGEE e RVE.

Quem fará a gestão do SBGE-GEE?

A gestão do SBGE-GEE é de competência federal. O PL não foi específico ao determinar qual seria exatamente o órgão federal competente. Desta forma, competirá à União regulamentar posteriormente qual será o órgão competente, a quem competirá definir os procedimentos necessários ao seu funcionamento, incluindo regras sobre emissão de DEGEE e de RVE.

Ficará a critério também do órgão federal competente definir os setores que serão regulados, elaborar o Plano Nacional de Alocação de DEGEE e aplicar sanções administrativas aos seguintes geradores de RVE: 1) Titulares, desenvolvedores, operadores de instalações reguladas e não reguladas; 2) Instituições registradoras e depositárias de DEGEE e RVE exclusivamente com relação ao cumprimento das metas do Plano Nacional de Alocação de DEGEE e à obrigação de repasse de informações.

Quais as atribuições do SBGE-GEE?

O Artigo 5º do PL define algumas atribuições centrais do SBGE-GEE, dentre as quais vale destacar as seguintes:

  • Credenciamento de metodologias de mensuração de emissões de GEE, bem como de sequestro, remoção ou redução de GEE para fins de certificação. No exercício desta atribuição, devem ser observados os normativos e orientações nacionais e internacionais, incluindo a Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima e do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, respeitadas as especificidades nacionais.
  • Credenciar plataformas de negociação de DEGEE e RVE. Dessa forma, vale enfatizar que o SBGE-GEE não funcionará como um mercado de créditos de carbono, mas será responsável por credenciar tais plataformas de negociação e servirá como uma central de registro, verificação e contabilização de ativos.
  • Garantir a interoperabilidade entre o SBGE-GEE com outros sistemas, em especial entre os mercados regulados e não regulados. Dessa forma, a informação sobre a existência e titularidade dos ativos financeiros é centralizada, mitigando erros e fraudes como a dupla contabilização e, consequentemente, que o mesmo ativo seja vendido para mais de um comprador.
  • Analisar estritamente a conformidade legal e regulamentar dos pedidos de inscrição de DEGEE e RVE. O PL expressamente prevê que a validação, verificação e qualificação dos projetos geradores de RVE não são competência da SBGE-GEE.

Inscrição e negociação de DEGEE e RVE

O PL estabelece que a inscrição do DEGEE e RVE no SBGE-GEE será obrigatória e seu registro e depósito junto a instituições supervisionadas pelo Bacen será condição para sua negociação em mercado brasileiro de ativos financeiros.

Os RVE serão emitidos de acordo com o regulamento a ser definido pelo órgão federal responsável pela gestão do SBGE-GEE e os padrões de certificação credenciados pelo SBGE-GEE.

O PL prevê que os RVE podem ser relacionados a: 1) projeto executado em solo brasileiro; 2) projeto desenvolvido por empresa brasileira no exterior, desde que reconhecido no país em que o projeto é desenvolvido e pelo SBGE-GEE; e 3) de procedência estrangeira e adquirido por empresa brasileira, desde que reconhecido pelo SBGE-GEE.

Qual a distinção entre o mercado regulado e o voluntário no âmbito do SBGE-GEE?

O mercado regulado é aquele do qual participam as instalações reguladas, isto é, aquelas cujas emissões devem observar o Plano Nacional de Alocação de DEGEE.

O mercado voluntário abarcará instalações não reguladas geradoras de RVE e inscritas no SBGE-GEE.

A interoperabilidade dos mercados regulados e voluntários é ponto central do modelo de sistema proposto, que deverá ser objeto de regulamentação posterior pelo poder Executivo Federal.

Tendo em vista o rol de setores mais poluentes do Brasil, tem sido objeto de crítica por alguns agentes de mercado a atual redação do PL 412/2022 que exclui “agropecuária, a exploração florestal e o uso alternativo do solo desenvolvidos em propriedades rurais” do mercado regulado.

O PL 412/2022, portanto, pode ser um bom ponto de partida para avançar no desenvolvimento do MBRE. Certamente, há espaço para melhorias no texto proposto, as quais espera-se que sejam implementadas durante o processo legislativo.

Por fim, vale notar que a atividade de armazenamento de carbono é objeto do PL nº 1425/2022, de autoria do ex-senador Jean Paul Prates, que visa disciplinar a exploração da atividade de armazenamento permanente de dióxido de carbono de interesse público, em reservatórios geológicos ou temporários, e seu posterior reaproveitamento.

O referido Projeto de Lei se encontra atualmente sob relatoria do senador Jayme Campos e será o objeto de futuro artigo na agência epbr.

Guilherme Mota é sócio da prática Ambiental do Lefosse; e os advogados Pedro Vargas e Gabriela Mello, respectivamente das práticas de Petróleo e Gás e Ambiental do Lefosse.

Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.