Combustíveis e Bioenergia

Sergio Gabrielli vê com ressalvas plano para PPSA entrar no abastecimento de combustíveis

Governo determina que estatal do pré-sal inicie estudos para refinar óleo da União, em política para elevar oferta doméstica de derivados

Sergio Gabrielli vê com ressalvas plano para PPSA entrar no abastecimento de combustíveis. Na imagem: José Sérgio Gabrielli no antessala, live da agência epbr (Foto: Reprodução)
José Sérgio Gabrielli no antessala, live da agência epbr (Foto: Reprodução)

RIO — Presidente da Petrobras entre 2005 e 2012, José Sergio Gabrielli defende que o Brasil precisa, sim, ampliar sua capacidade de refino. E que esse investimento deve ser encabeçado pela companhia.

Ele faz ressalvas, contudo, à possibilidade de a Pré-Sal Petróleo (PPSA) deixar de cumprir seu papel original de maximizar os retornos para União com a comercialização do óleo do pré-sal.

O governo vai determinar que a estatal da partilha do pré-sal apresenta estudos para deixar e apenas comercializar o óleo e passar a contratar o “refino e beneficiamento de petróleo, de gás natural”.

Gabrielli afirma que se a proposta caminhar por esse caminho, em que a PPSA contrataria os serviços de refino, para receber de volta os derivados para comercialização, mudaria completamente o papel da estatal.

Esse tipo de operação é chamada de tolling, contratos de refino e armazenamento de petróleo e derivados.

“Operações de tolling com o setor privado, para construir novas refinarias no Brasil, em que a PPSA entraria com o petróleo, o produtor construiria a refinaria e a PPSA receberia de volta o derivado. Mudaria completamente a função dela e [a PPSA] passaria a operar também no mercado de derivados do Brasil”.

José Sérgio Gabrielli participou nessa quinta (23/3) do antessala, live semanal da agência epbr.

Uma alternativa seria priorizar a oferta de óleo da União ao mercado brasileiro de petróleo, proposta que também tem sido discutida entre agentes privados e governo.

“Se ela vai oferecer o petróleo para o mercado interno, a União vai perder parte da receita. É possível fazer isso? Eu acho que é perfeitamente possível, desde que o impacto disso sob o conjunto das atividades do país seja significativo”, diz.

Gabrielli participou ativamente das articulações que levaram à criação do regime de partilha, após a confirmação das grandes descobertas no pré-sal, e da PPSA, em 2010.

Ele destaca que o óleo do pré-sal, comercializado pela Petrobras, é mais valioso que outras correntes no Brasil, o que eleva os ganhos da União. “O petróleo do pré-sal, particularmente de Búzios, é um petróleo que paga mais do que do mercado internacional, portanto ele tem uma rentabilidade maior do que os petróleos mais tradicionais do Brasil”.

Demanda crescente por derivados e nova refinaria

Enquanto as projeções indicam, claro, um aumento do consumo, o debate é sobre quais políticas devem prosperar.

Redução da dependência externa, especialmente, de diesel ou maior abertura do mercado para importadores? Acelerar a capacidade de refino doméstico ou a substituição do diesel por combustíveis alternativos?

“Temos que construir uma grande refinaria no país, nova, aumentando a capacidade de refino em torno de 440 [mil], 500 mil barris/dia, para os próximos cinco anos. Se não, teremos um problema gravíssimo lá pelos anos de 2030”, defende Gabrielli.

O óleo diesel deve seguir como o combustível mais usado no setor de transportes no Brasil, e responder por 51% do consumo em 2031, ante 49% em 2021, mostrou o caderno do Plano Decenal de Energia 2031, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). No período, a demanda por diesel na matriz de transportes salta 54%, de 39 para 54 mil toneladas equivalentes de petróleo.

O atual presidente da Petrobras, Jean Paul Prates (PT), voltou a afastar a possibilidade de a companhia construir uma nova refinaria, as quais chamou de “mastodontes”.

“A transição energética leva a pensar que o consumo reduzirá nessa curva do tempo. Se a gente colocar uma refinaria hoje, nova de 300 [mil], 400 mil barris de capacidade, terá uma vida útil de quinze anos, não se paga”, afirmou Prates em entrevista à Miriam Leitão, na quarta (23/3). Há uma dificuldade de se imaginar um mastodonte desses hoje em dia. O aumento da capacidade de refino está dentro das atuais refinarias”, completou.

As atuais são projetos na gaveta do plano de investimentos da Petrobras: a construção do segundo trem de refino de Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco (115 mil barris/dia de processamento); ampliação de unidades existentes, incluindo de biorrefino e a unidade própria ( 154 mil barris/dia de diesel R).

E o Comperj, complexo petroquímico do Rio de Janeiro, que fracassou mas onde é desenvolvido o Polo Gaslub, de lubrificantes associado à refinaria de Duque de Caxias. No projeto original, a refinaria do Comperj teria dois trens de 165 mil barris/dia, cada um.

São projetos fora do plano de investimentos vigentes, mas em diferentes níveis de maturidade e herdados pela nova gestão da Petrobras.

Gabrielli lembrou que desde o marco do pré-sal, o Brasil passou a ser exportador líquido de petróleo.

Na avaliação dele, o país pode correr riscos com aumento da demanda doméstica por gasolina, diesel e GLP, ao continuar dependendo da importação. “O país passou a ser um país importador significativamente de diesel, importador de gasolina, importador de gás de cozinha (GLP) e importador de querosene de aviação”. Confira o trecho

Refinarias de nicho

Gabrielli afirma que a tentativa de abertura do mercado de refino promovida no governo foi um fracasso, por não ter atraído investimentos em ampliação da capacidade doméstica.

“O processo de privatização das refinarias é um escândalo”, afirmou Gabrielli. “Utilizar a privatização, sobre uma falsa justificativa de expandir o sistema, me parece equivocado. Para expandir o sistema você tem que abrir espaço para nichos de mercado”.

Ele citou como exemplo a Refinaria de Petróleo do Pecém (RPP), em desenvolvimento pela Noxis, no Ceará, e tem como principal mercado atender a demanda por combustível marítimo.

Recentemente, a Noxis fechou um acordo com a empresa francesa Albioma e a brasileira GranBio para a produção de metanol a partir de resíduos de biomassa. A expectativa é que a planta comece a produzir o combustível renovável em 2025.

“Setores privados que queiram investir em nichos de mercado como o bunker no litoral nordestino, têm espaço para fazer isso. Agora, para atender o crescimento da demanda do sudeste brasileiro e do conjunto do país, precisamos aumentar significativamente a capacidade de refino”, avalia o ex-presidente da Petrobras.

Com edição adicional de Gustavo Gaudarde