Energia

Abegás: biometano e hidrogênio serão parte do negócio das distribuidoras de gás do futuro

Setor aguarda com expectativa o programa Gás para Empregar e, em paralelo, abraça agenda regulatória das novas energias

Abegás: biometano e hidrogênio serão parte do negócio das distribuidoras de gás do futuro. Na imagem: Augusto Salomon, presidente Executivo da Abegás (Foto: Cortesia)
O presidente Executivo da Abegás, Augusto Salomon (Foto: Cortesia)

RIO — As distribuidoras de gás canalizado aguardam com expectativa os próximos passos do programa Gás para Empregarque promete aumentar a oferta de gás a preços competitivos.

As concessionárias, contudo, entendem que, no futuro, serão mais do que empresas de gás natural e que precisam abraçar uma agenda regulatória mais ampla.

A Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás) também quer participar ativamente, nesse sentido, da definição das políticas públicas para o biometano e hidrogênio.

Ao mesmo tempo, o setor cobra um plano de massificação do consumo de gás natural, para absorver o aumento esperado da oferta do energético — que não deixará de ser o core business das distribuidoras.

“Biometano não é concorrente”

Este mês, a indústria cerâmica de São Paulo anunciou um plano para substituir metade do consumo de gás natural do setor por biometano até 2030.

Produtores miram oportunidades de venda tanto para as distribuidoras quanto no mercado livre. O combustível renovável tem tido apelo no setor industrial não só por sua pegada ambiental, mas também por ter preços desassociados da cotação internacional do petróleo — o que protege os consumidores da volatilidade.

O presidente executivo da Abegás, Augusto Salomon, alega, no entanto, que as distribuidoras não enxergam o biometano como um risco aos seus negócios.

A entidade se aproximou, desde o ano passado, da Associação Brasileira de Biogás (Abiogás), num grupo de trabalho conjunto para impulsionar o uso de biometano pelas concessionárias estaduais.

“Não vejo como uma concorrência. É mais um produto que vamos distribuir na rede”, comentou Salomon.

Um dos principais desafios, hoje, é como conectar as fontes de produção de biometano — muito pulverizadas — às redes de distribuição de gás canalizado.

“Queremos fazer [a conexão do biometano à rede], mas não a qualquer custo. Tem que ser viável [para não penalizar os consumidores]”, disse.

A diretora Econômico-Regulatório da Abegás, Paula Campos, acredita que uma das possibilidades seria formar clusters — redes isoladas de gasodutos, atendidas 100% por biometano.

Com o desenvolvimento gradual do mercado, no futuro essas redes isoladas formariam uma teia que pode vir a viabilizar a interligação à rede principal de gasodutos.

Assuntos como certificação de rastreabilidade — para reportar emissões de gás natural fóssil como se fosse molécula renovável do biometano, em casos em o combustível renovável seja injetado na rede — também são de interesse da Abegás.

Hidrogênio no gasoduto

Se o biometano já é uma realidade em algumas concessões — como a GasBrasiliano, em São Paulo, e Cegás, no Ceará — o hidrogênio ainda é um assunto incipiente.

Mas a Abegás quer participar das discussões. O governo Lula criou, recentemente, um Grupo de Trabalho Interministerial — que ficará sob o guarda-chuva da Secretaria de Planejamento e Transição Energética do Ministério de Minas e Energia — para tratar de políticas para o combustível.

O Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2), lançado no governo anterior, ainda carece de metas e objetivos claros.

Uma das discussões necessárias é se o hidrogênio será introduzido nas redes das distribuidoras via ramais dedicados ou não.

O diretor de Estratégia e Mercado da Abegás, Marcelo Mendonça, afirma que há limites técnicos para a injeção do hidrogênio nas redes de distribuição.

E a revisão das especificações do gás natural, aberta pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), pode influenciar diretamente na capacidade de mistura do hidrogênio ao gás — já que a injeção de H2V nos gasodutos pode mexer com o poder calorífico do gás.

“A Europa, por exemplo, usa hidrogênio para elevar o poder calorífico do gás seco. Aqui estamos discutindo trabalhar no limite do PCS [Poder Calorífico Superior]. Se trabalhamos no limite, como vamos encaixar o hidrogênio?”, questiona Mendonça.

Antes, a reinjeção

Augusto Salomon ressalva, contudo, que antes de discutir a injeção de hidrogênio na rede, o Brasil tem outras agendas mais prioritárias.

“Há um longo caminho a percorrer. Tem uma primeira agenda no Brasil que é a redução da reinjeção do gás”, afirma.

A Abegás é um dos atores mais vocais na defesa da redução da reinjeção de gás — mas sem o estabelecimento de limites.

“Estabelecer limites é complicado porque há uma parte que, de fato, o produtor precisa reinjetar. Outra parte é porque não há infraestrutura”, comenta.

Ele defende que, em paralelo às discussões para aumento da oferta, o Brasil precisa desenvolver mercado consumidor para absorver a oferta por vir.

A associação das distribuidoras defende uma política desenvolvimentista para ampliação da demanda e da infraestrutura de transporte — e não só escoamento do gás.

“Não adianta chegar com milhões de metros cúbicos no mercado sem previsão de onde alocar isso”, afirma Salomon.

Na antessala epbr, algumas das principais questões sobre o debate Reinjeção de gás: solução ou desperdício?

Interiorizar o gás

A associação defendeu, nos últimos anos, a interiorização da malha de gasodutos ancorada na contratação compulsória de termelétricas em regiões sem acesso à infraestrutura de gás — proposta que acabou sendo incluída na lei de desestatização da Eletrobras.

Agora, a Abegás endossa a Coalizão pela Competitividade do Gás Natural Matéria-Prima e defende também a massificação do GNV na frota de veículos pesados. A substituição do diesel importado demandaria, nos cálculos da associação, cerca de 30 milhões de m3/dia.

“Se [o aumento da oferta] vai atender prioritariamente termelétricas ou não, não faz diferença. O que vale é a movimentação da molécula. O que interessa para nós é que, tendo consumo firme, outros segmentos consigam modular o seu consumo”, disse Salomon.

As distribuidoras veem, nesses diferentes usos do gás (em caminhões, termelétricas, indústrias e fertilizantes), uma forma de garantir consumo firme para a oferta por vir.

“O mercado é o equilíbrio entre oferta e demanda.  Não se pode esquecer o outro lado. Precisamos encontrar um mercado, é importantíssimo olhar o lado da demanda”, afirmou diretor de Estratégia e Mercado da Abegás, Marcelo Mendonça.

“Precisamos de uma visão mais desenvolvimentista para alcançar nosso objetivo”, complementou.

Transparência e acesso à infraestrutura

Outra pauta de interesse das distribuidoras na agenda regulatória do gás, é a discussão sobre o acesso não discriminatório das infraestruturas essenciais.

“É uma área que, se deixar só as leis de mercado agirem, não vai acontecer. Precisa pesar a mão do regulador para que o mercado aconteça”, defende Mendonça.

O diretor da Abegás também cita a necessidade de avanços na regulação do transporte. Ele pede mais previsibilidade nas revisões tarifárias.

“Falta tratamento isonômico quando se trata de gasodutos, por exemplo: a depreciação [dos investimentos] foi tratada de uma forma em alguns casos e no processo do Gasig foi dado prazo menor. Isso interfere na tarifa”, comenta.

GNL tem que antecipar gasodutos

A Abegás também observa com atenção a revisão das regras para gás natural liquefeito em pequena escala, em consulta pública na ANP. O objetivo da agência é modernizar regulamentação vigente sobre acondicionamento e movimentação de GNL a granel, para contemplar novos modelos de negócio e tecnologias, como o small scale.

Salomon argumenta que o GNL é uma via auxiliar das distribuidoras, no desenvolvimento da área de concessão. Usualmente, no setor, o gás natural liquefeito ou comprimido é utilizado para abastecer regiões não atendidas por gasodutos e, assim, preparar o mercado local para um futuro projeto de integração à rede.

O executivo, porém, diz não ver sentido em projetos que miram o desenvolvimento de um mercado próprio — sem, necessariamente, estarem vinculados a um projeto estruturante.

“Não há sentido em fazer investimento para ter um rede que, ao fim do dia, não seja mais competitiva do que alguém que está importando GNL, regaseifica e, mesmo assim, é mais competitivo. Aí tem que olhar com mais critério”, alega.