Energia

Hidrogênio verde: Brasil corre ou perde o bonde

Leitura que o atual plano para hidrogênio carece de metas, foco e o senso de urgência na disputa global por investimentos, escreve Gabriel Chiappini

Plano para o hidrogênio verde: Brasil corre ou perde o bonde. Na imagem: reunião do MME que apresentou ao CNPE proposição de diretrizes para o PNH2, em 2021 (Foto: Bruno Spada/MME)
Reunião do MME que apresentou ao CNPE proposição de diretrizes para o PNH2, em 2021 (Foto: Bruno Spada/MME)

Agentes do setor de energia e de hidrogênio de baixo carbono cobram metas e objetivos mais claros do Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2), lançado pelo Ministério de Minas e Energia (MME).

A preocupação comum é de que uma letargia na definição de objetivos e uma falta de foco no hidrogênio de baixo carbono, em especial o verde (via eletrólise com energia renovável) possa colocar o Brasil em desvantagem em relação a outros países, que estão na corrida para receber investimentos para produção de hidrogênio verde.

“Essa é a nossa preocupação, de não colocarmos uma diretriz clara, com o risco não só de perder o primeiro bonde [de investimentos], como o segundo também”, disse à coluna, Elbia Gannoum, presidente da a Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica).

“Estamos em uma corrida, e o Brasil não pode ficar parado”.

Apesar de reconhecerem os esforços dos ministérios no governo anterior, na construção do PNH2, os agentes do mercado acenderam o alerta após o anúncio, em dezembro do ano passado, de um Plano Trienal que deveria nortear o Programa Nacional do Hidrogênio nos anos de 2023 a 2025, e que atualmente está em consulta pública.

Alguns agentes mais críticos classificam como “plano para nada” ou “plano para fazer planos”. Isso porque não apresentava metas, nem objetivos concretos, ao contrário de outros países do mundo, e até mesmo vizinhos sul americanos.

Os Estados Unidos, por exemplo, se comprometeram a subsidiar até US$ 3 para cada quilo de hidrogênio verde.

A Índia anunciou a meta de produzir cerca de 5 milhões de toneladas de hidrogênio verde até 2030 com um pacto de US$2,3 bilhões.

O Chile, país que lançou sua estratégia para hidrogênio verde em 2020, espera produzir o gás mais barato do mundo até o final da década.

“Esperávamos um plano um pouco mais focado, em linha do que vem sendo feito no mundo, com metas de produção, preço e competitividade”, diz André Themoteo, coordenador do Grupo de Trabalho de Hidrogênio Verde na Abeeólica.

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Arco-íris em cheque

Além da falta de metas de consumo, produção e preço, outra crítica do mercado é a falta de foco. Enquanto o resto do mundo está focando suas estratégias no hidrogênio verde, ou de baixo carbono, o Brasil optou por contemplar todas as rotas de produção do hidrogênio, inclusive fontes fósseis.

No que ficou conhecido como hidrogênio arco-íris, uma alusão às cores correspondentes a cada rota de produção.

Somente no Cone Sul, além do Chile, Paraguai, Uruguai, Colômbia e Argentina têm seus estratégias nacionais focadas em hidrogênio de verde ou de baixo carbono.

No Brasil, um dos argumentos para considerar a neutralidade tecnológica, seria viabilizar o gás do pré-sal, seja por meio da produção de hidrogênio cinza, ou do hidrogênio azul (com a captura de carbono).

“Nas reuniões que participamos, sempre vimos uma preocupação quase unânime de abrir mais caminhos para viabilizar o gás natural do pré-sal, sendo que há outras formas de fazer isso, sem ser pelo hidrogênio”, disse Eduardo Tobias, coordenador da força-tarefa de Hidrogênio Verde da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).

Nos últimos anos, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) foi uma forte defensora da visão atual do PNH2 do hidrogênio arco-íris, e com uma tendência maior ao papel do gás natural.

“Não achamos nenhum país com programa de hidrogênio, ou era verde ou era de baixo carbono”, enfatizou Tobias.

Para Elbia Gannoum, olhar neste momento para todas as formas de hidrogênio é um problema, uma vez que o mercado está de olho no hidrogênio verde.

“O mundo não vai comprar hidrogênio com alto teor de carbono”, disse. Segundo ela, essa indefinição afeta a decisão do investidor.

“É sobre isso que falamos com o novo governo. A oportunidade é agora. Vamos trazer os investidores  Que seja um programa que atenda às necessidades do mercado”, afirmou.

O Plano Trienal prevê uma revisão anual das suas ações e há a expectativa de uma guinada para o hidrogênio verde, ou de baixo carbono (a depender da nomenclatura) com o novo governo.

Do lado consumidor, há uma grande demanda por hidrogênio de baixo carbono, principalmente de setores e indústrias de difícil descarbonização, como siderurgia e transportes pesados.

A Alemanha prevê a realização, em fevereiro, da primeira etapa de um leilão internacional para aquisição de hidrogênio verde. País tem pressa na substituição da sua matriz energética baseada no carvão e no gás russo.

Demora nas definições

“O fator tempo me preocupa um pouco”, afirmou o advogado Marcos Ludwig, durante o programa antessala epbr.

Marcos é sócio do escritório Veirano e membro da diretoria da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha (AHK Rio de Janeiro), que acompanha de perto a formulação de políticas para o hidrogênio no país.

Segundo ele, o Plano Trienal define que algumas ações só seriam iniciadas em 2024 e 2025, enquanto isso, a regulamentação aguarda uma definição.

Uma das preocupações é em relação às políticas tributárias, que poderiam incentivar o mercado de hidrogênio no Brasil.

“A discussão e as entregas relativas à definição das diretrizes tributárias, na proposta do Plano, devem ocorrer somente em 2025. É um timming que não funciona. Quando pensamos na integração do Brasil nas cadeias globais, acabamos perdendo o bonde e vendo outros países com mais agilidade e conseguindo aproveitar as oportunidades”, pontua Ludwig.

Segundo ele, a forma como essas ações estão espalhadas no tempo vão manter uma insegurança jurídica e uma inércia, sem dar as respostas que o mercado precisaria por muito tempo.

Para Jurandir Picanço, consultor de Energia da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), o Plano deveria ser abandonado, uma vez que não responde à urgência esperada pelo mercado.

“É um plano muito bem estruturado, mas que não corresponde à necessidade temporal (…) É lamentável que essa questão temporal não tenha sido cuidada pelo CNPE, responsável por toda essa estrutura de governança”, disse durante o antessala.

“Precisamos hoje de uma força-tarefa que defina metas objetivas (…) Acho que muito antes já deveríamos ter focado na grande oportunidade para o Brasil que é o hidrogênio verde”, comentou.

O Ceará lidera os memorando de entendimento assinados com empresas multinacionais para produção de hidrogênio verde no Complexo Industrial Portuário do Pecém (CIPP).

Para Camilo Adas, conselheiro em tecnologia e Transição Energética da SAE Brasil, “não é natural, se comparamos com Alemanha e Chile, por exemplo, que estejamos tão desorganizados”.

Adas acredita que o principal problema é o de coordenação. Por ser uma pauta transversal a muitos ministérios, o novo governo deverá  buscar por uma coordenação centralizada.

Além disso, ele também defende a necessidade de discutir planos para o hidrogênio do lado do consumo, em especial a demanda interna.

Reveja na íntegra, no último antessala epbr, o debate sobre quais devem ser as políticas públicas para o hidrogênio no novo governo

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