A coluna a “Transição Explicada” de novembro trouxe um levantamento das principais expectativas para a COP27, quais eram as pautas de maior interesse, as discussões que haviam ficado em aberto e os resultados que o evento deveria entregar para ser considerado bem sucedido.
Neste artigo apresentamos o que a COP27 deixa de legado para as próximas edições.
Também chamada de COP Africana, seu principal objetivo foi destacar pautas importantes para a África, como adaptação às mudanças climáticas, perdas e danos, financiamento climático e transição justa.
A grande expectativa era se os líderes globais finalmente conseguiriam responder ao chamado de mais ambição, implementação e ações. Neste quesito, muitos acordos promissores foram selados, com perspectivas de unir nações e promover parcerias com países desenvolvidos, inclusive com uma movimentação significativa de recursos.
No tópico de adaptação às mudanças climáticas, alguns exemplos de iniciativas lançadas foram a Sharm El-Sheikh Adaptation Agenda, uma parceria entre o governo de Marrakesh e a presidência da COP27, com foco no aumento da resiliência de 4 bilhões de pessoas frente aos impactos climáticos.
O Action for Water Adaptation and Resilience (AWARe), iniciativa também liderada pela presidência da COP27 para promoção de projetos e melhorar a oferta de água.
E o pacto Global Shield Against Climate Risk, através do qual as principais economias do mundo (G7) se comprometeram a apoiar financeiramente o grupo V20 — de países mais vulneráveis — na prevenção de riscos climáticos.
Apesar das muitas iniciativas voltadas para o tema de adaptação, perdas e danos foi o que teve maior destaque. A criação de um Fundo para países vulneráveis atingidos por desastres climáticos — Loss and Damage Fund — tem sido considerada a maior conquista da COP27. Embora faltem planos de entrega, o acordo é inovador e é resultado de décadas de conversas.
No tema da Transição Justa, outra pauta de grande interesse para o continente africano, destacam-se o lançamento do pacto Green Jobs for Youth, com o objetivo de investir no treinamento profissional de jovens para o mercado de tecnologias verdes e re-capacitar profissionais da indústria fóssil.
E da iniciativa Africa Carbon Markets, que irá liberar 6 bilhões de dólares para apoiar a criação de 30 milhões de novos empregos até 2030.
Além disso, pela primeira vez uma COP teve um pavilhão inteiro designado às crianças e aos jovens, reafirmando a importância de agregar este grupo nas negociações climáticas. Nesse sentido, conseguiu trazer mais vozes para o debate, uma conquista essencial para a garantia de uma transição justa.
Do compromisso à prática
Para ser chamada de ambiciosa e implementadora a COP27 precisava ter ficado menos nos acordos e mais nas ações.
Muitas das pautas permaneceram em promessas que ainda deverão ser cumpridas, como o acordo de financiamento climático de 100 bilhões de dólares para apoiar projetos de descarbonização em economias emergentes, que os países desenvolvidos falharam em cumprir — a data limite era 2020, mas ainda em 2022 esse valor não foi atingido).
Especialistas da OCDE sinalizam que em 2023 o objetivo deve ser finalmente alcançado. No entanto, mesmo se concretizado, a proposta ainda está muito aquém do financiamento necessário para manter o limite de aumento da temperatura média global em 1,5 ºC.
O próximo passo será a mobilização de 1 trilhão de dólares por ano até 2030. Embora a nova meta seja bem mais ambiciosa que a anterior, segundo o Plano de Implementação de Sharm El-Sheikh, estima-se que a transição global para uma economia de baixo carbono vá custar cerca de 4 a 6 trilhões de dólares por ano, ou seja, 4 a 6 vezes mais do que a nova meta proposta.
Ademais, com o novo quadro geopolítico advindo da guerra na Ucrânia — que levou a uma reversão na tendência de redução do uso de energéticos fósseis por questões próprias de segurança energética –, as discussões sobre transição energética não tiveram a mesma intensidade da ocorrida na COP26.
Como exemplo, nenhuma ação relevante foi desenhada a respeito de uma das principais causas das emissões de gases de efeito estufa: os combustíveis fósseis.
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Novo governo e papel de liderança do Brasil
Quanto à presença do Brasil no evento, um dos destaques foi a participação do governo eleito durante a segunda semana, com aceno claro à retomada da liderança do Brasil nas negociações climáticas.
Neste sentido, o foco do novo Governo na Conferência foram as oportunidades diplomáticas e econômicas para alavancar o combate ao desmatamento ilegal e promover a transição energética.
Foi anunciada a realização da Cúpula da Amazônia em 2023, com os países que detêm parte da floresta. O objetivo é propor uma abordagem regional para os desafios que o grupo enfrenta para preservar a floresta.
Outro destaque foi a assinatura de uma declaração conjunta entre Brasil, Indonésia e República Democrática do Congo de cooperação em prol das florestas tropicais. Os 3 países possuem as maiores florestas tropicais do mundo em seus territórios e a parceria já vinha sendo discutida desde a COP26, com o objetivo de fortalecer o posicionamento do grupo nas negociações de clima e biodiversidade.
Importante notar que as oportunidades que surgem dessa linha de atuação vão muito além dos acordos internacionais e da capacidade de aquisição de mais recursos.
Conforme apresentado no evento realizado pelo Instituto E+ na COP27 sobre a descarbonização da indústria, o controle e o eventual fim do desmatamento ilegal é extremamente estratégico também sob a perspectiva da transição energética.
O Brasil, por exemplo, é o maior produtor de carvão vegetal do mundo e este insumo já é utilizado no processo de produção de aço no país.
Associando-se o carvão vegetal, desde que de origem sustentável, à sua matriz elétrica 85% limpa e à abundância de energéticos renováveis, o Brasil pode passar a ser relevante exportador de “aço verde”, produto com potencial de agregar valor em prol da economia e da sociedade brasileira.
No entanto, se a produção do carvão vegetal estiver associada ao desmatamento ilegal, seu uso na indústria siderúrgica passa a ter um viés negativo e o produto final perde seu valor de mercado. Assim, o combate ao desmatamento ilegal e ao uso insustentável da terra, conforme debatido na COP27, são também requisitos básicos para outras frentes relacionadas à própria transição energética.
O texto da COP27 reconhece que a crise climática global demanda “urgência para transformar os sistemas energéticos em mais seguros, confiáveis e resilientes, acelerando as transições limpas e justas para as energias renováveis durante essa década”, pede “a redução gradual (phase down) do carvão” e a “eliminação gradual (phase-out) dos subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis”.
Esse resultado é importante, mas um pouco aquém das expectativas para uma COP intitulada de “COP da implementação”. Deveria apontar, além de acordos e diretrizes, ações concretas.
Neste sentido, a COP, por um lado, é bem-sucedida em agrupar pessoas, instituições e governos e oferecer um fórum fundamental de discussão e pressão por resultados.
Por outro, ainda falha em construir consenso em torno do ritmo necessário ao enfrentamento da urgência climática. Aumentam, portanto, as expectativas do que se esperar da próxima COP 28 — que ocorrerá, significativamente, nos Emirados Árabes Unidos, um dos maiores produtores de petróleo do mundo.
Marina Azevedo é Consultora Técnica do Instituto E+ Transição Energética
Rosana Santos é Diretora Executiva do Instituto E+ Transição Energética
Nathalia Paes Leme é Assessora de Direção Executiva do Instituto E+ Transição Energética
Este artigo expressa exclusivamente a posição das autoras e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculadas.