A visão de mundo difere de pessoa para pessoa, de sociedade para sociedade e de uma era para outra. Essas visões competem entre si mas, algumas predominam sobre as demais a depender da época e de quem as postula.
Os seres humanos se equivocam e erram desde que o homem é o homem. Hoje em dia, a despeito da livre expressão e da mídia de massa, as visões sociais que prevalecem estão perigosamente próximas de se isolarem de qualquer feedback discordante que seja trazido pela realidade.
Quando políticas públicas são discutidas, com frequência as conclusões a que se chega são predeterminadas por presunções e definições inerentes a uma visão particular do processo social.
As narrativas tendem a se sobrepor e excluir a realidade.
Estas considerações têm a ver com as discussões sobre o preço do petróleo e, consequentemente, de seus derivados, que ocorrem hoje no país.
Nos últimos anos, as narrativas que tratam do preço do óleo, impõem o argumento de que se deve utilizar o preço internacional para estabelecer uma paridade com os preços que são praticados no mercado interno.
Isso porque como há a necessidade de se importar parte dos derivados que o mercado demanda, se não houver uma paridade, importadores de derivados podem não ter condições de competir com o produtor local, a Petrobras.
Qual a referência para os preços dos combustíveis?
A primeira pergunta a ser feita é qual preço de referência internacional deve ser usado.
Diariamente, são publicados preços de diferentes correntes de petróleo negociadas no mundo, umas duas centenas, bem como o preço dos derivados em diferentes países do mundo. Então, qual escolher?
Como referência para os preços de petróleo, aqui é utilizada a cotação do petróleo do tipo Brent, um petróleo leve produzido no Mar do Norte.
Mas, no mercado mundial são cotadas correntes aqui produzidas, com valores acima e abaixo da cotação do Brent.
As correntes de petróleo mais pesado produzidas no Brasil têm cotação inferior à do Brent, mas existem outras poucas que têm cotação superior à do Brent.
Quando se trata de derivados, os mais baratos são os preços da Venezuela e os mais altos os de Hong Kong, por razões óbvias.
Nos Estados Unidos, existem cinco zonas com preços distintos, da costa Leste ao Meio oeste, região do Golfo do México a mais barata e da Califórnia, a mais cara.
No Brasil, o preço dos derivados, que são calculados usando a referência do Brent, se situam mais ou menos, na média mundial.
Se comparados com os preços da região do Golfo de México, nos EUA, os derivados são caros. Mas, se comparados com os preços da Califórnia, se tornam competitivos.
Portanto, qual o preço internacional, seja de petróleo, seja de derivados, deve ser usado para calcular o preço de paridade para o mercado interno?
Segurança do abastecimento
Os recentes acontecimentos no mercado internacional, que causaram um forte aumento de preços no mercado Europeu, para o gás, petróleo, e derivados, com reflexos no mercado mundial, trazem informações interessantes para esta discussão.
A crise se origina da dependência europeia do fornecimento de hidrocarbonetos vindos da Rússia, notadamente do gás, mas também de petróleo e derivados.
Com o aumento dos preços dos hidrocarbonetos, a segurança do abastecimento a níveis de preço razoáveis desapareceu.
O resultado é um aumento forte da inflação, queda da produção industrial e a falta de insumos nos níveis necessários, especialmente no inverno.
Estes fatos levaram à busca de alternativas para o suprimento do mercado europeu, criando uma competição cuja tendência é o aumento de preços, o que de fato ocorreu e agrava ainda mais a situação.
Por outro lado, a guerra da Ucrânia, veio acirrar o que já não estava bem, notadamente, o fornecimento de gás pela Rússia.
A guerra deu origem a toda sorte de sanções contra a Rússia com o objetivo de afetar sua economia e evitar que tenha recursos para manter a guerra.
Como a dependência europeia, embora reduzida, ainda se mantém, o aumento de preços que ocorreu manteve o nível de receitas da Rússia no mesmo patamar.
Razões distintas levaram às últimas decisões quanto ao que fazer com relação à Rússia. A União Europeia, acossada pela alta da inflação e a queda do PIB, busca determinar um teto para o preço do petróleo que irá comprar, para não alimentar a inflação e impedir a queda maior do PIB.
Os EUA, que não enfrentam o mesmo tipo de problema, embora com inflação em alta, têm interesse em diminuir a influência russa no mundo e, por isso, concordam com a proposta de um teto com atenuantes.
Querem que o teto limite os recursos que serão auferidos pela Rússia mas, que não sejam tão baixos que paralisem a produção.
Quebrar a produção russa pode levar a mais inflação
Parar a produção na região da Sibéria, com seus solos congelados, pode significar o congelamento de instalações e tubulações, que demandariam anos para serem recuperadas.
Também, com a retirada de elevados volumes de produção, a tendência será de aumento de preços, o que não é desejável.
Assim, o teto com o qual concordaram a União Europeia e os EUA é de US$ 60 o barril de petróleo, exatamente o preço de venda praticado pela Rússia para o petróleo dos Urais.
Sem entrar em detalhes sobre como pretendem impor o teto – por meio de controles sobre o transporte marítimo, navios-tanque, seguros de transporte e relativos a possíveis vazamentos – os países estabeleceram o novo preço de referência para o barril.
Países que desejarem comprar petróleo russo e o façam obedecendo ao teto de preço poderão usar os serviços de empresas europeias que dominam o mercado de transporte de óleo e fazer seus seguros também com empresas europeias.
Surgiu assim uma nova narrativa: para salvar a Europa da aflição que está vivendo e para reduzir os recursos da venda de hidrocarbonetos que vão para a Rússia, um teto de preço é criado e implementado.
E os preços dos combustíveis no Brasil?
Deve-se manter a referência do petróleo tipo Brent para fazer a paridade para os preços internos no Brasil? Se utilizado o teto de US$ 60/barril, haverá um efeito imediato no cálculo dos derivados que são vendidos internamente.
Os importadores poderão buscar fornecedores que vendem dentro dos novos parâmetros, mantendo a competitividade no mercado interno.
Esta discussão, porém, precisa de uma ampla abertura pois, se não é conveniente subsidiar preços para o mercado interno, o que já foi tentado e produziu efeitos negativos, também não é mandatório que se use referências internacionais de preço aleatórias, uma vez que não se referem a tipos de petróleo produzidos no Brasil.
* John M. A. Forman é consultor, foi presidente da Nuclebras e diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). É representante da sociedade civil (2020-2022) no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e presidente eleito da Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN).
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