O preço dos combustíveis e a garantia do abastecimento são discussões recorrentes que afetam toda sociedade brasileira.
O Brasil se destaca no cenário global por usar, de forma obrigatória, 27% de etanol anidro na gasolina C e, por possuir mais de 80% de sua frota de veículos leves flex fuel, que podem usar qualquer proporção de etanol hidratado ou gasolina.
Quando há aumento de preços nos combustíveis, inicia-se uma série de debates sobre o papel da Petrobras, medidas concorrenciais que podem ser implementadas; redução do teor de biocombustíveis; redução de tributos; auxílios para grupos direcionados e subvenções, como a usada na greve dos caminhoneiros em 2018.
Nesse artigo, exploro a questão do teor de etanol na gasolina C.
Preço e qualidade
Existem correntes que defendem a redução do teor de etanol anidro na gasolina C, como forma de aumentar a oferta de etanol hidratado (o que encontramos nas bombas dos postos), vendido diretamente ao consumidor.
Isso aumentaria a oferta de hidratado no mercado, a competição e, também, reduziria o preço da gasolina C, a depender do preço relativo da gasolina A (gasolina pura) e do etanol anidro.
Assim, torna-se importante esclarecer a importância do etanol na especificação da gasolina C, como ele contribui para reduzir o seu preço e de que forma sua utilização reduz emissões de dióxido de carbono na atmosfera. Essa definição exige análise integrada de vários fatores.
Quanto à qualidade, um dos principais parâmetros para avaliar sua qualidade é a octanagem. A octanagem mede a capacidade que o combustível tem, em mistura com o ar, de resistir a altas temperaturas na câmara de combustão, sem sofrer detonação.
Quanto maior a octanagem, maior a resistência à detonação.
Várias montadoras têm trazido para o Brasil motores de alta taxa de compressão, motores turbo de alto desempenho que necessitam de gasolina com alta octanagem para render o máximo de potência divulgado pela fabricante.
Por este motivo, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) melhorou a octanagem da gasolina comum, passando o valor mínimo de octanagem RON para 92, a partir de 3 de agosto de 2020, e 93, a partir de 1° de janeiro deste ano, que é determinada com o teor de etanol vigente.
O etanol possui octanagem superior à da gasolina regular e, por este motivo, atua como booster para o fornecimento de combustíveis com alta octanagem. A Tabela 1, abaixo, apresenta os resultados das propriedades da gasolina quando há adição de etanol.
O gráfico 1 mostra o efeito não linear da adição de etanol à gasolina e o respectivo aumento da octanagem, quanto maior o teor de etanol.
Dessa forma, quando há redução do teor de etanol na gasolina C, há redução da octanagem e torna-se necessário adicionar correntes de gasolina com maior teor de octanagem, que possuem preço mais elevado.
O gráfico 2 apresenta o diferencial de preços no Estados Unidos da gasolina premium (de maior octanagem) e a regular.
Assim, ao se reduzir o teor de etanol na gasolina, cada ponto percentual precisa ser substituído por uma corrente de gasolina mais cara e, ao final, pode haver encarecimento do produto.
Conteúdo energético
Outro ponto que merece atenção é a questão do conteúdo energético, pois o etanol possui menos energia por litro do que a gasolina.
O etanol anidro contém em torno de 30% menos energia do que a gasolina por litro. O impacto do etanol na economia de combustível é dependente do conteúdo de etanol no combustível e, se o motor é otimizado para rodar com gasolina ou etanol (AFDC, 2022).
Desta forma, qualquer avaliação de modificação do teor de etanol na gasolina C precisa levar em consideração:
- Preços relativos da gasolina A e do etanol anidro;
- Efeitos no preço final da gasolina C da utilização de correntes mais caras para compensar a perda de octanagem;
- Disponibilidade das refinarias de produzirem gasolina com maior octanagem e importação de correntes;
- Conteúdo energético da gasolina C em função do teor de etanol.
Emissões evitadas
Além disso, com a instituição da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), pela lei 13.576/2017, é possível quantificar as emissões evitadas de CO2 equivalente (CO2eq), quando se utiliza etanol em comparação ao seu substituto fóssil (gasolina A).
Pegando um exemplo hipotético de uma usina que tenha fator de emissão de CBIOs de 0,001409 tCO2eq/L, a cada 710 litros de etanol anidro que são substituídos por gasolina A, há emissão de 1 tonelada de CO2eq a mais na atmosfera.
Para se ter ideia, a compensação dessas emissões equivale ao plantio de 7 árvores, que sequestram 1 tonelada de carbono nos seus primeiros 20 anos de idade (IBF, 2022).
Ou seja, demora 20 anos para compensar a não utilização de etanol pela redução do teor.
Em conclusão, alterações no teor de etanol precisam de análise integrada de diferentes parâmetros de qualidade do combustível, encarecimento da gasolina A para atender a especificação da octanagem, garantia do abastecimento com necessidade de adequação do perfil de produção de refinarias, conteúdo energético da gasolina C em função do teor de etanol e impactos nas emissões de gases do efeito estufa.
Referências
AFDC (Alternative Fuels Data Center). Ethanol fuel basics. Disponível em: <https://afdc.energy.gov/fuels/ethanol_fuel_basics.html>. Acessado em 30/11/2022.
EIA (Energy Information Administration). Analysis of octane costs. November 28, 2018. Disponível em: <https://www.eia.gov/analysis/octanestudy/>. Acessado em 30/11/2022.
IBF (Instituto Brasileiro de Florestas). Compensação de CO2 com Plantio de Florestas. Disponível em:<https://www.ibflorestas.org.br/conteudo/compensacao-de-co2#:~:text=A%20cada%207%20%C3%A1rvores%2C%20%C3%A9,de%20Efeito%20Estufa%20(GEE)>. Acessado em 30/11/2022.
TIBAQUIRÁ, J.E.; HUERTAS, J.I.; OSPINA, S.; QUIRAMA, L.F.; NINO, J.E. The Effect of Using Ethanol-Gasoline Blends on the Mechanical, Energy and Environmental Performance of In-Use Vehicles. Energies; v.11, p.221, 2018; doi: 10.3390/en11010221.
WANG, C.; ZERAATI-REZAEI, S.; XIANG, L.; XU, H. Ethanol blends in spark ignition engines: RON, octane-added valeu, cooling effect, compression ratio, and potential engine efficiency gain. Applied energy; v.191, p. 603-619, 2017.doi: 10.1016/j.apenergy.2017.01.081.
Pietro Mendes é doutor em Tecnologia de Processos Químicos e Bioquímicos pela UFRJ, com estágio pós-doutoral na Beddie School of Business da Simon Fraser University (SFU); e Conselheiro da Associação de Engenharia Automotiva (AEA). Foi Secretário-Adjunto de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis e Diretor de Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MME). É assessor da Presidência da Infra S.A. e servidor de carreira da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)
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