Energia

Mais gás para o Brasil

Políticas de Estado para o aumento da disponibilização e uso comercial do gás natural do pré-sal trarão grandes benefícios para a sociedade, avaliam Aurélio Amaral, Lideniro Alegre e João Clark

Mais gás para o Brasil. Na imagem, operação de transbordo ship-to-ship em Angra dos Reis
Operação de transbordo ship-to-ship em Angra dos Reis

No artigo Gás do pré-sal: política pública para mercado potencial e sustentável, publicado em 30/10/2022 pela agência epbr, explicamos parte do diagnóstico da questão da produção versus reinjeção do gás natural do pré-sal.

Percebemos como a reinjeção de gás nos reservatórios subterrâneos do pré-sal se tornou pauta do dia, principalmente pelo custo de oportunidade que a falta de oferta de gás natural (GN) representa para nossa sociedade.

A Guerra da Ucrânia e os embargos aos insumos energéticos russos, além de acrescentar pressões geopolíticas intensas, contribuiu para um aumento expressivo no preço do gás natural, sobretudo no mercado Europeu.

A alternativa natural seria o GNL (Gás Natural Liquefeito), no entanto, este ainda carece de infraestrutura de liquefação/gaseificação e logística de transporte para levá-lo facilmente em qualquer quantidade de um ponto A para qualquer ponto B.

Ainda assim, a rápida evolução tecnológica do GNL, tanto na modularidade de liquefação/gaseificação e meios de transporte terrestre e navios metaneiros, pode corroborar seu papel como commodity, a exemplo do que ocorre hoje com o GN encanado e o petróleo.

Combinação de recursos

Nessas circunstâncias, se tivéssemos tido um olhar mais estratégico sobre a logística do abastecimento e uma adequada gestão dos recursos naturais brasileiros, teríamos duas alternativas: GNL e gás do pré sal.

A primeira, e menos vantajosa ao país, seria recorrer ao GNL importado. Já a segunda possibilidade, no entanto, é hoje limitada, dado à ainda acanhada infraestrutura de liquefação/gaseificação e transporte.

Decorrência de décadas de um modelo pouco atrativo ao investimento, essa carência encontra uma saída temporária — enquanto não chegam os dutos — advinda da rápida evolução tecnológica do GNL, que ganhou flexibilidade pela modularidade de liquefação/gaseificação e pelo aperfeiçoamento dos meios de transporte marítimo e terrestre.

Assim, é fundamental olhar para o Brasil e entender os motivos que justificam o contraste entre a produção bruta e líquida de GN no pré-sal.

Argumenta-se que não é prudente defender taxas tão altas de reinjeção, em detrimento da variedade de alternativas tecnológicas para sua monetização e de estratégias econômicas para desenvolvimento de infraestrutura para seu aproveitamento.

O Brasil é um país de tamanho continental com carência de rede de gás encanado (gasodutos de transporte, principalmente para o interior) e demandante de energia para o seu desenvolvimento. Entendemos que o GNL é também uma alternativa diante desse contexto.

Portanto, o propósito deste artigo é tensionar a racionalidade da Petrobras e de seus parceiros, bem como de outras operadoras no pré-sal, pela defesa da reinjeção.

Se faz necessário explicitar as questões técnicas e econômicas de tal defesa para que possam ser discutidas, entendidas e ponderadas pela sociedade brasileira. Bem como incentivar a atuação do Estado para estabelecer novas estratégias de aproveitamento do gás natural do pré-sal.

Eficiência e produtividade

Num cenário de recursos escassos, conciliar eficiência e produtividade não é tarefa trivial, especialmente na indústria de óleo e gás, onde os recursos são finitos e estratégicos para o desenvolvimento nacional.

Produtoras de E&P buscam maximizar o valor do portfólio de seus ativos pelo aproveitamento racional dos recursos in situ, contudo nem sempre essa racionalidade parece ter a melhor ótica de custo-benefício para a sociedade.

O PDE 2032 (EPE/MME) faz uma previsão de produção bruta de GN do pré-sal em 2032 na faixa de 252 MM m3/d e a correspondente líquida (descontada reinjeção, queima etc.) em cerca de 71 MM m3/d.

A interpretação de tais dados significa que apenas 28% serão disponibilizados para costa em 2032 e, portanto, 72% será reinjetada e parte usado nos FPSOs.

Entende-se que esse potencial de disponibilização está muito abaixo do ideal e, por isso, há a necessidade de se pensar em estratégias para aumentar a disponibilização do GN do pré-sal e, consequentemente, sua monetização pelo investimento em infraestruturas de escoamento do alto mar para costa, instalações de processamento do GN na costa e desenvolvimento de maior demanda por esse energético, como ocorre nos setores industrial, veicular, residencial, de geração térmicas e outros processos químico-industriais.

Estado como indutor

Isso requer projetos estruturantes em nível de Estado e que envolvam a indústria do petróleo como um todo e os potenciais usuários desse insumo.

Por certo, não há como negar a instrumentalidade da reinjeção para fins de maximização da produção de óleo, todavia, indagar sobre o limite do aproveitamento técnico se faz necessário, principalmente, quando há variação de teor de CO2 nos reservatórios subterrâneos do pré-sal.

Se a produção gasosa no pré-sal é alta, também será a de volume de CO2 e contaminantes, que devem ser separados e reinjetados para fins de aumento do fator de recuperação do óleo ou descartados no subsolo. Esse processo de separação não é perfeito e carreia também volumes de GN junto a corrente de CO2.

Subtraindo-se da produção bruta de GN as parcelas reinjetadas, consumida nas plataformas e perdas, vai resultar o que é denominado GN disponibilizado ou produção líquida.

A alegação de que se deve adotar uma produção com segurança e com menores emissões de CO2 parece bem-vinda até se perceber sua pretensão de relativizar altos índices de reinjeção e limitar o aumento da oferta.

O artigo OTC-25274-MS mostra que a fração da produção de GN que pode ser disponibilizada é função do teor de CO2 na produção gasosa (gás natural + gás CO2 + outros contaminantes na fase gasosa), após processamento por membranas específicas.

Para teores baixos de CO2 é possível disponibilizar mais GN. Por exemplo, 10% de CO2 na fase gasosa produzida poderia disponibilizar até 70% de GN.

No entanto, teores de 50% de CO2 restariam apenas 27% de GN para disponibilização. Neste último caso, talvez seja conveniente técnica e economicamente, a reinjeção total.

Desafios tecnológicos e econômicos

O teor de CO2 nos diversos campos do pré-sal é variado, mesmo dentro do próprio campo, o que introduz desafios tecnológicos e econômicos para a separação.

Citamos como exemplo, os campos de Tupi e Búzios que são detentores de baixos teores de CO2 (Tupi: entre 12% e 20% e Búzios: até 23%) o que poderia resultar em maiores volumes de GN disponibilizados de até 56% da produção gasosa.

No entanto, o projeto de Búzios atua com 100% de gás reinjetado. Ao passo que o campo de Mero possui cerca de 44% de teor de CO2, o que, segundo o Paper OTC-25274, resultaria numa disponibilização menor que 30%, considerando o consumo interno e perdas. Assim, seu projeto inicial não previa a disponibilização de GN para terra, pois, justificaria, de certo modo, sua total reinjeção. Então, cada campo é um caso a ser considerado.

Entende-se que o investimento em rotas de escoamento se mostra como uma alternativa imprescindível para a monetização do GN do pré-sal.

Contudo, seus custos e prazos de maturação são elevados e, por isso, estratégias de incentivos como redução da alíquota de royalties e participações especiais, como benefício para produtores que aumentem a disponibilização de GN do pré-sal no mercado podem ser uma saída aceitável.

Destinos para o GNL não faltam

Incentivos semelhantes poderiam ser utilizados para o desenvolvimento do mercado para o GN no Brasil, que ainda é aquém do potencial de gás que pode ser disponibilizado pelo pré-sal.

Ademais, excedentes de GN podem ser liquefeitos na forma de GNL e exportados, ou distribuído internamente. Já existem navios menores, de 3.000 a 7.000 m3 que podem ser usados no Brasil para diferentes portos por cabotagem e estações de gaseificação sem cais.

Outro ponto seriam investimentos da União pela Lei 12.351 de 2010, de modo a participar nos investimentos dessas infraestruturas. Vislumbra-se a implementação de PPP’s para fins de viabilização de infraestrutura de escoamento, a exemplo de uma potencial Parceria Público Privada que poderia ser realizada pela PPSA.

Os recursos poderiam vir tanto da comercialização do óleo da União, decorrente da sua participação dos consórcios, como também da redução das participações especiais de estados e União.

Acrescente-se que a gestão da infraestrutura de escoamento poderia ser realizada por um terceiro não integrante do consórcio de E&P, a exemplo de operadoras de transporte como a TAG, NTS ou TBG entre outros.

Há projetos que preveem escoamento do gás produzido no Campo de Bacalhau, operado pela Equinor e sem a participação Petrobras; na Bacia de Santos, cujo primeiro óleo é esperado para 2024 e pode ser feito por Itaguaí e ainda inclui a instalação de uma Unidade de Tratamento de Gás no município de Seropédica, na Baixada Fluminense. Cabe ressaltar que esse óleo é de boa qualidade e que seu GN não tem contaminação de CO2.

Oportunidades para o Brasil

Nesse cenário, não há como dissociar altas taxas de reinjeção de gás do pré-sal e o custo de oportunidade que representam para nossa sociedade.

No mundo, o aproveitamento do gás natural tem sido uma estratégia para lidar com os efeitos da guerra da Ucrânia e atender os pleitos de transição para uma economia de baixo carbono.

Aqui no Brasil, a Petrobras e seus parceiros, bem como outros operadores não parceiros da Petrobras, argumentam num discurso de maximização de portfólio de ativos de E&P por reinjeção do gás produzido no pré-sal, além do CO2 associado a injeção de água (WAG – Water Alternating Gas injection/Injeção alternada de água e gás CO2), esquecendo-se das contradições presentes na sua argumentação.

Reveja na íntegra o antessala epbr, programa semanal de entrevistas e debates, onde tratamos da Reinjeção de gás no país, um tema que historicamente divide opiniões no mercado e continua no debate.

Algumas propostas

  • (a) a criação de empresa independente (sem controle da Petrobras) para o segmento de escoamento e tratamento do pré-sal, incluindo os ativos das 3 rotas de escoamento integradas;
  • (b) disposição de modelos regulatórios para negócios envolvendo a gestão dos sistemas de escoamento e separação desses ativos das concessões de E&P;
  • (c) inclusão de participação privada nos investimentos das rotas de escoamento e operação independente dos produtores de E&P, para fins de coordenação e otimização dos fluxos de gás.

Acreditamos que maior transparência nessas argumentações e novas políticas de Estado, voltadas para o aumento da disponibilização e uso comercial do gás natural do pré-sal, trarão grandes ganhos para a sociedade brasileira. Quanto mais cedo essas iniciativas forem implementadas, melhores serão os efeitos para a sociedade.

Aurélio Amaral foi diretor da ANP até março de 2020 e é sócio no Shmidt, Valois advogados.

Lideniro Alegre é sócio-diretor da OPLA Consultoria no área de E&P da indústria do petróleo e membro do Grupo Rubicon Capital Partners.

João Clark foi presidente da Ecopetrol Brasil e hoje é consultor da Fox Rubicon Capital Partners.

Referências

Site da ANP, Relatórios da EPE/MME, Literatura Técnica nacional e internacional e mídia especializada na indústria do petróleo, bem como conhecimento próprio dos autores.

Paper OTC-25274-MS – May/2014: “An Evaluation of Large Capacity Processing Units for Ultra Deep Water and High GOR oil Fields”, Pinto, A.C.C.; Vaz, C.E.M.; Branco, C.C.M.; and Ribeiro, I.

Artigo da Rio O&G 2020, IBP0871_12-11-2020, Pedrosa, O. J.; Fernandez, E. F.; Almeida, E.F.; Alegre, L.; Bueno, S. e Castiñeiras, S.L.P.F.

EPE. Considerações sobre a Participação do Gás Natural na Matriz Energética no Longo Prazo. Documento de Apoio ao PNE 2050. Dezembro de 2018.

EPE. Monetização de gás natural offshore no Brasil. Nota técnica. Setembro de 2020.

EPE. Estudos do plano decenal de expansão de energia 2032. Previsão da produção de petróleo e gás natural. Superintendência de petróleo e gás natural.

DE ALMEIDA. Edmar Fagundes. FERNANDEZ. Eloi y Fernandez. PEDROSA. Oswaldo Antunes Junior. ALEGRE., Lideniro. BUENO, Savio. CASTIÑEIRAS, Sergio Luiz Pinto. Oportunidades e desafios para os investimentos em escoamento de gás do Pré-sal. Rio Oil and Gas 2020. ISSN: 2525-7579