Energia

Primeiro leilão de térmicas da MP da Eletrobras não interioriza o gás

Todos os projetos contratados nesta sexta (30/9) serão construídos no Amazonas, que já conta com rede de gasodutos

Polo Urucu, na Bacia do Amazonas (Foto: Agência Petrobras/Geraldo Falcão)
Polo Urucu, na Bacia do Amazonas (Foto: Agência Petrobras/Geraldo Falcão)

RIO — A contratação obrigatória de termelétricas a gás prevista na lei de privatização da Eletrobras não cumpriu, num primeiro momento, a proposta de interiorizar a infraestrutura de gás natural no Brasil. Todos os três projetos contratados no leilão desta sexta (30/9) — o primeiro para negociação dos 8 GW definidos em lei — estão no Amazonas, o único estado dentre as regiões contempladas na concorrência a contar com rede de gasodutos.

Em resumo:

  • A Eneva assegurou Azulão II e IV (que somam 590 MW), dentro do complexo de geração de gás associada à produção de gás de Azulão, na Bacia do Amazonas;
  • e a Global Participações negociou Manaus I (162,9 MW), que consumirá gás do Polo Urucu, da Petrobras, na Bacia do Amazonas, que já é interligado à capital pelo gasoduto Urucu-Coari-Manaus.

O leilão de reserva de capacidade desta sexta previa a contratação de 1 GW no Norte e 1 GW nos estados do Maranhão (300 MW) e Piauí (700 MW).

Havia uma expectativa de que o leilão pudesse, se bem-sucedido, viabilizar a oferta de gás a estados hoje não atendidos pela infraestrutura de gás – o que não se confirmou.

Entre os projetos cadastrados na concorrência, havia propostas, por exemplo, para construção do gasoduto Meio-Norte, para levar gás do futuro terminal de gás natural liquefeito (GNL) do Porto do Pecém (CE) até Teresina (PI); e para levar o GNL de Pecém à Bacabeira (MA), na Região Metropolitana de São Luís, via barcaças.

O cenário de estresse no mercado global de GNL, em meio à crise energética da Europa, pode ter dificultado. Algumas empresas chegaram a pedir a revisão do preço-teto da licitação, de R$ 444/MWh – equivalente ao preço-teto para a geração a gás do Leilão A-6, de 2019, atualizado. A Aneel considerou, no entanto, os pedidos fora do escopo da consulta pública do edital da concorrência.

Ao fim, prevaleceram os projetos a base de gás nacional, oriundos da própria Amazônia– um gás mais barato que o dos campos do pré-sal ou que o GNL importado.

A contratação compulsória de 8 GW de térmicas a gás foi uma contrapartida negociada, no Congresso, na aprovação da lei de autorização da privatização da Eletrobras.

A necessidade dessas usinas é contestada por ambientalistas e consumidores de energia – que se uniram na Coalizão Gás e Energia, para pressionar pelo cancelamento do leilão. A ONG Arayara chegou a entrar com uma ação na Justiça para tentar impedir a concorrência.

Os próximos leilões

A contratação compulsória de térmicas a gás, prevista na privatização da Eletrobras, não para por aí. Outros leilões ainda devem ser realizados nos próximos anos.

O decreto nº 11.042/2022, que regulamenta condições para a contratação dos 8 GW, prevê a instalação de:

  • 1 GW no Nordeste;
  • 2,5 GW no Norte (dos quais 752 MW foram contratados);
  • 2,5 GW no Centro-Oeste;
  • e 2 GW no Sudeste.

Pelo cronograma definido pelo decreto, as próximas capacidades a serem contratadas serão no Centro-Oeste e, novamente, no Norte, para início de suprimento até o fim de 2028.

O secretário-adjunto de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia, Frederico Teles, afirmou que o governo ainda fará uma avaliação jurídica sobre o que fazer com os 1,25 GW que não foram contratados no leilão desta sexta. [g1]

O modelo de contratação das térmicas foi montado de forma a estimular a interiorização do gás. Estabelece a obrigatoriedade de se contratar usinas em capitais ou regiões metropolitanas que não possuem ponto de suprimento de gás.

Há exceções. No caso da região Norte, havia a possibilidade de contratação de projetos em locais que já contam com acesso ao gás, como o Amazonas. E foi exatamente o que aconteceu.

Mas pelas regras, nas próximas licitações, ao menos duas capitais ou regiões metropolitanas da região Norte terão que ser contempladas.

Macapá (AP), que pode se conectar por cabotagem de GNL com os campos do Amazonas ou com o terminal de GNL da New Fortress em Barcarena (PA) é um dos candidatos naturais. A Região Metropolitana de Belém (BA)  também pode vir a receber o gás da planta de regaseificação de Barcarena.

Eneva atinge 1 GW em Azulão

Maior vencedora do leilão desta sexta, a Eneva emplacou mais 590 MW de geração térmica associada à produção de gás no campo de Azulão, na Bacia do Amazonas.

Os novos projetos foram contratados por 15 anos, com operarão com inflexibilidade de 70% a partir de 31 de dezembro de 2026.  A empresa assegura, assim, uma receita fixa adicional de R$ 1,921 bilhão por ano. Além disso, quando despachada acima da inflexibilidade contratual, Azulão II receberá receita variável de R$150/MWh.

Os novos projetos serão implantados em conjunto com a UTE Azulão I (295 MW) — contratada no Leilão de Reserva de Capacidade de 2021. Somada ao projeto integrado da UTE Jaguatirica (117 MW), o complexo termelétrico de Azulão ultrapassa os 1 GW.

Para atender à demanda das termelétricas do complexo, a capacidade máxima de produção de gás da Eneva na Bacia do Amazonas será ampliada de 1 milhão de m³/dia para 5 milhões de m³/dia.

O investimento total estimado pela companhia no projeto é de R$ 5,8 bilhões, sendo 75% desse montante destinado às usinas de geração, em si.

Petrobras garante demanda para Urucu

O projeto Manaus I, da Global Participações, por sua vez, garantiu uma demanda adicional para o gás de Urucu, operado pela Petrobras.

A estatal chegou a tentar vender Urucu e abriu negociação com a Eneva. No início do ano, contudo, as partes  encerraram, sem sucesso, as conversas em curso.

O mercado aguarda os próximos passos da Petrobras. A PetroReconcavo, por exemplo, já sinalizou interesse no ativo, caso a estatal retome o desinvestimento.

Não haverá necessidade de investimento adicional no gasoduto Urucu-Coari-Manaus, da Transportadora Associada de Gás (TAG), para instalação de Manaus I.

A nova térmica contribuirá para aumentar a utilização do gasoduto e garante uma capacidade firme contratada para a transportadora pós-2030.