Biocombustíveis

Interferência de Bolsonaro em prazos do RenovaBio compromete mercado de carbono, diz associação

Produtores de biodiesel classificam como retrocesso decisão do governo de alterar prazos para comprovação do atendimento à meta anual de redução de emissões

Decreto de Bolsonaro sobre RenovaBio compromete mercado de carbono. Na imagem, Jair Bolsonaro, presidente da República (Foto: Isac Nóbrega/PR)
Presidente da República Jair Bolsonaro, durante visita à 23ª Feira Nacional da Soja (FENASOJA). A soja é a principal matéria-prima do biodiesel (Foto: Isac Nóbrega/PR)

BRASÍLIA — Produtores de biodiesel classificaram como um “retrocesso” o decreto editado por Jair Bolsonaro (PL) nesta sexta (22/7) aumentando o prazo para que as distribuidoras de combustíveis comprovem suas metas individuais no RenovaBio.

Anunciada pelo Ministério de Minas e Energia (MME) há uma semana, a intervenção no mercado fez despencar os preços do créditos de descarbonização (CBIO) do programa.

As empresas terão até 30 de setembro de 2023 — e não mais o fim deste ano — para comprovar a compra referente a 2022.

“Esta é uma decisão que muda a regra do jogo em andamento, gerando insegurança jurídica — deixando de ter um ambiente de negócios favorável aos investimentos”, critica Francisco Turra, presidente da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio).

Na avaliação de Turra, a decisão do governo promove intervenção em um ativo negociado em bolsa de valores, “desacreditando o mercado de carbono nacional”.

“Este é mais um retrocesso para o RenovaBio e para sua meta de emissão de créditos de descarbonização (CBIOs). O que deveria ser uma política de Estado, que reconhece o papel estratégico de todos os biocombustíveis na matriz energética brasileira virou política de preços de combustível”, analisa.

Para ele, “a segurança energética, a previsibilidade do mercado e a mitigação de emissões dos gases causadores do efeito estufa no setor de combustíveis, promovidos pela política pública, viraram letra morta”.

O decreto também altera o prazo para os próximos anos: a comprovação das metas anuais deve ocorrer até 31 de março do ano subsequente. Com isso, as distribuidoras ganham mais três meses para comprovar o cumprimento de suas metas.

A ampliação do prazo foi recomendada pelo Comitê do RenovaBio, como mais uma medida para reduzir os preços dos combustíveis, especialmente do diesel.

Diferente da gasolina, o diesel teve uma redução pouco expressiva com as mudanças no ICMS.

Ocorre em um momento em que os agentes da cadeia se acusam de manipulação do mercado de negociação do CBIO.

O ministro Adolfo Sachsida está promovendo, há semanas, que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) inicie uma investigação, mas até o momento trata-se de especulação.

Nem o ministério, nem o CADE ou outros órgãos de controle apresentaram alguma análise sobre as acusações feitas nos bastidores entre os agentes — variam da manipulação na oferta, por produtores de biocombustíveis, e da demanda, por distribuidoras, para prejudicar com a inflação do CBIO e redução das margens.

Já os produtores de biocombustíveis alegam que a maior parte dos títulos está em posse das distribuidoras.

“Hoje tem menos de dois milhões de CBIOs na posse do produtor e quase vinte milhões negociados. O produtor emissor de CBIO deu absoluta liquidez ao título. Essa afirmação de que o produtor segurou o CBIO, não vendeu, posso dizer com tranquilidade que é mentirosa”, comentou no início da semana Evandro Gussi, presidente da Unica (associação do setor de etanol).

A meta deste ano para as distribuidoras é de 35,98 milhões de títulos. Dados da B3 de 18 de julho mostram que o volume de CBIOs em posse do produtor era de 1,9 milhões, no início da semana. Já o volume em posse da parte obrigada, ou seja, as distribuidoras, era de cerca de 20,5 milhões. Outros 4,1 milhões foram aposentados.

Intervenção derruba preços do CBIO

O CBIO encerrou o mês de junho cotado a R$ 202, o dobro do valor registrado no início de março, quando o crédito de descarbonização já havia batido recorde, em valor nominal. Após a recomendação do Comitê do RenovaBio, pela flexibilização dos prazos, o preço despencou e se aproximou, nos últimos dias, dos R$ 100.

O Ministério de Minas e Energia justificou que a flexibilização do RenovaBio está em linha com o atual estado de emergência no Brasil e com a recomendação do Comitê RenovaBio.

Cada CBIO equivale a uma tonelada de carbono que deixou de ser emitida.

Biodiesel com mandato reduzido

Em nota, a Aprobio diz ainda que o país andou para trás em 2022, com a redução da mistura de biodiesel no diesel para 10% (B10), quando já deveria estar em B14, e que a gestão atual enfraquece a agenda de eficiência e tecnologia limpa.

“Com mais de 50% de ociosidade, o setor de biodiesel observa a interrupção dos investimentos e a estagnação do modelo de transição da matriz energética na direção contrária aos objetivos estabelecidos no Acordo de Paris, com impacto direto para o crescimento de economia em toda a cadeia produtiva e a eliminação do emprego verde”, completa Turra.

O percentual de adição do biodiesel ao diesel está fixado em 10% desde o ano passado. O aumento da mistura esbarra numa questão sensível ao governo: o preço do diesel.

O mandato deveria ser de 14% (B14) a partir do 2º bimestre deste ano, mas, por causa da disparada dos preços do biocombustível, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) decidiu manter o B10 por todo o ano.