RIO — O presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou, esta semana, que o Brasil tem um acordo “quase certo” para comprar óleo diesel da Rússia a preços mais baratos que a média do mercado global. A expectativa, segundo ele, é que as primeiras cargas cheguem em 60 dias e ajudem a baratear o preço do combustível no país.
O ministro de Relações Exteriores do Brasil, Carlos França, disse que o país quer comprar o “tanto quanto pudermos” de diesel da Rússia. O governo, segundo a Reuters, tem promovido, nas últimas duas semanas, reuniões de aproximação entre exportadoras russas e distribuidoras de combustíveis do Brasil.
Ainda não está claro o tamanho dessas importações, nem como ela se dará, a ponto de ser possível dizer que a compra de diesel barato russo ajudará a reduzir os preços internos do combustível. Bolsonaro não detalhou se a Petrobras, controlada pela União, vai importar produto russo. O que se sabe até agora é que um trading privada — a Uptime Trading e Distribuição — afirmou ter um contrato para compra de 25 mil toneladas mensais, por um ano, com uma refinaria russa. Não se trata de um volume expressivo dentro do universo do mercado nacional.
A Rússia é uma fonte pouco relevante de diesel, hoje, para o mercado brasileiro.
- Por que, agora, então, ela desponta como uma solução para o Brasil?
- E por que os russos, um dos grandes produtores mundiais de derivados, estão baixando seus preços?
Para entender as nuances dessa aproximação comercial entre Brasil e Rússia, é preciso recorrer à geopolítica do petróleo pós-guerra da Ucrânia.
Guerra da Ucrânia traça novos fluxos no mercado global
Em junho, a União Europeia anunciou um novo pacote de sanções à Rússia. A resposta à invasão da Ucrânia inclui a interrupção das importações de derivados de petróleo, de forma gradual — a medida levará oito meses para ser implementada. Antes, em março, os Estados Unidos já haviam anunciado punição semelhante.
Diante das sanções impostas pelas potências ocidentais, a Rússia perdeu seu principal mercado consumidor, a Europa, e passou a buscar novos destinos para suas cargas. Com o mercado estrangulado, os russos tiveram que baixar os preços;
Segundo a consultoria Rystad Energy, o preço do petróleo bruto dos Urais – a principal referência de petróleo russo — tem sido negociado, desde abril, com desconto de US$ 30 a US$ 40 barril ante a cotação do barril do tipo Brent, a referência global.
No caso do diesel, em particular, a S&P Global Platts destacou, em relatório sobre o assunto, que as cargas de diesel de “origem aberta” (entendida como de origem russa, na análise) têm sido negociadas com descontos de US$ 100 por tonelada em relação ao petróleo não-russo no mercado europeu.
As exportações de petróleo, gás natural e derivados são itens importantes para a economia russa. A Rystad estima que o governo russo pode perder até US$ 85 bilhões (-30%) em receitas com a tributação sobre petróleo e gás este ano, devido ao desconto significativo no petróleo bruto dos Urais, da ordem de US$ 40 por barril.
Quatro meses após a invasão da Ucrânia, as sanções à Rússia redesenharam os fluxos do comércio internacional. O petróleo bruto russo dos Urais se deslocou da Europa para a Ásia.
China, Índia — e agora Brasil — mantêm relações com a Rússia
Segundo a Rystad, desde que as refinarias europeias começaram a evitar o petróleo russo, após a invasão da Ucrânia, as vendas da Rússia para a Europa caíram 27% entre março e maio, para 1,49 milhão de barris/dia.
Já as importações de petróleo de origem russa pelas refinarias asiáticas cresceram 33%, de uma média de 1,14 milhão de barris/dia no primeiro bimestre para 1,517 milhão de barris/dia na média de março a maio – com destaque para a China e Índia.
Com isso, o óleo russo deslocou parte dos barris que vinham do Oriente Médio.
“A expectativa de que o petróleo russo deixaria de ser negociado nos mercados internacionais não se concretizou. Em vez disso, o grande desconto no petróleo russo fez com que os navios fossem redirecionados para mercados alternativos. Embora o custo de financiamento desses navios e negócios tenha aumentado significativamente devido ao congelamento do sistema financeiro ocidental, o desconto nos Urais é muito atraente para alguns refinadores ignorarem”, cita relatório da Rystad.
Não é de hoje que Bolsonaro acena para Putin. Em fevereiro, dias antes do início da guerra, o presidente brasileiro prestou solidariedade a Putin em visita oficial a Moscou. E preferiu adotar uma posição oficial de neutralidade.
Na ocasião, os dois países anunciaram o compromisso em fortalecer a parceria estratégica e ampliar o relacionamento bilateral em setores como a agricultura, defesa e energia.
A relação Rússia-Brasil nos combustíveis
A Rússia é um parceiro estratégico para a economia do Brasil, sobretudo no setor de agronegócios e fertilizantes, mas não no mercado de combustíveis.
Segundo dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), os russos representam menos de 1% das importações de diesel do Brasil.
O maior parceiro comercial brasileiro, nesse sentido, são os Estados Unidos. Segundo a S&P Global Platts, um eventual acordo com Rússia-Brasil pode atrapalhar os carregamentos mais caros de diesel dos EUA para o mercado brasileiro. Os americanos forneceram entre 54% e 71% do diesel importado pelo Brasil nos últimos três meses.
Outros fornecedores relevantes de diesel para o Brasil são a Arábia Saudita, Índia e Emirados Árabes Unidos.
Os riscos de retaliação versus os riscos de desabastecimento
Apesar das sanções impostas pelas potências ocidentais, não existe um impeditivo, do ponto de vista legal, para que o Brasil compre o diesel russo. A aproximação com os russos, porém, revela um alinhamento econômico que pode gerar questionamentos na comunidade internacional, segundo especialistas.
Além disso, alguns interessados em importar diesel da Rússia podem esbarrar em retaliações no mercado financeiro, no processamento de pagamentos ou no acesso a crédito.
As mesmas sanções que trazem riscos para uma eventual parceria comercial Rússia-Brasil nos combustíveis, contudo, são as mesmas que contribuem para a aproximação entre os dois países.
O alinhamento acontece num momento em que o Brasil busca a recuperar os estoques de diesel, diante dos riscos de desabastecimento no segundo semestre.
O alerta foi apresentado pela Petrobras em maio, quando a empresa – em meio aos fortes ataques de Bolsonaro contra os preços da companhia – defendeu a necessidade de reajustar os combustíveis, sob o risco de faltar diesel no mercado doméstico.
Em comunicado ao mercado, dias antes de reajustar o diesel a gasolina, a Petrobras reforçou os riscos de que o mercado global fique mais pressionado nos próximos meses, em função:
- do aumento sazonal da demanda mundial no segundo semestre;
- da menor disponibilidade de exportações russas pelo prolongamento e agravamento de sanções econômicas ao país;
- e das eventuais indisponibilidades de refinarias nos Estados Unidos e Caribe com a temporada de furacões de junho a novembro.
Cobrimos por aqui
- Vai faltar diesel? Os riscos segundo Petrobras, MME e consultorias
- E se faltar diesel no Brasil? Saiba em que estados os riscos são maiores
Diante desse quadro, a ANP quer obrigar as grandes empresas do setor de combustíveis a aumentar os estoques, entre setembro e novembro. A proposta despertou insatisfação entre as empresas. Petrobras, Acelen (Refinaria de Mataripe), Vibra, Raízen e Ipiranga reagiram contra e veem risco de aumento dos preços com a medida.
A proposta da ANP obriga produtores e distribuidores com participação de mercado superior a 8% a manter o equivalente a nove dias de estoques por semana. Na prática, a agência quer recuperar os níveis de estoque de maio (1,650 milhão de m³).
A possibilidade de desabastecimento de diesel foi levantada pela Petrobras naquele mês, devido a paradas de manutenção previstas em suas refinarias para o segundo semestre e à escassez do produto no mercado internacional, por causa da guerra da Ucrânia.
Em nota emitida nesta quarta, a ANP afirmou que, no momento, o abastecimento dos combustíveis, no país, “ocorre com regularidade” e que seu objetivo é atuar de forma preventiva.
Na terça-feira (12/7), o ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, disse que o país está abastecido até o fim do ano e os estoques são suficientes para garantir o suprimento por 50 dias, sem necessidade de importação, no caso de uma grande crise global no suprimento.