Energia

A tarifa de transporte de gás natural de curta distância como ferramenta para transição do Novo Mercado de Gás

Medida atrai investimentos em infraestrutura e fluxos de gás, escrevem Laércio Oliveira e Marcelo Menezes

Na imagem: Vista aérea de duas embarcações realizando transferência de GNL ship-to-ship no terminal do Porto de Sergipe, porta de entrada de gás natural no estado (Foto: Divulgação Celse)
Transferência de GNL ship-to-ship no terminal do Porto de Sergipe, porta de entrada de gás natural no estado (Foto: Divulgação Celse)

O estado de Sergipe iniciou mais um importante debate para o avanço do novo mercado de gás natural nessa quarta-feira (22/6) ao apresentar ao diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) uma proposta de criação de tarifa de transporte de gás natural de curta distância (“Tarifa de Curta Distância” ou “TCD”), também conhecida internacionalmente como short haul.

A proposta da Tarifa de Curta Distância é que seja exclusivamente destinada ao transporte de gás natural injetado na rede a partir de uma Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN) ou terminal de gás natural liquefeito (GNL) localizados dentro de um estado e destinado ao consumo no próprio estado. 

Tal medida se insere num esforço regulatório mais amplo que Sergipe tem empreendido para modernizar o seu arcabouço regulatório e desenvolver um mercado consumidor diversificado, que poderá pavimentar uma retomada econômica focada na reindustrialização.

Para tanto, é fundamental que haja segurança no suprimento de gás natural e uma infraestrutura de transporte adequada. A Tarifa de Curta Distância endereça ambos os requisitos ao reduzir os custos de transporte e ao mesmo tempo incentivar a consolidação de investimentos na malha central de gasodutos. 

O que se espera com o short haul

Espera-se, dessa forma, atrair novos carregadores e, consequentemente, ampliar a oferta: seja monetizando os recursos naturais nacionais do offshore via UPGN ou garantindo flexibilidade de fornecimento por meio dos terminais de GNL.

A premissa é, portanto, de assegurar condições para tornar o preço do gás natural o mais competitivo possível, diversificando tanto fornecedores (mercado nacional e internacional) quanto consumidores (indústrias de fertilizantes, petroquímico, cimento, cerâmica e vidro). 

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Por outro lado, cria-se o incentivo de tais carregadores pagarem por uma tarifa reduzida de transporte para a curta distância, evitando investimentos fora da malha central de transporte em um momento tão crítico para a consolidação da infraestrutura no País.

Bypass

Assim, a TCD busca mitigar o risco de fuga do sistema (by-pass) e fomentar a adesão de novos carregadores que desempenhem papel relevante na transição para um mercado competitivo de gás natural. 

Tal modalidade tarifária está alinhada com as diretrizes estratégicas do setor previstas na legislação, especialmente na Resolução do Conselho Nacional Política Energética (CNPE) nº 3/2022, bem como na recente prática tarifária de privilegiar o fator locacional no cálculo tarifário que vêm sendo adotada pela ANP.

O Short Haul também é adotado ou, ao menos permitido, na experiência regulatória internacional de diversas jurisdições de referência como Inglaterra, Canadá, Estados Unidos e Argentina. 

O caso de Sergipe

No caso concreto de Sergipe, tal medida regulatória contribuirá para consolidação do hub de gás natural e do polo de fertilizantes que serão fundamentais para o desenvolvimento do estado.

O hub de gás natural é composto pelo terminal de GNL das Centrais Elétricas de Sergipe (CELSE), com capacidade de armazenamento de 170 mil m3/dia de GNL e regaseificação de até 21 milhões de m3/dia.

Se considerarmos que o consumo da termoelétrica Porto de Sergipe I de 1.551MW, quando despachada, é da ordem de 7 milhões de m3/dia, fica claro a enorme disponibilidade para suprimento de gás natural para outros usos a serem explorados e que dependerão do surgimento de um mercado consumidor.

Tal incentivo também facilitará a monetização da produção nacional esperada do projeto Sergipe Águas Profundas (SEAP), da Petrobras. 

Quanto ao polo de fertilizantes, há projetos como o de extração de potássio da Vale no complexo Taquari-Vassaroura e nos municípios de Capela e Japaratuba, cuja viabilização dependerá de fornecimento de gás a preço competitivo, sendo estimado o consumo na fase inicial de 760 mil m3/dia de gás natural. 

Em tal cenário, a TCD incentivará que novos carregadores que recebam o gás no terminal de GNL realize o transporte do insumo pela malha central ao invés de construírem gasodutos dedicados de curta distância, na medida em que a destinação final seria em local próximo.

Caso contrário, há risco de investimentos relevantes em infraestrutura ocorrerem de forma a atender interesses específicos, resultando em ineficiência de investimentos nos gasodutos.

É fundamental que a TCD tenha aplicação direcionada, uma vez que um universo amplo de beneficiários poderia resultar no efeito rebote de oneração demasiada dos demais carregadores e, consequentemente, consumidores aumentando o custo do gás.

Por tal motivo, a proposta apresentada é exclusivamente destinada ao transporte de gás natural injetado na rede a partir de um estado e destinado ao consumo nesse próprio estado.

Importante ressaltar que o objetivo de tal proposta não é limitar a sua aplicação ao estado de Sergipe, mas beneficiar todos os estados da federação que se enquadrem em tais circunstâncias. 

Modelos de tarifa de transporte de gás natural por distância

Ainda que o short haul tenha diversas formas de implementação, a partir de estudos preliminares da experiência estrangeira sobre o tema, foram identificados dois possíveis modelos que estariam em conformidade com o ordenamento jurídico brasileiro e alinhados com a política regulatória de transição do mercado.

Um primeiro modelo baseia o cálculo da TCD no custo de construção e operação de eventual gasoduto dedicado de distribuição que concorreria com a malha de transporte.

Uma segunda opção seria estruturar uma tarifa que privilegie o fator locacional do transporte de maneira que a parcela tarifária baseada na distância tenha maior “peso” na apuração total da tarifa, como por exemplo a metodologia de Distância Ponderada pela Capacidade (Capacity Weighted Distance – “CWD”) adotada na Europa e nas chamadas públicas do Gasbol

Tais modelos de Tarifa de Curta Distância estão em plena conformidade com o arcabouço jurídico brasileiro e alinhados com as diretrizes estratégicas para o desenho do novo mercado de gás natural estabelecido pelo CNPE, não representando violação à vedação de tratamento discriminatório, que é um dos pilares da regulação de compartilhamento de infraestruturas essenciais (i.e. essential facilities).

A partir de uma análise preliminar de marcos regulatórios em jurisdições estrangeiras de referência, que também adotam como princípios reguladores do transporte de gás a isonomia entre agentes e a proibição de subsídios cruzados indevidos, verifica-se que a diferenciação de tarifa não resultaria necessariamente em prejuízo aos demais usuários.

Ao mesmo tempo, tal medida mitigaria riscos relevantes para os sistemas nacionais de transporte de gás ao atrair e consolidar investimentos em infraestrutura e fluxos de gás.

Espera-se com tal iniciativa fomentar um importante debate com a ANP, que desempenha papel central na regulamentação e promoção do novo mercado de gás, a fim de aprofundar medidas regulatórias concretas e incentivos que acelerem a transição para um mercado competitivo de gás natural.

Laércio Oliveira (PP/SE) é deputado federal.

Marcelo Menezes é superintendente executivo da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do estado de Sergipe (Sedetec/SE).