RIO — O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou nesta quarta-feira (22/6) a venda do controle detido pela Petrobras na Gaspetro, para a Compass, do grupo Cosan, sem restrições.
A aprovação foi unânime, com a ressalva de alguns conselheiros. Com isso, o órgão antitruste autoriza a continuidade do negócio de R$ 2,03 bilhões, fechado em 2021.
Os conselheiros do Cade aprovaram a transação com uma única ressalva: a Compass terá que fazer, em até três anos, a venda — já anunciada pela empresa — de 12 das 18 distribuidoras estaduais que compõem a Gaspetro. Caso contrário, a decisão de hoje pode ser revista.
Como o negócio é sigiloso, não é possível afirmar ainda como ficará o mercado de distribuição com o negócio. Já controla a Comgás (SP), e ano passado comprou a Sulgás (RS).
A intenção da Compass é manter posições majoritárias e minoritárias em mais seis distribuidoras.
Com a Gaspetro, vai assumir o controle da GasBrasiliano, em São Paulo.
O caso foi relatado pelo conselheiro Luiz Augusto Hoffman. Em seu voto, ele descartou o argumento de que a compra das participações nas distribuidoras poderia dar à Compass poder de mercado para estabelecer o preço do gás canalizado.
Hoffman citou que as tarifas são definidas pelas agências reguladoras estaduais. E que a participação da Compass será minoritária nas concessionárias — à exceção da Sulgás, GasBrasiliano e Comgás.
Ele acompanhou o entendimento da Superintendência-Geral do Cade, que havia concluído que o saldo da operação é positivo. O negócio é criticado por outros agentes e consumidores do mercado de gás natural.
A própria Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) foi contra e sugeriu ao Cade que a Gaspetro fosse desmembrada para reduzir a concentração do mercado consumidor e distribuidor de gás natural.
No fim, os anúncios feitos pela Compass, de acordos para vender 12 distribuidoras, em dois pacotes de cinco e sete, foram considerados suficientes pelo colegiado.
Classificação do Subida da Serra na venda da Gaspetro
Os conselheiros do Cade também discutiram sobre o impasse que envolve a classificação do gasoduto Subida da Serra, em construção pela Compass para atender ao mercado da Comgás, a maior distribuidora do país, que atua em parte do estado de São Paulo.
Alguns conselheiros afirmaram que, caso prevaleça o entendimento inicial da ANP, de que o projeto se trata de um gasoduto de transporte, a operação da Gaspetro poderá ser revista.
“Venha ele [o Subida da Serra] a ser, pela autoridade administrativa competente ou pelo poder Judiciário, declarado como sendo gasoduto de transporte, simplesmente [a Compass] manter os dois negócios [transporte e distribuição] incide em uma vedação legal”, afirmou Sergio Ravagnani.
“Poderemos, sim, fazer uma revisão da aprovação dessa operação”, frisou.
O conselheiro Luiz Braido, por sua vez, sugeriu, como remédio, que a Compass fosse proibida de assinar novos contratos no mercado livre por cinco anos, a depender do controle cruzado em distribuidoras estaduais. A proposta não foi adiante.
A “ilha do gás”
A operação enfrentou resistência de grandes consumidores de gás natural, das transportadoras representadas pela Atgás, e de supridores do energético.
Na reta final da análise no Cade, a Associação de Produtores Independentes de Petróleo e Gás (ABPIP) pediu que o negócio fosse vetado. Além da ABPIP, a ATGás (que representa as transportadoras), a Abvidro (indústria de vidro) e a Abrace (grandes consumidores de energia) entraram com recursos.
Até mesmo setores do governo federal, na equipe econômica, apontaram o risco de formação de “ilhas de gás”, isto é, mercados regionais isolados ou com grandes estímulos à entrada de agentes, em razão do poder da Cosan no mercado de energia.
A preocupação parte de São Paulo. Paralelamente à compra da Gaspetro, a Compass instala um terminal de gás natural liquefeito (GNL) em Santos, o TR-SP, que será conectado ao Subida da Serra, projeto controverso por si só.
“A Abrace (…) compartilha da visão de muitos no sentido de que a decisão do Cade (…) não contribui para um cenário ideal de competitividade no mercado de gás natural no Brasil, indo contra com a visão de um mercado nacional diverso, desverticalizado e competitivo que corresponda às diretrizes aprovadas pelo Congresso Nacional na Lei do Gás”, disse a associação, em nota.
A Compass nega. Ao longo dos meses de discussão no órgão antitruste, a companhia reiterou a defesa de que se trata de uma operação envolvendo mercado regulado, com regras suficientes para garantir o dinamismo entre consumidores e supridores de gás natural. Tese que prevaleceu.
Além disso, com o entendimento do Cade é que o mercado ficará inevitavelmente menos concentrado. A Petrobras, supridora majoritária e ainda com participações no segmento de transporte representa um controle muito maior do setor, concluiu o órgão.
A Compass é uma empresa de infraestrutura e comercialização, o braço mais recente do grupo Cosan que já atua na distribuição de combustíveis e produção de etanol por meio da Raízen, sociedade com a Shell – segunda maior produtora nacional de gás natural, atrás da Petrobras.
Além disso, o grupo está aumentando os investimentos em biometano, substituto do gás natural.
Mitsui ameaça exercer direito de preferência na venda da Gaspetro
A Mitsui vem manifestando preocupações junto ao Cade sobre a forma como a Compass conduz a aquisição da fatia de 51% da Petrobras na Gaspetro e ameaça exercer o seu direito de preferência, como acionista, na compra do ativo.
A companhia japonesa é dona de 49% do ativo e abriu mão, inicialmente, do direito de preferência, como acionista, na compra do controle da Gaspetro.
A multinacional entende, contudo, que a Compass mudou os termos do negócio, ao ter anunciado a assinatura de dois contratos para venda de participações minoritárias em 12 das 17 distribuidoras estaduais de gás canalizado que fazem parte da Gaspetro.
Além da participação indireta que detém nas 17 distribuidoras da Gaspetro, por meio de sua fatia de 49% na holding, a Mitsui também tem participação acionária direta em oito distribuidoras: Algás (Alagoas), Bahiagás (Bahia), Cegás (Ceará), SCGás (Santa Catarina), Copergás (Pernambuco), PBGás (Paraíba) e Sergás (Sergipe).
ANP foi contra a venda para a Compass
A agência recomendou que o Cade vetasse a compra da Gaspetro pela Compass e que a Petrobras abra um novo processo de oferta de seu braço de distribuição de gás, de forma que os interessados apresentem ofertas em separado por cada uma das concessionárias envolvidas na operação.
A ANP entende que esse formato é mais propício à competição do que a venda do ativo num só bloco.
O Comitê de Monitoramento da Abertura do Mercado de Gás Natural (CMGN), órgão interministerial, também já alertou para “riscos elevados de práticas anticoncorrenciais” e recomendou que a Compass seja obrigada a vender parte das distribuidoras.
Ao defender a aprovação da aquisição sem restrições, a Compass alega que “é evidente que a operação é incapaz de replicar o cenário anterior de domínio transversal da Petrobras”, sobretudo porque a companhia “não atua, nem atuará, nos elos estruturantes da cadeia de gás (a produção e o transporte), os quais representam as principais barreiras ao desenvolvimento do setor”.