Em julho de 2021, no âmbito do European Green Deal, a União Europeia (UE) adotou um pacote de medidas para o alcance da neutralidade climática, comprometendo-se a reduzir suas emissões líquidas em pelo menos 55% até 2030 — o denominado Fit to 55.
Entre as medidas adotadas pela Comissão Europeia, constam:
- a aplicação do comércio de emissões (ETS) a novos setores e uma restrição ainda maior no cap de emissões, expandindo a sua taxa anual de redução de emissões;
- aumento do uso de energia renovável;
- maior eficiência energética;
- maior rapidez na implantação de modos de transporte de baixa emissão, infraestrutura e combustíveis para apoiá-los;
- um alinhamento das políticas fiscais com os objetivos do European Green Deal;
- medidas para prevenir a “fuga de carbono” (carbon leakage, em inglês); e
- ferramentas para preservar e aumentar os sumidouros naturais de carbono.
Vale ressaltar que o sistema de comércio de emissões europeu (EU ETS) implementa um preço sobre o carbono e reduz o teto de emissões de determinados setores da economia todo ano. Com isso, o sistema reduziu as emissões das indústrias de geração de energia e uso intensivo de energia — refinarias de petróleo, siderúrgicas e produtores de ferro, alumínio, cimento, papel e vidro — em 42,8% nos últimos 16 anos.
Em maio deste ano, a Comissão do Ambiente, da Saúde Pública e da Segurança Alimentar do Parlamento Europeu aprovou a revisão do EU ETS com 62 votos a favor, 20 votos contra e 5 abstenções, que, então, seguiria para aprovação no Parlamento. Dessa forma, os membros do Parlamento Europeu buscam aumentar o nível de ambição climática comparada à proposta pela Comissão Europeia. Entre os itens da proposta, constam:
- Novo sistema de comércio de emissões (ETS II) para edifícios comerciais e transportes; a ser implementado a partir de 1 de Janeiro de 2025, onde haverá um preço teto de EU50, inicialmente;
- Eliminação gradual (phase-out) das permissões gratuitas a partir de 2026 com eliminação em 2030;
- Receitas oriundas da comercialização das permissões devem ser usadas exclusivamente para ação climática na UE e nos estados membros;
- Um sistema de bônus-malus deve ser introduzido a partir de 2025; Ou seja, quem não implementar as recomendações das auditorias de energia ou sistemas de energia certificados ou não estabelecer um plano de descarbonização das suas instalações, perderá algumas ou mesmo todas as suas permissões gratuitas de emissão.
Também constam a inclusão da incineração de resíduos urbanos no EU ETS, além da inclusão do transporte marítimo, a ser coberto em 100% até 2027 (com algumas exceções), cuja receita será alocada em um fundo para os oceanos de modo a apoiar a transição do setor marítimo.
Ou seja, a reforma tinha o intuito de incentivar as indústrias e acelerar o processo de descarbonização. Entretanto, ocorre que, em paralelo à Conferência sobre Mudanças Climáticas de Bonn, que está ocorrendo desde o dia 6 de junho deste ano — com cerca de 4.000 delegados e observadores de todo o mundo — a reforma proposta, ao ser encaminhada ao Parlamento Europeu, foi rejeitada.
Em meio às brigas entre os partidos no Parlamento Europeu, algumas propostas, como a proibição da venda de novos veículos a combustão interna a partir de 2035 e o fim do subsídio de permissões gratuitas para aviação, foram aprovadas. Contudo, os parlamentares rejeitaram a reforma do ETS europeu, principal instrumento de política climática da UE.
Ainda, a aprovação dos textos sobre da criação de um novo Fundo Social de Ação Climática e o Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM, sigla em inglês) também foram adiados por estarem ligadas ao ETS.
A rejeição de itens importantes, como a reforma do ETS por exemplo, foi recebida de forma inesperada, o que se deu principalmente pela inserção de muitas emendas na proposta inicial e por desavenças entre os partidos de esquerda e direita, na defesa por metas mais ambiciosas na redução das emissões.
Entre as medidas que buscam evitar a “fuga de carbono” está o CBAM, que saiu prejudicado, uma vez que a reforma do ETS previa uma proposta de eliminação gradual das permissões gratuitas a partir de 2026 com phase-out em 2030, quando a taxa de carbono na fronteira estivesse totalmente operacional — 5 anos antes do previsto originalmente.
No cenário brasileiro e de outros exportadores para a UE, a recepção pode ser vista como um “respiro” no sentido de dar mais tempo para que a indústria energo-intensiva consiga se adaptar às necessidades de transformação para uma produção de baixa emissão de gases de efeito estufa (GEE), mantendo, assim, mais competitiva as exportações de produtos à UE.
Nesse contexto, não se pode esquecer das negociações em curso sobre o acordo Mercosul-UE, que pode ser potencialmente afetado pelo mecanismo europeu. De toda a forma, o texto com as demais propostas retorna ao Comitê de Meio Ambiente do Parlamento Europeu para futuras negociações e uma nova rodada de discussões.
Certamente, esta conjuntura ameaça o avanço necessário da agenda climática global, colocando em risco a aguardada ambição para a próxima conferência climática (COP 27), que ocorrerá no Egito, cujo foco será o debate sobre financiamento climática para o alcance da neutralidade climática até 2050.
Carolina Grangeia é doutoranda do Programa de Engenharia de Produção (PEP/COPPE/UFRJ), Mestre em Engenharia Urbana e Ambiental (PUC-Rio e Technische Universität Braunschweig) e Co-Head em ESG no agronegócio da Brazilian Research Alliance for Sustainable Finance and Investment — Brasfi. ([email protected])
Luan Santos é pós-doutor em Economia do Clima e do Meio Ambiente (Universität Graz, Áustria). Professor da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis (FACC/UFRJ) e do Programa de Engenharia de Produção (PEP/COPPE/UFRJ), além de Head de Mudança Climáticas e Precificação de Carbono da Brasfi. ([email protected])